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Aviso aos navegantes: estamos em luta de classes
Por Jair de Souza*
Nos últimos dias, com a liberação ao público dos vídeos do interrogatório judicial do militar que atuava como ajudante-de-ordem do ex-presidente de extrema direita que exerceu o cargo entre 2019 e 2022, ficou evidente para todo mundo aquilo que as provas obtidas pelas investigações da Polícia Federal já haviam deixado cabalmente explícitas há algum tempo.
Entre os que se identificam com as maiorias trabalhadoras, as reações têm sido contraditórias.
Alguns estão se regozijando com o indiciamento e a provável condenação do patriarca da familícia e os principais integrantes da organização criminosa que articulou o plano de golpe de Estado e os assassinatos de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes.
Por sua vez, existem outros que veem com reticência este indiciamento, por acreditarem que, ao externar sua aprovação ao mesmo, a esquerda acaba abrindo espaço para que medidas de igual teor venham a ser aplicadas de forma arbitrária contra lideranças populares no futuro.
Enquanto os do primeiro grupo consideram que o indiciamento e condenação de todo o alto comando golpista nos favorece, uma vez que nos livra da necessidade de travar disputas eleitorais contra o setor de extrema direita com mais capilaridade e capacidade organizativa, que demonstrou saber se aproximar das massas através das igrejas neopentecostais e conquistar parte significativa de seu apoio; os do segundo gostariam que todo nosso empenho fosse feito tendo por objetivo derrotar essas forças neonazistas através da luta política. E não por vias judiciais.
No entanto, como costuma acontecer em muitas situações, vamos nos dar conta de que há acertos e equívocos permeando essas duas maneiras de sentir e reagir à realidade com que nos deparamos no momento.
Primeiramente, é preciso que digamos de alto e bom tom que as forças políticas do campo popular jamais, repetindo com ênfase, JAMAIS, deveriam se mobilizar para evitar que os mais nefastos inimigos da classe trabalhadora sejam alijados do jogo político.
Temos, sim, um compromisso inarredável com a defesa dos direitos de todos os que estão no espectro que abrange as forças populares e democráticas, mas NUNCA com os fascistas.
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Sobre a alegação de que não deveríamos aceitar argumentos que, em outras circunstâncias, poderiam ser usados para nos eliminar de cena para favorecer a preservação dos interesses dos setores hegemônicos dos capitalistas, não nos convém nutrir nenhuma ilusão.
As classes dominantes nunca precisam contar com NENHUMA justificativa válida e coerente para nos retirar de alguma disputa em que tenhamos possibilidade de atrapalhar seus planos de plena subjugação do conjunto da nação. Para fazer valer suas pretensões, elas precisam apenas dispor de força real para levar adiante seu objetivo.
Já em meados do século passado, os encarregados políticos das oligarquias não vacilaram em apelar para uma alegação visivelmente imbecil e sem fundamento para eliminar do cenário a grande figura da esquerda naquele tempo, Luiz Carlos Prestes.
Novamente, quando sentiram que contavam com força suficiente para se impor, esses mesmos setores reacionários não mostraram nenhum acanhamento em recorrer a uma alegação escabrosa de uma tal “pedalada fiscal”, para efetivar o impeachment de Dilma Rousseff.
Além disto, para inviabilizar a única liderança popular em condições de derrotar a todos os candidatos de seu plantel em 2018, as classes dominantes não hesitaram em apelar para as mais estapafúrdias manipulações jurídicas. Com isso, colocaram Lula na prisão e o tornaram inelegível.
Para tal propósito, criaram uma das maiores e mais bem financiadas organizações criminosas da história de nossa nação: a outrora badalada Operação Lava-Jato.
Precisamos ter muita clareza sobre uma questão: as classes dominantes não dependem de precedentes teóricos, jurídicos ou filosóficos válidos para darem amparo a seus atos de perseguição à classe trabalhadora e suas lideranças. Basta que disponham de força suficiente para fazer valer sua pretensão.
Então, aos companheiros que acreditam que os desfechos apresentados até agora pelo processo judicial contra os mentores e executores da tentativa de golpe de Estado de 2022 são indícios que desta vez a justiça prevalecerá, é preciso recordar-lhes que é um equívoco confiar na neutralidade e isenção do aparato judiciário de um Estado onde as classes dominantes ainda exercem uma significativa hegemonia.
Embora devamos tomar o tal indiciamento como algo positivo, e desejar que a condenação se consume, e que as penas sejam de fato aplicadas, ficar tão somente à mercê da boa vontade de nosso Judiciário pode nos resultar em sérias complicações.
Assim, é também imperativo que nos dediquemos à construção de fortes bases de sustentação política junto a nossa população.
Em síntese, deveríamos recorrer a tudo o que nos possa ser circunstancialmente favorável nas estruturas do sistema atual, ao passo que procuramos aumentar nossa inserção junto ao povo, buscando acumular força para que possamos alcançar soluções que nos sejam mais favoráveis.
Em relação com os que não concordam que se apliquem a nossos inimigos de classe as medidas que não gostaríamos que fossem aplicadas contra nós, é muito importante que todos tenham em mente que nós nunca reivindicamos o funcionamento das instâncias estatais com o objetivo de subjugar e explorar a outros setores sociais.
Por isso, não há como equiparar medidas tomadas para reprimir os que lutam para pôr fim à exploração com as tomadas no intuito de impedir que exploradores continuem a nos explorar.
Portanto, é mais do que justo que alcemos nossa voz em protesto contra o uso da lei para perseguir arbitrariamente os lutadores do campo popular, e que consideremos plenamente válido quando a legislação é empregada para nos proteger.
Se os propósitos que impulsam os extremistas de direita nada têm a ver com a justiça, por que eles não deveriam ser punidos?
Na verdade, sem hipocrisia, no mundo de justiça em que aspiramos viver, as classes dos exploradores nem deveriam existir como tais.
Em consequência, em nenhuma hipótese, deveríamos ter como nossa preocupação evitar que os exploradores do povo venham a ser atingidos pelo rigor das poucas leis do aparato estatal a que eles podem ser submetidos.
Para os que já se esqueceram, vale a pena lembrar: em sociedades compostas com base em classes com interesses antagônicos, a luta de classes permanece em vigor, e nela não há espaço para pseudo-moralismo e pseudo-neutralidade.
Os opressores não respeitam nada além da força organizada das massas populares. E se quisermos evitar que o arcabouço jurídico seja empregado arbitrariamente para atacar os que lutam a favor das causas das maiorias trabalhadoras, o mais eficaz instrumento para impedir que isto ocorra é a consolidação e organização das forças do campo popular e sua profunda inserção no seio da população.
*Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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