Jair de Souza: A realidade não pode ser substituída por palavras

Tempo de leitura: 3 min
Sábado, 24/08, Campo Limpo, Zona Sul de SP, comício de Boulos com a presença de Lula, o identitarismo deu péssimo: ao cantar o hino nacional, a intérprete usou a forma não binária; em vez da frase “dos filhos deste solo és mãe gentil”, cantou "des filhes". Foto: Guilherme Correia/Sputnik

Por Jair de Souza*

O recente incidente em que, num ato político de Lula junto a Guilherme Boulos, o hino nacional foi cantado tendo sua letra alterada para atender os desejos dos defensores do uso da linguagem neutra acabou por gerar mais um problema desnecessário para o campo popular em seu enfrentamento com as forças neoliberais de extrema direita.

E ao dizer que se tratou de um embate desnecessário eu quero enfatizar que se trata de uma temática onde a esquerda popular não tem quase nada a ganhar com a questão, mas muito a perder.

É claro que a luta social sempre é travada em todos os âmbitos da existência das sociedades humanas.

Por isso, eu tenho plena consciência de que a maneira como a realidade é retratada também reflete, em boa medida, as formas como as sociedades estão estruturadas.

Assim, que na linguagem corrente de muitos idiomas a generalização costuma ser feita através de formas do masculino é um claro indicio de que, onde isso ocorre, a ideia de supremacia masculina ainda persiste.

Mas, os que se interessam pelo estudo da linguística (e eu devo dizer que me encontro neste grupo) sabem muito bem que as palavras não têm significados petrificados nem eternos.

Isto quer dizer que os termos podem muito bem se dissociarem dos significados com os quais se originaram e passarem a simbolizar coisas bem diferentes, por vezes, até o oposto do que tinham ao surgirem.

É que o que dá significado às palavras não é tanto sua origem etimológica, mas aquilo que o contexto em que são usadas dá a entender.

Só para evidenciar o que está por trás do que tentei expressar no parágrafo anterior, vamos tomar uma expressão ofensiva muito usada entre nós: “filho da puta”.

Apoie o jornalismo independente

Quando, por exemplo, estamos dirigindo no trânsito de São Paulo e algum outro motorista nos dá uma fechada, é quase que espontâneo que gritemos ao dito cujo: “Seu filho da puta”. Seguramente, a pessoa à qual dirigimos essas palavras vai perceber de imediato que nossa intenção é ofendê-la.

Porém, vamos imaginar uma outra situação que também costuma ser corriqueira. Encontramos na rua a um amigo a quem muito prezamos e lhe dirigimos a palavra da seguinte maneira: “Puxa, você é mesmo um filho da puta, né? Eu contava com sua presença em minha festa de aniversário e você não apareceu.”

Seguramente, o uso que fizemos da expressão nesta oportunidade, em lugar de ofender, vai transmitir ao destinatário a certeza de que nutrimos por ele um grande afeto.

Tanto assim que apelamos para uma construção de grande peso ofensivo como maneira de ressaltar nossa estima.

Então, é isso mesmo o que eu quero deixar claro: as palavras só adquirem significado a partir do contexto em que estão inseridas.

É por tal motivo que eu considero que é muito mais importante travar a luta real por aquilo que consideramos justo do que darmos ênfase quase que somente à maneira como a expressamos verbalmente.

Ou seja, para mim, vale muito mais travar a luta pela conquista real de um direito do que meramente expressá-lo através da linguagem.

Assim, eu tendo a valorizar mais aos que lutam efetivamente para que em nossa sociedade haja menos discriminação em razão de diferenças de gênero do que os que o fazem quase que exclusivamente atendo-se à linguagem.

Estendo esta minha visão a outras das questões relacionadas com as pautas identitárias.

Por exemplo, muito mais do que aspirar a ver pessoas de pele negra ocupando postos de mando em nossas sociedades, eu prefiro me deparar com gente que defende que os negros, índios, etc. possam ter condições de vida que lhes possibilitem crescer e progredir da mesma maneira que os grupos tidos como não discriminados.

Não me parece para nada satisfatório que se tenha a crença de que por termos negros ocupando altos cargos nos principais aparelhos de força de uma sociedade se conclua que há ali justiça e não discriminação de cunho racista contra os afrodescendentes.

Quanto a isto, vamos recordar que o número um da principal máquina de morte do mundo (Secretário de Defesa e Chefe do Pentágono estadunidense) é Lloyd Austin, cujas pele negra e feições afrodescendentes estão estampadas na cara e não têm como não serem notadas logo à primeira vista.

Contudo, alguém poderia dizer que os negros estadunidenses já alcançaram igualdade de tratamento e gozam de respeito e consideração semelhantes aos dos brancos nos Estados Unidos?

Duvido que apareça alguém que de boa fé sustente que sim.

Portanto, em resumo, creio que é muito mais importante lutar por alcançar as metas que de fato possibilitem a transformação para melhor da vida de todos os que são discriminados e marginalizados nestas sociedades capitalistas em que estamos inseridos.

As expressões linguísticas decorrentes das transformações que almejamos virão na medida em que as lutas reais forem sendo travadas e nossas vitórias forem sendo obtidas.

A linguagem pode retroalimentar a luta pelas transformações da realidade, mas não pode substituí-la, pois é em essência um reflexo da sociedade, e não ao contrário.

*Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

Leia também

Alerta de Paulo Nogueira Batista Jr à esquerda

Julian Rodrigues: Lula está correto ao criticar o ”identitarismo”

Apoie o jornalismo independente


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Zé Maria

Após conversa com o Presidente da República, Silvio Almeida resolve deixar o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, para comprovar sua inocência.

NOTA À IMPRENSA
Íntegra da Nota:

“Nesta sexta-feira (6), em conversa com o Presidente Lula, pedi para que ele me demitisse a fim de conceder liberdade e isenção às apurações, que deverão ser realizadas com o rigor necessário e que possam respaldar e acolher toda e qualquer vítima de violência.

Será uma oportunidade para que eu prove a minha inocência e me reconstrua.

Ao longo de 1 ano e 8 meses à frente do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, reconstruímos a política de direitos humanos no Brasil.

Acumulamos vitórias e conquistas durante essa jornada que jamais serão apagadas.

https://www.instagram.com/silviolual/p/C_mJs4jpu1O

Zé Maria

.

A complexa teia de relações envolvendo o mundo das apostas esportivas,
subcelebridades de internet, cantor famoso e até ministro do STF.

Muita gente presa, suspeita de lavagem de dinheiro, jatinho, helicópteros
e carros esportivos de luxo e milhões de reais confiscados, além de uma
festa de aniversário num iate bilionário nas águas azuis do Mediterrâneo
grego com a presença de gente muito importante.

Na Edição Nº 127 da Revista Fórum:

https://semanal.revistaforum.com.br/wp-content/uploads/2024/09/Revista-Forum-127-6.9.2024.pdf

.

Zé Maria

.
.
O Lula vai nomear um Indicado pelos Puros

Coroné Lira, Bolsonaro, Moro e Dallagnol?
.
.

Zé Maria

“Palavras São Navalhas”
(Belchior)
.
.
“Nota à Imprensa do Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania”

“Posicionamento Oficial Sobre Falsas Acusações de Assédio”

“Repudio com absoluta veemência as mentiras
que estão sendo assacadas contra mim.

Repudio tais acusações com a força do amor
e do respeito que tenho pela minha esposa
e pela minha amada filha de 1 ano de idade,
em meio à luta que travo, diariamente, em favor
dos direitos humanos e da cidadania neste país.

Toda e qualquer denúncia deve ter materialidade.

Entretanto, o que percebo são ilações absurdas
com o único intuito de me prejudicar, apagar
nossas lutas e histórias, e bloquear o nosso futuro.

Confesso que é muito triste viver tudo isso, dói na alma.

Mais uma vez, há um grupo querendo apagar e diminuir
as nossas existências, imputando a mim condutas
que eles praticam.

Com isso, perde o Brasil, perde a pauta de direitos humanos,
perde a igualdade racial e perde o povo brasileiro.

Toda e qualquer denúncia deve ser investigada com todo
o rigor da Lei, mas para tanto é preciso que os fatos
sejam expostos para serem apurados e processados.
E não apenas baseados em mentiras, sem provas.

Encaminharei ofícios para Controladoria-Geral da União,
ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e Procuradoria-
Geral da República para que façam uma apuração cuidadosa
do caso.

As falsas acusações, conforme definido no artigo 339 do Código Penal,
configuram “denunciação caluniosa”.

Tais difamações não encontrarão par com a realidade.

De acordo com movimentos recentes, fica evidente que há
uma campanha para afetar a minha imagem enquanto
homem negro em posição de destaque no Poder Público,
mas estas não terão sucesso.

Isso comprova o caráter baixo e vil de setores sociais
comprometidos com o atraso, a mentira e a tentativa
de silenciar a voz do povo brasileiro, independentemente
de visões partidárias.

Quaisquer distorções da realidade serão descobertas
e receberão a devida responsabilização.

Sempre lutarei pela verdadeira emancipação da mulher,
e vou continuar lutando pelo futuro delas.

Falsos defensores do povo querem tirar aquele
que o representa.

Estão tentando apagar a minha história com o meu sacrifício.”

SILVIO ALMEIDA
MINISTRO DE ESTADO DOS DIREITOS HUMANOS E DA CIDADANIA

https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2024/setembro/nota-a-imprensa-do-ministro-dos-direitos-humanos-e-da-cidadania-silvio-almeida

Zé Maria

As Investigações sobre a Organização Criminosa
que Lava Dinheiro em Apostas (Bets) em Jogos
pegam Muitos Tu-Barões Bilionários, para que
o Assunto Perdure muito tempo na Imprensa.

É Melhor mudar o Rumo da Prosa…

Zé Maria

Como Ministra que é, Annielle, deve vir a público
esclarecer o que é Verdade ou o que é Mentira
sobre o que está sendo Divulgado pela Imprensa.

Zé Maria

.

Alguém acredita numa ONG que é
Patrocinada por FEBRABAN e UBER
e uma Associação Ligada à Lava-Jato?

Quem irá juntar as penas
desse travesseiro rasgado?

.

Zé Maria

Variação Percentual do PIB dos País Desenvolvidos e Emergentes
no Segundo Trimestre de 2024 em Realçaão Trimestre Anterior
https://cdn.bsky.app/img/feed_thumbnail/plain/did:plc:hcr7xjlfmxvtjltspewnifum/bafkreifmkkp5pzb3xj6eme46e7ff743yutaqejbxv7veezacj7c5qbittm@jpeg
https://cdn.bsky.app/img/feed_thumbnail/plain/did:plc:hcr7xjlfmxvtjltspewnifum/bafkreiehd5imei5iipuigcg367teres3aiu3mu7ldzzteketkewptppaji@jpeg

“Não caiam em armadilhas. A notícia do dia é:

O Brasil ficou em Segundo Lugar num Ranking de Crescimento da Economia
com 53 Nações feito pela empresa de Classificação de risco Austin Rating.

O país registrou um crescimento de 1,4% do PIB no Segundo Trimestre 2024.

https://bsky.app/profile/kriskacarvalho.bsky.social/post/3l3bwlgufhd2r

Zé Maria

https://bsky.app/profile/lula.com.br/post/3l3dxszijwi2o

Todas as 21 Escolas Públicas que se destacaram no
IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)
Estão Localizadas na Região Nordeste do Brasil

Ceará teve 15 escolas com o maior IDEB, e depois
Alagoas, com 5, e Pernambuco, com uma.

Saiba como é calculado o Indicador em:
https://download.inep.gov.br/ideb/nota_informativa_ideb_2023.pdf

Resultados:
https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/ideb/resultados

https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/2024/setembro/governo-federal-reune-as-21-escolas-que-se-destacaram-no-ideb
.
.
Mas a “Elite do Atraso”, Reacionária,
Não quer que o Brasil se Desenvolva.

O Coronelismo vige nos Herdeiros.
E o Patrimonialismo, cujo Arquétipo
É o Patriarcalismo, Ainda Sobrevive.

Infeliz do Povo que elege um Patriarca,
Coroné, Capitão ou General, como Líder
para conduzir os Destinos da Nação.
.
.
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/16570/16570_5.PDF
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/16570/16570_1.PDF
https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/o-que-e-patrimonialismo-e-o-que-ele-tem-a-ver-com-as-joias-de-bolsonaro
.
.

José Espare

Ou seja, podemos concluir que lutar por transformações reais nas condições de vida das pessoas é mais importante do que centrar fogo em mudanças superficiais. Se quisermos pôr fim à discriminação por gênero ou etnia, por exemplo, nossa primeira preocupação deveria ser travar as lutas que levem a mudanças nas condições sócio-materiais que dão sustentação a tais problemas. Nosso engajamento nas lutas por eliminar os obstáculos que impedem a participação em pé de igualdade dos grupos discriminados e marginalizados é o que poderá abrir caminho para que também haja mudanças no simbólico, e não o inverso.

Nelson

Excelente texto, Jair de Souza.

“A linguagem pode retroalimentar a luta pelas transformações da realidade, mas não pode substituí-la, pois é em essência um reflexo da sociedade, e não ao contrário.”

Em outras palavras, os identitários, que parece não quererem perder um minuto sequer na tentativa de incutir nas mentes das pessoas sua pauta, como se fosse a pauta a pairar muito acima das demais em importância, estão a “colocar a carroça na frente dos bois”.

A questão tem muito a ver com a cultura e aspectos sociais desse cunho não mudam de uma hora para outra. É preciso dar tempo ao tempo, sob pena de que a insistência desmedida acabe causando repulsa e, desta forma, a evolução que se deseja atrase ainda mais.

Então, me parece que, daqui a pouco, o identitarismo pode desabar para o idiotitarismo.

Nelson

Excelente texto, Jair de Souza.

“A linguagem pode retroalimentar a luta pelas transformações da realidade, mas não pode substituí-la, pois é em essência um reflexo da sociedade, e não ao contrário.”

Em outras palavras, os identitários, que parece não quererem perder um minuto sequer na tentativa de incutir nas mentes das pessoas sua pauta, como se fosse a pauta a pairar muito acima das demais em importância, estão a “colocar a carroça na frente dos bois”.

A questão tem muito a ver com a cultura e aspectos sociais desse cunho não mudam de uma hora para outra. É preciso dar tempo ao tempo, sob pena de que a insistência desmedida acabe causando repulsa e, desta forma, a evolução que se deseja atrase ainda mais.

Então, me parece que, daqui a pouco, o identitarismo pode desabar para o idiotitarismo?

Zé Maria

“As Palavras são Fontes
de Mal-Entendidos”
Antoine de Saint-Exupéri

Deixe seu comentário

Leia também