Israel Gonçalves: É possível mudar o Brasil?

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Em maio de 2022, TSE e Polícia Federal realizaram simulações de ataques hackers a urnas eletrônicas. Relatório da Comissão Avaliadora do TPS (Teste Segurança Público) apontou que elas são seguras. Foto: Sérgio Lima/Poder 360

É possível mudar o Brasil?

Por Israel Aparecido Gonçalves, especial para o Viomundo

“Ainda leva uma cara
Pra gente poder dar risada
Assim caminha a humanidade
Com passos de formiga
E sem vontade”
Assim caminha a humanidade (Lulu Santos)

A eleição deste ano vive um paradoxo. É a primeira vez que o sistema eleitoral sofre, de forma direta e sistemática, ataques sem fundamentos racionais ou comprobatórios de um presidente eleito pelo próprio sistema o qual ele critica.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) elabora, sem bases reais, críticas ao nosso sistema eleitoral, mas tem se utilizado dele por mais de 28 anos. Ele prefere radicalizar o seu discurso contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e contra as urnas eletrônicas, que são usadas desde 1996, em vez de trabalhar para aperfeiçoar o sistema eleitoral.

É fato que o atual deputado federal do PSDB, Aécio Neves, questionou as urnas em 2014, no entanto as divergências foram apuradas e a ordem se restabeleceu em curto prazo.

Dessa forma, torna-se válido e necessário apontar falhas no sistema, desde que se tenha alguma evidência real.

Aécio e sua equipe de campanha, na época, aceitaram a derrota após a reavaliação dos votos no segundo turno e o fluxo do sistema político eleitoral foi restabelecido com eleições normais em 2016.

Então, o caso de Aécio mostrou que o sistema eleitoral pode ser auditado.

Entretanto, o que vivenciamos atualmente não é o questionamento de uma votação ou de um fato, mas é a autodestruição do esclarecimento, referência esta ao livro Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos (1947), de Max Horkheimer e Theodor W. Adorno, pensadores filiados à Escola de Frankfurt.

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Na obra, os pensadores indicam como o nazismo e o fascismo conseguiram, por meio de um discurso racional e técnico, levar as massas a uma guerra total.

A grande problemática era que os discursos ou metanarrativas tinham uma lógica discursiva sem uma conexão com realidade social e, mesmo assim, a sociedade alemã e italiana apoiaram os regimes totalitários.

Não quero assumir a tese de que o Brasil, com sua longa trajetória escravista tenha, no século XXI, assumido uma moral Iluminista, muito difícil acreditar em sociedade iluminista/esclarecida em que se tenha a escravidão.

Também não se pode combinar Iluminismo e ditadura militar. No Brasil, tivemos três momentos de exceção: 1889-1894, República da Espada; 1934-1945, Era Vargas; e 1964-1985, Regime Militar. Aqui nos trópicos, os ideais iluministas duraram pouco tempo no século XX.

Foi a partir de 1985, com o advento da nossa terceira República, quando houve a construção da maturidade do sistema político, com eleições democráticas e periódicas e autonomia do sistema eleitoral como uma instituição de Estado, mesmo que Vargas já tenha criado algumas instituições ou leis importantes nos anos de 1930, como o Código
Eleitoral de 1932.

Aliás, por sua história, atualmente, o Brasil é uma referência de democracia, mesmo com nossas inconsistências no âmbito social e político.

A reflexão encarada neste texto não busca uma resposta final ou única, ao contrário, o paradoxo tem raízes profundas na cultura conservadora do país e pode levá-lo à barbárie.

Para a retomada do esclarecimento, com a finalidade da construção de uma civilização democrática, uma questão deve ser levantada: por que a grande mídia, em especial a televisiva, sabendo da farsa do atual governo, dos seus malfeitos, não o desmascara em suas teses mais radicais?

Assim como o liberalismo econômico, mídia isenta nunca existiu de fato. Entretanto, não é o momento de se fazer essa crítica.

Porém, é oportuno ao jornalismo retornar ao básico do seu métier, ir aos fatos e dar voz a quem realmente tem um projeto sério para o país (indiferente da ideologia política), mesmo que isso contradiga o editorial do jornal.

Além da mídia, outra forma de sair desse paradoxo, onde “Ignorância é Força”, como já aponta George Orwell, no livro 1984, é necessário mais educação.

Longe de propagar o falido sistema marxista, pois é plenamente possível ser crítico sem ser marxista, tanto que podemos fazer com que a escola seja um centro de debates, via aulas, seminários, ações práticas e de emancipação política e moral, sem fazer revolução.

Aliás, em Marx a classe revolucionária é a classe operária e não os estudantes. Para entrar na seara da pedagogia, precisamos mais de Célestin Freinet do que o citado, mas pouco usado, Paulo Freire em nossas aulas.

O jovem deve se reconhecer como sujeito da sua própria história, e história – no sentido profissional – é entender sobre fontes históricas, normas acadêmicas e as diferenças entre o que é fato e o que é discurso ou demagogia.

A escola não está fora da política, aliás, ela é uma instituição política suprapartidária e possui até um Plano POLÍTICO Pedagógico, ou seja, faz política como meta.

Uma das conclusões da obra supracitada de Horkheimer e Adorno é uma visão pessimista do futuro.

Adaptando a obra dos frankfurtianos à realidade brasileira, é possível indicar que o seguinte período democrático (1985-2018) reconheceu vários direitos individuais e ambientais, criando um otimismo na esfera política e social, mas não ocorreu, por parte da sociedade e suas instituições, o entendimento de que os avanços aconteceram por causa da nossa democracia, isto é, a democracia liberal não se tornou uma moral da vida política do país na Terceira República, por isso, há uma certa nevoa ou tristeza por não termos avançados mais, enfim um pessimismo.

Apontando uma solução política ou de forma mais direta, uma mudança social, pode-se indicar que a emancipação da nossa sociedade acontecerá quando entendermos que liberdade política é um conflito constante em razão da manutenção de nossas instituições republicanas em todos os governos.

A mídia, a escola e todos nós podemos e devemos discordar de governos, contudo, é necessário, por um sistema justo, racional e transparente para os cidadãos, preservar os mecanismos que permitem a crítica aos governos e a troca de representantes no parlamento, como exemplos.

A ignorância só é força enquanto o dicionário ficar fechado; abri-lo é uma ação política e precisamos realizar isso de forma urgente, sob risco de a barbárie se tornar a regra em vez de ser algo conjuntural.

Referências

ADORNO; Theodor W.; HORKHEIMER; Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro; Jorge Zahar, 1985.

ORWELL, George. 1984. 23º ed. São Paulo; Editora Nacional, 1996.

*Israel Aparecido Gonçalves é doutorando em Sociologia Econômica pela UFSC e autor e organizador de nove livros.

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