Israel está perdendo, avaliam Layan Fuleihan e L. Mohammed, no Peoples Dispatch

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Protesto na cidade de Nova York (EUA) contra os ataques em Rafah. Foto: Wyatt Souers/ANSWER Coalition

Israel está perdendo

Após sete meses do genocídio de Israel, os EUA foram forçados a mudar sua posição sobre seu apoio incondicional a Israel

Por Layan Fuleihan e L. Mohammed, no Peoples Dispatch*

Israel está intensificando seu ataque a Rafah, assassinando civis, iniciando a violência armada no terreno e lançando bombas do céu sobre a cidade.

Apesar do fato de o Hamas ter concordado com a última versão da proposta de cessar-fogo – aprovada por todas as outras partes nas discussões de negociação – Israel insistiu em avançar com seu genocídio, fixando os seus olhos no último local de refúgio em Gaza e enviando notificações de evacuação.

Israel recusou-se a aceitar o acordo de cessar-fogo e, em vez disso, continua seu ataque genocida contra o povo palestino.

Este desenrolar dos acontecimentos é muito esclarecedor para quem ainda possa ter dúvidas sobre o processo de negociação até o momento.

Nos últimos meses, Tel Aviv e Washington insistiram na mesma narrativa – os palestinos estão bloqueando as negociações. Esta é uma narrativa totalmente falsa, tanto agora como historicamente.

Agora o mundo pode ver que existe um acordo real de cessar-fogo que todas as partes, incluindo a mediação, aprovaram, e foi Israel quem o recusou – e não o contrário.

O que isto elucida é que Israel e os Estados Unidos nunca vieram para a mesa de negociações de boa fé.

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Muitos dos que fizeram parte dos acampamentos estudantis nas últimas semanas tiveram agora uma experiência em primeira mão com negociações, o que realmente significa “negociar” com um inimigo que não tem intenção de fazer quaisquer concessões reais, e o tipo de propostas traiçoeiras que o inimigo apresenta.

Estas propostas insultuosas dificilmente representam qualquer flexibilidade face às exigências das outras partes.

Isto é o que tem acontecido nas negociações entre a resistência palestina e Israel.

Israel, até agora totalmente apoiado pelos Estados Unidos, recusou de forma categórica qualquer proposta que atendesse ao mínimo das exigências do Hamas.

Este momento também deixou claro o papel que os Estados Unidos têm desempenhado nos últimos meses e demonstrou a instabilidade e o caráter contraditório do momento atual.

Este momento também esclareceu o papel que os Estados Unidos têm desempenhado nos últimos meses e demonstrou a instabilidade e o carácter contraditório do momento atual.

Os Estados Unidos assumiram recentemente a posição de se oporem à invasão de Rafah e de pressionarem por um acordo de cessar-fogo.

Embora esta seja aparentemente uma nova posição, na prática, não é necessariamente tão diferente de antes.

Em termos simples, se os EUA realmente se opusessem à invasão de Rafah, Biden poderia fácil e rapidamente fazer um telefonema – primeiro para o Pentágono, depois para Tel Aviv – para acabar com a invasão, empregando força política, econômica e militare para cortar toda a ajuda a Israel, parar a invasão e pôr fim à atual fase da guerra.

Isto significaria uma inversão completa da política externa dos EUA em relação a Israel até agora e, logicamente, continua sendo uma realidade improvável.

Por exemplo, embora a Casa Branca tenha recentemente interrompido um carregamento de cerca de 3.500 itens de munição, causando alguma consternação entre os possíveis destinatários, continua prestando assistência de segurança.

Este anúncio não afeta o pacote de ajuda de 26 bilhões de dólares assinado no mês passado, e a pausa é expressa com a garantia de que o seu apoio global permanece firme.

Mas Biden está sinalizando, ao insistir que o governo dos EUA não apoia a operação em Rafah, que deseja que um cessar-fogo seja aprovado.

Muitos dos países da União Europeia e da comunidade internacional, tanto a nível geopolítico como a nível do movimento de massas, estão todos contra a ocupação e invasão de Rafah. E, no entanto, Israel prossegue com o seu genocídio.

Israel não está isento de contradições – tantas, na verdade, que seriam necessárias muito mais páginas para detalhar. Alguns de seus próprios líderes políticos e membros da classe dominante conclamaram a um cessar-fogo, enquanto outros insistem na invasão.

Netanyahu apega-se ao prolongamento da guerra como a sua única esperança de evitar sua prisão.

No início desta semana, as famílias dos reféns israelenses detidos em Gaza divulgaram um comunicado exigindo que Netanyahu aceitasse o acordo de cessar-fogo para que seus familiares fossem libertados, e ameaçaram incendiar o país se isso não acontecesse.

Apesar da divisão política interna, Israel ainda recuou nas negociações e prosseguiu com o ataque a Rafah, arriscando a estabilidade de que desfrutava na sua relação com os Estados Unidos e alegando que está pronto para lutar sozinho.

A derrota de Israel

Para compreender plenamente o que está ocorrendo neste momento, é importante contextualizar estes desenvolvimentos recentes e examinar como os acontecimentos se desenrolaram até agora.

As negociações e a escalada dos ataques a Rafah ocorrem num contexto em que Israel enfrenta condições de derrota muito concretas.

Isso já se vislumbra como verdade há algum tempo, mas nunca esteve tão evidente como esta semana. E por derrota queremos dizer coisas muito concretas.

Em primeiro lugar, os israelenses não alcançaram seu objetivo principal de destruir a capacidade militar da resistência palestina. A resistência palestina continua tanto a se defender como a responder à violência genocida da ocupação.

Os EUA e Israel também não conseguiram conter ou dominar a resistência regional contra sua agressão.

Na verdade, o Iêmen, o Líbano, a Síria, o Iraque e os muitos diferentes outros atores em toda a região simplesmente intensificaram seus ataques contra a ocupação.

Há algumas semanas, o Irã lançou com sucesso um ataque histórico contra Israel em resposta ao ataque de Israel à embaixada iraniana na Síria.

Este ataque direcionado à infra-estrutura militar Israel virou a mesa, fazendo com que as bases militares israelenses e norte-americanas na região já não sejam eficazes como força de dissuasão, mas que agora representem vulnerabilidades para o imperialismo, o império estadunidense e o sionismo.

Outro sinal muito importante da derrota de Israel e que não é frequentemente discutido, é que o genocídio e a ocupação israelenses não conseguiram destruir a organização social palestina e o tecido social da sociedade palestina em Gaza.

Os comitês de emergência ainda estão funcionando e estão sendo formados em toda Gaza para garantir que a escassa ajuda que consegue entrar possa ser distribuída de forma eficiente e adequada.

Isto é muito importante – um povo organizado é muito mais difícil de ser derrotado.

O povo palestino, que enfrenta as condições mais extremas de fome, genocídio, massacre e destruição total de suas moradias, não só está organizando estes comitês de emergência para distribuir ajuda, mas também preparando as cidades evacuadas, como Khan Younis e outras partes do Norte, para o retorno de seu povo.

Esta conquista é tão incrível que as forças de ocupação começaram a assassinar os organizadores dos comitês de emergência. A capacidade do povo palestino de se organizar para sobreviver é uma ameaça à ocupação e prova ser outro indicador da derrota de Israel.

Finalmente, a base social do sionismo, interna e externamente, está quase completamente destruída. Sua crise interna atingiu uma magnitude de proporções históricas.

Mas a base social do sionismo não está localizada apenas em Israel: muito do apoio social ao projeto sionista também depende de comunidades e instituições em todo os Estados Unidos, uma vez que o imperialismo norte-americano tem os seus próprios interesses na região.

No entanto, a classe dominante dos EUA está perdendo o controle de suas próprias instituições, como pode ser visto pelos acampamentos na Universidade de Columbia e pela revolta do movimento estudantil em todo o país.

Enfrentando uma grave crise de legitimidade, as bases sociais do sionismo, incluindo os organismos que normalmente financiam, promovem e apoiam politicamente uma narrativa sionista, já não são capazes de manter o controle sobre essa narrativa ou sobre seu próprio povo.

Como este genocídio não é apenas financiado pelos Estados Unidos, mas também, em muitos aspectos, concebido e apoiado politicamente pelos Estados Unidos, a trajetória desta mais recente guerra contra o povo palestino tem implicações concretas para os EUA. Quando Israel sofre ameaça de derrota, os Estados Unidos também sofrem.

O movimento pró-Palestina encurralou Biden

Os Estados Unidos estão se debatendo com as suas próprias perdas na arena da opinião pública, tanto internamente como em nível geopolítico, o que deve ser creditado ao movimento de massas pró-Palestina, que não apenas tem se mobilizado para rejeitar o genocídio, mas também construído o poder nas ruas todos os dias.

Nos últimos meses, o movimento fez com que fosse impossível para Biden escapar impune, simplesmente por dizer que quer um cessar-fogo e, com isso, esperando que todos o aplaudissem.

As ações que têm varrido os EUA têm consistentemente cobrado medidas muito mais concretas, exigindo tudo o que seja possível. É possível acabar com o genocídio. É possível impedir a invasão de Rafah. Basta uma decisão da Casa Branca para conseguir isso.

Ninguém espera que a classe dominante seja sensibilizada por um sentido de moralidade, mas pode ser impulsada por pressão política.

As mobilizações contínuas nos EUA, que não diminuíram por mais de sete meses, demonstram ao mundo como a classe dominante foi derrotada na frente doméstica. E por saberem que o seu público está atento, pronto e mobilizado, eles são forçados a avaliar com seriedade as consequências de suas manobras e decisões de política externa.

Mais uma vez confrontados com condições de derrota, os Estados Unidos querem que esta fase da guerra termine.

É claro que Biden está traçando um limite na invasão de Rafah, não devido a uma súbita mudança de atitude em relação às vidas palestinas, mas porque a Casa Branca perdeu a confiança na capacidade de Israel de derrotar o Hamas por meios militares.

A fim de preservar alguma possibilidade de alcançar seus objetivos militares e econômicos na região, os EUA estão tentando desesperadamente permanecer à tona na nave de guerra israelense que está indo a pique, sem abandonar completamente o navio.

Os EUA também estão perdendo a preferência de seu próprio público em um nível sem precedentes, e seus próprios interesses estão perigando à medida que Israel expõe a hipocrisia das instituições apoiadas pelos EUA, desde os meios de comunicação social corporativos até às universidades.

Biden espera encontrar uma estratégia de escape que lhe permita salvar qualquer vestígio de reputação.

A pressão pública que o movimento de massas pró-Palestina impôs sobre os guerreiristas da Casa Branca continua crescendo há sete meses.

Na semana passada, dezenas de milhares de pessoas, estudantes e trabalhadores, saíram às ruas numa tarde de quarta-feira para o 1º de Maio, numa hora em que Biden esperava que as pessoas simplesmente perdessem o fôlego e desistissem.

A mobilização do 1º de Maio na cidade de Nova York, repetida em cidades e locais de todo o mundo, serviu como indício do fato de que a luta pela Palestina desencadeou uma nova onda de solidariedade internacional, um movimento global que vem elevando a consciência de classe das pessoas.

Uma vitória para a Palestina é uma vitória para os povos do mundo

Centenas de milhares de pessoas em todo o país, milhões em todo o mundo, continuam indo às ruas semana após semana. O movimento pró-Palestina continuará a fazê-lo, pois faz exigências que vão muito além de um cessar-fogo, cobrando o fim da ocupação e à libertação total da Palestina.

Nas ruas, a classe trabalhadora carrega a bandeira da Palestina, e a Palestina carrega a bandeira da classe trabalhadora. Sabemos que é nosso dever sonhar com um futuro melhor e isso é algo que devemos fazer juntos.

Assim como uma derrota israelense é uma derrota dos EUA, sabemos que uma vitória dos palestinos é uma vitória nossa, é a vitória do povo. E também sabemos que esse movimento não surgiu do nada.

Nos últimos sete meses, milhares de pessoas construíram as suas organizações e aprimoraram as suas competências.

Cada vez mais pessoas estão assumindo tarefas organizacionais pela primeira vez, demonstrando o poder de um movimento organizado: estão fazendo cantos com um megafone, panfletando no metrô, organizando protestos em seus bairros, aprendendo uns com os outros e levando isso de volta a suas comunidades.

As pessoas perceberam o poder que possuem e vêm afirmando dia após dia que o governo não tem seu consentimento para continuar apoiando o genocídio. O povo se recusa a ser cúmplice do genocídio – o genocídio de quaisquer povos oprimidos em todo o mundo.

Na semana passada, fortes chuvas caíram sobre Rafah, quebrando uma onda de calor persistente.

De nossos camaradas em Rafah, ouvimos reflexões de que esta oscilação feroz entre as condições climáticas do inverno e do verão lembrava a mesma chicotada que todos poderíamos sentir devido às constantes idas e vindas entre as ameaças de invasão (e aumento de ataques aéreos) em Rafah, e a esperança de que seja alcançado um adequado acordo de cessar-fogo – que seja realmente representativo da vontade popular.

Mas no meio de toda esta volatilidade, há uma esperança inquebrantável de que o fim desta guerra está próximo e que o fim desta guerra gerará uma forma de o povo palestino alcançar seus objetivos de libertação, de dignidade e de verdadeira independência.

Há uma imensa esperança de que o fim desta guerra servirá para traçar um caminho para a libertação total daqui em diante.

O movimento pela libertação da Palestina já conseguiu muito. Tornou as suas exigências inevitáveis. Tornou a Palestina inevitável. Tornou a situação insustentável para a classe dominante dos EUA.

E continuará a fazer isso porque o movimento não abandonou suas reivindicações nos últimos sete meses, e também não as abandonou durante os últimos 76 anos.

Esta semana comemoramos os 76 anos da Nakba, a ”catástrofe”, que teve início, em 1948, com a desapropriação e o roubo em massa de terras palestinas, e prossegue até os dias atuais.

Comemoraremos isso junto com o compromisso inabalável que tão somente se viu ainda mais fortalecido ao longo dos últimos sete meses, vamos comemorá-lo em nossos discursos, em nossos protestos, em nossas arrecadações de fundos, em nossos locais de trabalho e instituições.

Não nos esquecemos da Nakba, nunca nos esqueceremos dos 40 mil mártires que ganhamos nos últimos sete meses, e é nosso dever garantir que os culpados deste genocídio também não se esqueçam.

*Peoples Dispatch é um projeto de mídia internacional que tem como missão trazer até os seus leitores vozes de movimentos e organizações populares em todo o mundo.

Tradução para o português: Jair de Souza

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