Jair de Souza: Lições a extrair do sofrimento do bravo povo de Gaza
Tempo de leitura: 5 minLições a extrair do sofrimento do povo de Gaza
Por Jair de Souza*
Com a entrada em vigor do acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza, estamos podendo contemplar com mais nitidez o macabro saldo das ações da máquina de matar do sionista Estado de Israel contra a indefesa população civil palestina.
Se até pouco tempo atrás, Gaza já era conhecido como o território com a mais alta densidade populacional do planeta, onde quase dois milhões e meio de pessoas viviam espremidas em um espaço equivalente ao do bairro de Parelheiros na cidade de São Paulo, agora, essas mesmas pessoas devem tentar sobreviver amontoadas entre os escombros, pois quase tudo que ali havia foi destruído pelos bombardeios impiedosos das forças militares sionistas.
Bem, talvez, imbuídos de um “humanitarismo” típico do sionismo, as autoridades sionistas de Israel se preocuparam em aliviar um pouco o problema causado pelo excessivo número de habitantes em tão pouco espaço.
Deve ser por isso que, desde 7 de outubro de 2023, o Estado de Israel se dedicou a matar palestinos, em especial crianças e mulheres, tendo alcançado a cifra de cerca de 50 mil mortes em tão curto tempo.
Provavelmente, a motivação por trás desta matança era: “Com menos seres vivos, os palestinos poderão se acomodar melhor no que restar do lugar.”
Entretanto, a despeito de todos os horrores que pudemos ver em vídeos e fotos quase que ao vivo, as autoridades dos países europeus, de modo geral, não demonstraram preocupações sérias com o drama sofrido pelo povo palestino.
Em alguns lugares, como na Alemanha e França, por exemplo, as principais medidas tomadas por suas autoridades têm a ver com as tentativas de impedir que seus cidadãos externassem seu repúdio à complacência que estava sendo demonstrada perante um genocídio tão horripilante.
Como foi possível que tal coisa se desse numa região que gestou, criou e sofreu as consequências do nazismo há poucas décadas?
Apoie o VIOMUNDO
São questões importantes que precisam ser respondidas.
Muita gente tem dificuldade de entender a quase completa sintonia entre os neonazistas e seus contemporâneos sionistas.
Este estado de afinidade mútua se viu reforçado diante do horrendo crime que está sendo consumado em Gaza, onde os sionistas israelenses estão massacrando crianças, mulheres e todo o povo palestino, no mais abominável genocídio deste século.
Como explicar que os neonazistas defendam com tanto entusiasmo um morticínio praticado por aqueles que, segundo alguns, seriam seus mais detestados inimigos?
Na verdade, esta incompreensão se deve a uma errônea equiparação deste fenômeno a outro relacionado com o período em que o nazismo esteve vigente.
É que, na Alemanha hitlerista, os judeus eram retratados pelos nazistas como os seres mais desprezíveis imagináveis, cujo extermínio seria não apenas desejável, mas necessário para o bem da humanidade saudável.
Contudo, muitos se esquecem de levar em consideração que, na Alemanha e no restante da Europa daquela época, os judeus constituíam um grupo humano com características muito diferentes das que prevalecem entre os sionistas da atualidade.
Hoje em dia, no continente europeu, o número de habitantes que podem ser identificados como judeus é muito reduzido.
É importante deixar bem evidente que, até as primeiras décadas do século passado, o expressivo número de judeus na Europa era composto em boa medida por gente que vivia do trabalho assalariado. Assim como os demais trabalhadores, eles padeciam igualmente os sofrimentos causados pela violência do grande capital.
Além disso, convém ressaltar que muitos deles haviam aderido às lutas pela emancipação da classe operária e pela construção de sociedades de novo tipo.
Por isso, era frequente encontrar gente de ascendência judaica entre os líderes de movimentos revolucionários daquele momento. Por sua vez, a ideologia sionista era quase que irrelevante no seio dessas comunidades.
Portanto, muito mais do que em função de um inexplicável ódio racista visceral, a aversão nazista aos judeus naquele período foi construída essencialmente visando atender a necessidade de o grande capital dispor de algum grupo social que servisse como fator aglutinador das forças reacionárias para a defesa de seus interesses de classe contra as ameaças representadas pelo avanço da organização popular.
Como sabemos, as massas trabalhadoras judaicas da Europa de então desempenharam um papel similar ao que atualmente é exercido pelos imigrantes de países periféricos.
Hoje, seja nos países europeus ou nos Estados Unidos, os judeus já não representam um grupo de extração popular numericamente expressivo em condições de cumprir a função de inimigo comum a ser combatido.
Por isso, é sociologicamente improvável que o antissemitismo (em sua acepção de antijudaísmo) volte a ganhar proporções equivalentes à que teve durante a fase em que o nazismo hitlerista comandava a Alemanha.
Seria bom deixar claro que o parágrafo anterior não pretende ignorar os riscos de um rebrote do nazismo, ou alguma de suas variantes. Longe disto.
O que estamos tratando de explicar é que as peculiaridades prevalecentes na conjuntura do presente nos indicam que as vítimas-alvo da sanha neonazista não devem ser as comunidades judaicas e sim outros grupos sociais que se mostram muito mais propícios para serem usados com tal propósito.
Como já adiantamos brevemente, judaísmo e sionismo nunca significaram a mesma coisa. O judaísmo é uma identidade de cunho cultural ou religioso, mas não racial.
O sionismo, por sua vez, é uma ideologia forjada a partir dos interesses da grande burguesia judaica da época em que se travavam as grandes disputas interburguesas na Europa.
Nos dias de hoje, o sionismo é em essência uma ideologia a serviço do grande capital.
Assim, não é por mera casualidade que os neonazistas e os sionistas andam agora de mãos dadas em quase tudo. É porque, basicamente, o sionismo e o nazismo procuram preservar, defender e alcançar os mesmos objetivos, ou seja, a sustentação de tudo o que favoreça ao grande capital em sua fase mais destrutiva.
A humanidade deve muito ao humilde e bravo povo palestino, pois, com seu sofrimento, com sua coragem e com sua dor, ele foi capaz de revelar ao mundo a verdadeira cara do sionismo, a sua semelhança com o nazismo.
Então, torna-se muito mais fácil entender porque as forças associadas com a extrema direita nazifascista em todas as partes são as mais aguerridas defensoras dos crimes do sionismo. Longe de serem adversários, sionistas e neonazistas são agora aliados umbilicalmente ligados entre si.
Hoje, só alguém alheio a qualquer sentimento humanista é capaz de não enxergar no sionismo a ideologia mais atroz imaginável.
Também, graças à valorosa colaboração de muitas pessoas pertencentes a comunidades judaicas, está mais evidente do que nunca o entendimento de que judaísmo e sionismo não significam o mesmo.
Enquanto o primeiro é uma identificação cultural ou religiosa plenamente aceitável e legítima, o sionismo deve ser encarado como uma das ideologias mais perversas e nefastas já criadas pelo grande capital para servir a seus propósitos.
Se o genocídio e a tragédia do povo palestino resultaram em algo de útil para todos, creio que esta contribuição se deve a ter eliminado de vez quaisquer dúvidas que ainda pudessem persistir sobre o quão nefasto a ideologia sionista é.
*Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
Leia também
Salem Nasser: Cegueira seletiva, comoção seletiva, narrativas naturalizadas
Jair de Souza: Lições de nazismo cruelmente absorvidas e praticadas de novo; vídeo
Comentários
Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!
Deixe seu comentário