Ascensão da China, reconfigurações no Sul Global e implicações para América Latina

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Ascensão da China, reconfigurações no Sul Global e implicações para Nuestra América

O sexto e último caderno da série “China na (des)ordem mundial” debate a atual transição histórico-espacial, ao abrir um conjunto de reconfigurações, possibilidades e novos desafios à ordem global

Por Gabriel Merino, Julián Bilmes e Amanda Barrenengoa, no Tricontinental

Resumo

O presente artigo aborda a última das tendências apresentadas na série de cadernos China na (des)ordem mundial, em que foram trabalhadas diferentes dimensões da crise de hegemonia em curso e dos processos de transição histórico-espacial, com particular enfoque na ascensão da China.

Propomos completá-los centrando-nos nas condições emergentes e nas perspectivas que se abrem para a Nuestra América e para todo o Sul Global, no meio destas transições e processos de natureza estrutural.

A atual transição histórico-espacial abre um conjunto de reconfigurações e, com estas, possibilidades e novos desafios que procuramos abordar a seguir.

É uma transformação do próprio sistema mundial e é assim que deve ser entendida a ascensão da China, um país imenso que há apenas 70 anos era um dos mais pobres do planeta depois do “século da humilhação”.

Consideramos o cenário atual como uma oportunidade histórica para os povos do Sul Global, para mais uma vez construírem e fortalecerem um projeto nacional latino-americano de soberania, autonomia e justiça social.

Introdução

Como vimos nos cadernos anteriores, a referência à ascensão da China em relação ao declínio dos EUA como potência unipolar tem sido o quadro geral a partir do qual estudamos a atual transição histórico espacial.

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No meio destes processos é que colocamos o dilema e a tensão que atravessa a nossa região, entre o aprofundamento da condição periférica, dependente e “subdesenvolvida” dos nossos países, ou a possibilidade de recuperar o compromisso pela autonomia, a integração, a soberania e a justiça social.

Ambos se baseiam em posições e construções opostas que vêm gerando diferentes problemas, desafios e oportunidades para os povos do Sul Global.

A seguir, estruturamos três eixos para pensar, a partir de Nuestra América, a relação entre o declínio do poder anglo-americano – com centro nos EUA – e o avanço da China como centro emergente de expansão das forças produtivas e sua estratégia alternativa para se projetar em nível mundial.

Em primeiro lugar, propomos uma reflexão geral sobre as transições de poder – ou hegemônicas – do capitalismo histórico e as oportunidades que abriram para as periferias e semiperiferias do sistema mundial.

Em segundo lugar, como parte da transição atual, nos aprofundamos nas reconfigurações produzidas pela ascensão chinesa no Sul Global em geral – o antigo Terceiro Mundo -, e com a região da América Latina e Caribe, em particular.

Investiga-se nos instrumentos econômicos, financeiros e diplomáticos que fazem parte da estratégia chinesa de aproximação à região, que discussões, tensões e possibilidades eles abrem e como colocamos a China no quadro das heterogeneidades que coexistem hoje no Sul Global.

Por último, concluímos propondo uma leitura das oportunidades, tensões e desafios que a etapa atual abre para a nossa região em termos geopolíticos e geoeconômicos.

A transição como uma oportunidade histórica

Uma primeira tese a levantar aqui – como uma “lição histórica” – é que as transições hegemônicas ou do poder mundial criam condições para revoltas, insurreições ou insubordinação de povos e nações oprimidas. São as etapas em que as revoluções e contrarrevoluções se espalham no sistema mundial.

É claro que estes não são fenômenos mecânicos, mas estas transformações adquirem as suas singularidades em cada país e região, ao mesmo tempo que ocorrem fluxos e refluxos das lutas nacionais e sociais.

Seguindo Giovanni Arrighi, podem ser observados sucessivos ciclos sistêmicos de acumulação do capitalismo mundial, desde os seus primórdios até ao século XVI, cada um dos quais foi liderado por agências estatais que definiram uma hegemonia da Espanha e Portugal juntamente com as cidades-estado italianas lideradas por Gênova, Holanda e as Províncias Unidas, Grã-Bretanha e, posteriormente, Estados Unidos.

É apenas a partir do ciclo britânico no século XIX, com a conquista da Índia, a subordinação e o declínio da China como grande centro econômico mundial e a divisão da África, que o sistema mundial capitalista centrado no Ocidente geopolítico se torna mundial.

Neste percurso pode-se rastrear o trânsito do dinheiro e do poder político-militar, bem como as transformações nas relações sociais de produção, aproveitando a acumulação originária resultante da conquista da América: é só a partir dessa conquista que a Europa ocidental pode emergir da sua condição de periferia na Eurásia de mil anos.

Nesta dimensão econômica e tecnológica, foram também decisivas as sucessivas revoluções industriais, desde os séculos XVIII-XIX até à atual transformação do paradigma técnico-econômico, anunciada como uma “quarta revolução industrial” (cuja ascensão e disputa abordamos no Caderno anterior).

A par destas sucessivas reconfigurações no poder mundial, as mudanças políticas, tecnológicas e produtivas impactam nas periferias e semiperiferias por diferentes tipos de modernizações, em diferentes áreas: econômica, produtiva, comercial, política, institucional, social etc. Isto transforma as sociedades periféricas ao gerar o movimento de novos atores e classes sociais.

Para recuperar alguns exemplos históricos, isto pode ser visto no quadro da transição hegemônica de 1790-1820, com a ascensão do movimento de independência sul-americano, frente à crise do império espanhol desencadeada pela guerra interimperialista entre França e Reino Unido, sendo esta última nação que conseguiria estabelecer-se como potência hegemônica do sistema mundo moderno-colonial e capitalista.

Depois, mais próximo no tempo, pode ser observado, com a transição produzida por volta de 1911-1945 frente ao declínio britânico e a ascensão dos seus concorrentes mais próximos, os EUA, a Alemanha e o Japão, sendo estes dois últimos derrotados nas duas guerras mundiais, enquanto a potência norte-americana – anglo-saxônica emergia como vencedora desta luta interimperialista.

Como apontamos nos cadernos anteriores, nesta transição ocorreram múltiplas lutas de libertação nacional e social nas periferias e semiperiferias, como a Revolução Mexicana em 1910, a Revolução Russa em 1917, a diversidade de expressões nacional populares na América Latina, a independência da Índia em 1947 e a particularidade do processo revolucionário chinês, que começou em 1911 com a “Revolução Xinhai” e culminou na fundação da República Popular em 1949, sob a liderança do Partido Comunista Chinês.

Esta onda emancipatória ou “despertar” dos povos do Sul foi mais tarde institucionalizada no Movimento dos Países Não-Alinhados (MNOAL) após a Conferência de Bandung de 1955.

Ora, dada a atual transição deste século que se inicia no final do século XX e começo do XXI – cujas principais dimensões foram abordadas ao longo destes cadernos -, há também um processo de reemergência de nações e povos do Sul.

Com efeito, num processo que começou em 1998, à medida que começavam a aparecer os primeiros sintomas da crise de hegemonia do projeto financeiro neoliberal e unipolar dominante, os neoliberalismos periféricos de Nuestra América entraram em crise ao mesmo tempo que ocorriam grandes lutas sociais.

Como resultado da ascensão das forças nacionais e populares, do reaparecimento de setores neodesenvolvimentistas nos grupos dominantes e de um novo equilíbrio de poder, chegam ao governo líderes importantes como Hugo Chávez na Venezuela, Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, Néstor Kirchner na Argentina e Evo Morales na Bolívia.

Neste quadro, ocorreu também o ressurgimento da Rússia, liderada por Putin, procurando restabelecer-se como polo de poder, e ocorre a aproximação estratégica com a China, que se cristaliza na criação da Organização de Cooperação de Xangai, em 2001.

Como foi dito, o momento atual inaugura mais uma vez condições para o ressurgimento de novos grupos e classes sociais que se articulam como forças sociais e políticas, com as singularidades que este momento histórico apresenta, e com as peculiaridades dos que são parte de tais dinâmicas.

O Sul Global e a China no século XXI

Pensamos no Sul Global como um espaço formado por diferentes regiões e zonas do mundo que foram periferizadas pelo colonialismo-imperialismo europeu entre o final do século XV, com a conquista da América, até o século XIX, com a conquista das grandes civilizações asiáticas e africanas.

As potências do Ocidente geopolítico chegaram a controlar 84% do mundo, fato fundamental que explica a sua ascensão e que leva o próprio estadunidense Samuel Huntington a afirmar no seu livro Choque de Civilizações que “o Ocidente conquistou o mundo, não por superioridade de suas ideias, valores ou religião (às quais se converteram poucos membros de outras civilizações), mas sim por causa de sua superioridade na aplicação da violência organizada. Os ocidentais muitas vezes esquecem este fato; os não-ocidentais, nunca.”

O Sul Global não é uma categoria geográfica, mas sim política e simbólica, aludindo às clivagens históricas Norte-Sul, centro-periferia, que estruturaram desigualmente o sistema mundial.

Embora a propaganda ocidental também incluiria aqui o conjunto desenvolvimento-subdesenvolvimento, a ascensão em curso de certas periferias e semiperiferias, particularmente com a ascensão da China e das regiões da Ásia-Pacífico e Eurásia, coloca em tensão essa visão.

O sistema mundial capitalista, na sua fase de globalização e financeirização, aprofundou o desenvolvimento desigual e combinado do processo de acumulação de riqueza e de poder, delineando, ao mesmo tempo, diferentes situações dentro das periferias históricas – hoje transformadas no Sul Global.

Neste quadro, o Sul Global também contém em si heterogeneidades e hierarquias, entre as quais se destaca o papel peculiar da República Popular da China.

Como abordamos no segundo caderno, no início do século XX, a China estava ocupada por diferentes imperialismos, o que significava que era considerada uma “hipercolônia”, segundo a definição de Sun Yat-sen.

Com o triunfo da Revolução de 1949, Mao incluiu o seu país como parte do Terceiro Mundo, e a China foi um dos principais impulsionadores do MNOAL, propondo para isso cinco princípios formulados por Zhou Enlai em 1964: respeito mútuo pela soberania e integridade territorial, não agressão, não intervenção de um país nos assuntos internos de outro, igualdade e benefício mútuo e coexistência pacífica.

Atualmente, existe uma dupla condição paradoxal: um país que vem do Terceiro Mundo – tornando-se Sul Global – é a maior potência emergente e passou a disputar as principais dimensões do poder mundial.

Portanto, o caso chinês merece uma abordagem particular pelas características distintivas da sua ascensão, bem como pela forma como a sua ascensão se materializa em diferentes escalas.

Na verdade, o seu próprio ressurgimento está modificando estruturalmente a hierarquia centro-periferia da economia mundial.

Como apontamos no caderno anterior, após a crise financeira global de 2008, os polos emergentes de poder que se uniram no BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) ressurgiram com força e estão impulsionando uma reconfiguração multipolar e multilateral da ordem mundial.

Embora a sigla tenha sido criada no início do século por um analista do banco Goldman Sachs, com o objetivo de promover novos mercados de investimento para a expansão do capital transnacional do Norte Global, estes países assumem este agrupamento em plena crise mundial para avançar com um projeto estratégico próprio.

Desta forma, por meio do desenvolvimento de capacidades estruturais e de forças político-sociais que as apoiam, estes novos poderes emergentes começaram a lutar pela redistribuição do poder e da riqueza mundial.

Assim, o BRICS tornou-se um ator geopolítico baseado na ascensão da China e da Ásia Oriental e do Sul, no estabelecimento de alianças euro-asiáticas com tendências contra-hegemônicas, com um papel muito relevante da Federação Russa, e uma crescente insubordinação do Sul Global.

Naquele caderno nos referimos à série de novas instituições multilaterais e aos compromissos Sul-Sul e regionais que foram sendo criados com este sentido no novo século.

Depois de 2011, com a intensificação da contradição entre os polos centrais e emergentes, essas iniciativas turbulentas se aprofundaram, e em 2014 o fórum BRICS lança uma nova arquitetura financeira e produtiva mundial em sua 7ª Cúpula, no Brasil, com a criação do Novo Banco de Desenvolvimento e o Fundo de Reserva para Contingências.

Embora nos anos posteriores a iniciativa do bloco tenha diminuído em decorrência de certas mudanças políticas de seus integrantes (como a chegada de Michel Temer e Jair Bolsonaro na presidência do Brasil, após o golpe contra Dilma Rousseff em 2016), a China voltou à carga para revigorar o bloco em 2017 com a ideia de “BRICS+”.

Desde então, a abertura a novos membros tem atraído o interesse de numerosos países “emergentes” (periféricos ou semiperiféricos) provenientes do Sul Global. Atualmente, seis novos membros já foram convidados a se somar a partir de 1º de janeiro de 2024: Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã.

Além disso, há cerca de outros 14 países que aparecem como “candidatos” para ser incorporado, seja ao bloco como um todo, seja a algumas de suas instituições em particular, como o Novo Banco de Desenvolvimento, precedido pelo Brasil mediante a figura da ex-presidente Dilma Rousseff desde o mês de abril de 2023.

Em termos geopolíticos, há que destacar que a ampliação de seis países ao BRICS significa a incorporação de quatro do ‘Oriente Médio’ – ou da região central da Afro-Eurásia -, um lugar-chave da disputa política e estratégica mundial, onde predominam a cultura e a religião islâmicas. Além disso, três países são atores centrais da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).

A chegada de três países africanos também ajuda a ampliar a representação do Sul Global, fortalecendo o processo de insubordinação tricontinental, que no caso da América do Sul implica fortalecer a formação de um polo de poder a partir do qual se possa participar com voz própria ou com maior autonomia num cenário multipolar.

A China, em particular, tem promovido fortemente este processo, o que pode ser visto no fato de, durante a sua presidência do bloco em 2022, ter organizado mais de uma centena de eventos com o logotipo “BRICS Plus” e atraiu a participação de mais de 50 países não pertencentes ao bloco.

De acordo com a nossa perspectiva, o BRICS constitui o pontapé inicial de uma nova institucionalidade multipolar multilateral a partir da qual se delineará uma nova ordem mundial.

Aí podem se articular e convergir diferentes polos de poder, Estados continentais que estruturam os seus próprios projetos nacionais de desenvolvimento.

Como foi afirmado, é auspicioso para os povos e nações do Sul Global um cenário futuro de aliança de múltiplos Estados continentais como uma articulação mais democrática dos grandes espaços culturais e em busca de uma nova proposta civilizatória, especialmente numa era de riscos e ameaças globais e de grande incerteza para a humanidade, como resultado do desenvolvimento desenfreado do sistema mundial capitalista, moderno e colonial desde o século XVI.

Face ao exposto, deve-se considerar que a China vem anunciando nos últimos anos um conjunto de Iniciativas: de Desenvolvimento, de Segurança e de Civilização Global, no âmbito de sua proposta de uma Comunidade de Destino Compartilhado para a Humanidade, tudo isso articulado e construído na Iniciativa do Cinturão e Rota (IFR, popularmente chamada de “nova rota da seda”).

Não se trata aqui de afirmar que a China expressa a liderança da libertação dos povos, mas de prestar atenção às perspectivas que se abrem para isso face à atual crise da hegemonia estadunidense-britânica e ocidental, à ascensão da China e a transição histórico- espacial do sistema mundial.

Ao mesmo tempo, também, pensar estes processos de maneira relacional para as condições emergentes para o Sul Global.

Nos últimos anos, a China tornou-se o primeiro parceiro comercial da maioria dos países do mundo, como se pode verificar no gráfico a seguir, e isto está articulado com o seu avanço exponencial em termos de investimento (item onde se destaca o IFR e a sua estrutura empresarial e bancária associada) e aquisições.

Por sua vez, a tendência da última década das exportações da China para o Sul Global é de claro crescimento, ao mesmo tempo que diminui seu direcionamento para os EUA, Europa e Japão, como pode se observar no gráfico seguinte (sua fonte pode ser consultada aqui)

Neste quadro, ganha cada vez mais força a discussão sobre o caráter da China e o que a sua ascensão implica para os povos e nações do Sul Global.

Tanto a esquerda como a direita acusam a potência oriental de ser um novo imperialismo e de se comportar dessa forma nos seus laços crescentes com a África e a América Latina.

Do ponto de vista latino-americano, e concordando com Claudio Katz sobre escapar da idealização e/ou demonização da China, a sua estratégia para a região corresponde a um processo sustentado e rápido com diferentes propostas de grandes volumes de investimento em áreas estratégicas: tecnologia, infraestrutura (portos, corredores bioceânicos, pontes, rodovias, etc.), petróleo, gás, mineração, metais, além de empréstimos financeiros.

Como parte da sua “astúcia geopolítica”, uma diferença substancial em relação aos Estados Unidos reside no campo militar: em vez de subordinar os governos latino-americanos às suas regras e fazê-lo pela força, a China tem sido capaz de captar as necessidades locais a partir de toda uma bateria de propostas que compõem a sua estratégia de abordagem, sem uso de força militar ou pressão política.

A condição que mantém é a de romper relações com Taiwan (parte do seu território em conflito desde a revolução de 1949), o que mostra que o modo da China de fazer negócios não anda de mãos dadas com o que Katz considera uma “norma imperial”.

Ou seja, não é pela imposição forçada ou pela instalação de bases ou tropas militares que se desenvolve a sua estratégia de negócios com a América Latina.

Como aponta o autor, é aqui que reside uma distinção fundamental que constitui o próprio conceito de imperialismo, que implica o uso da força para imposição em um território. Algo diferente disso são as críticas à dependência econômica que os acordos com a China podem gerar para a nossa região, por isso é necessário destacá-lo.

Desta maneira, os diferentes atores econômicos e empresariais, e os próprios Estados da região, vêm aproveitando o novo momento, que abre outro conjunto de discussões em torno de qual será a sua própria estratégia para negociar com a China.

Este é um desafio para o Sul Global, em torno da possibilidade de estabelecer as próprias condições para que as relações com a China possam contribuir na promoção de estruturas produtivas e institucionais com um padrão inclusivo em termos sociais e que busque reduzir as assimetrias espaciais.

Na próxima seção, iremos nos deter mais de perto sobre o que isso faz à nossa região, mas primeiro é bom considerar o caso africano, prestando atenção ao papel da China nesse território.

Por um lado, a mídia e os analistas ocidentais repetem a ideia de uma diplomacia chinesa da “armadilha da dívida”.

No entanto, a China anunciou recentemente a sua decisão de renunciar à cobrança de pelo menos 23 empréstimos que tinham sido concedidos a 17 países africanos, redirecionando ao mesmo tempo cerca de 10 bilhões de dólares que mantinha em suas reservas do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o continente africano.

Por outro lado, os líderes europeus “desafiaram” o seus pares africanos pelos seus crescentes vínculos com a China e a Rússia, e receberam fortes insultos dos seus homólogos, que denunciaram a dupla moral e o discurso da propaganda ocidental e o seu mascaramento da histórica pilhagem imperialista colonial europeia em seus territórios.

Finalmente, face à crescente competição entre as forças do Ocidente geopolítico e as forças emergentes centradas na Eurásia pela influência econômica e política na África, os líderes do continente encontram nos últimos anos diferentes tipos de ofertas de cooperação: de natureza estratégico-militar e de segurança por parte da Rússia (atualmente com um boom de atividade no Sahel), bem como em termos de investimentos no desenvolvimento de hidrocarbonetos, mineração, fornecimento de cereais e projetos de energia nuclear; de investimento em infraestruturas, empréstimos flexíveis e tecnologia de ponta por parte da China, ávida por energia e matérias-primas; e as velhas receitas neoliberais de empréstimos oferecidas pelos EUA e pela Europa, historicamente ligadas ao intervencionismo político, social e militar.

Portanto, no quadro heterogêneo que constitui o Sul Global, e tendo em conta a sua história, o que emerge a partir da ascensão da China é uma plataforma material de desenvolvimento que compete com o antigo esquema conduzido e sustentado hegemonicamente pelo unipolarismo anglo-estadunidense.

Nesta estratégia, o Sul Global é desafiado como ator e parte fundamental, que foi periferizado e fragmentado como consequência de um tipo de desenvolvimento desigual.

No atual contexto de transições, interpretamos o momento que atravessamos como fundamental em termos de possibilidades de elaborar a nossa própria estratégia face à crise atual, que tenha a autonomia como um vetor central.

A ascensão chinesa e os desafios atuais para Nuestra América

Finalmente, concentramo-nos agora em aprofundar mais a forma como a ascensão da China e as reconfigurações no Sul Global a que nos referimos impactam a situação particular da Nossa América.

Interrogamo-nos sobre a lógica, os mecanismos e os atores que privilegiam a estratégia chinesa e o impacto que isso tem no desenvolvimento dos países da nossa região.

Além disso, se como resultado desta associação, serão transformadas as assimetrias históricas entre Norte e Sul, centro e periferia.

Primeiramente, retomamos brevemente a seguinte periodização do que foi a guinada nacional-popular ocorrida na América do Sul com o novo século, aproveitando a “crise nas alturas” para o ressurgimento de um projeto próprio na região .

Com suas contradições e altos e baixos, inicia-se um processo de ascensão popular nacional, com características particulares em cada país da região.

Este processo começa com as primeiras expressões da crise da hegemonia do projeto financeiro neoliberal e unipolar entre 1999 e 2002, após décadas sustentando e gerando fortes transformações nas sociedades latino-americanas e caribenhas, produzindo um processo de periferização de Nossa América desde finais dos anos 70 e início dos anos 80.

Como marca de época, e como resposta à insistência do Eixo Atlântico em predominar e continuar avançando em nossa região, é rejeitado o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), que sintetiza anos de resistência e contrapropostas que reúnem forças e atores sociais em 2005.

Em terceiro lugar, entre 2005 e 2011, o avanço do nacionalismo popular latino-americano – com as suas características específicas – desenvolveu-se nos distinto países, conseguindo diferentes avanços em termos de integração regional sul-americana e latino-americana.

É também em 2011 que a Aliança do Pacífico é lançada como expressão de uma nova tentativa de ofensiva de regionalismo aberto e subordinada às forças globalistas do Ocidente geopolítico.

Isto coincide com os primeiros sinais de freios e limites ao regionalismo autônomo e seu enfraquecimento em 2015, após a proliferação de diversas iniciativas de integração, como a Aliança Popular Bolivariana (ALBA), a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC).

Com suas nuances, foram diferentes tentativas de construção de uma unidade regional com certos graus de institucionalidade que persistissem ao longo do tempo, a partir da autonomia e da defesa dos instrumentos regionais diante das consequências da hegemonia neoliberal na região.

Em quarto lugar, uma contraofensiva do projeto neoliberal, unipolar e financeiro, que se aprofundou desde então até aos momentos anteriores à pandemia de 2020.

Neste período, ficam em suspenso e desarticulados não só os eixos centrais, mas as próprias forças nacionais e populares que vinha ganhando espaço nos Estados latino-americanos, sofrendo um forte retrocesso, o que caracteriza o período a partir da oscilação entre processos de integração autônoma e de desintegração, marcados por constantes lutas e tensões que limitam as tentativas de aprofundamento.

Este breve resumo nos serve para retomar a partir de nossas próprias limitações e oscilações, e assim poder pensar em projetos nacionais e regionais de desenvolvimento autônomo, para concretizar a oportunidade histórica que implica a transição histórico-espacial em curso.

A partir daí poderemos investigar o tipo de vínculo que a nossa região e os seus países estabelecem com a China, entendendo que a Nossa América vem ganhando um lugar de crescente peso na ascensão global do gigante asiático e de outros polos emergentes.

Isto se plasmou institucionalmente com a publicação dos Livros Brancos que a China preparou para as suas relações com a nossa região, em 2008 e 2016.

Como é apontado no trabalho “A ascensão da China e a entrada da Argentina na Iniciativa Cinturão e Rota”, como a maior oficina industrial do mundo e enorme mercado consumidor em plena expansão (que já conta com 400 milhões de pessoas com rendimentos reais equivalentes aos europeus e poderia dobrar esse número na próxima década), a China é o grande importador mundial de matérias-primas.

Em 2017, a China consumiu 59% do cimento mundial, 56% do níquel, 50% do cobre, 47% do alumínio, 50% do carvão, 50% do ferro, 47% da carne de porco, 31% do arroz, 27% da soja, 23% do milho e 14% do petróleo.

Nesse sentido, a relação com a América do Sul, grande produtora de matérias-primas, é estrutural.

Em outras palavras, a “superexpansão” material da China, tanto de seu mercado interno como em nível mundial, tem como consequência uma transformação sistêmica que necessariamente impacta em múltiplas dimensões na América Latina, à medida que a China se torna (juntamente com a Ásia-Pacífico) no principal polo mundial de desenvolvimento das forças produtivas, sob uma combinação de modos de produção que se sintetiza na fórmula “socialismo de mercado” e dá origem a outro modo de “globalização” que coexiste com o velho projeto em crise.

Isto se traduz em números: o volume de comércio entre a China e a América Latina aumentou 35 vezes neste século, de 14 bilhões de dólares em 2000 para 500 bilhões de dólares em 2022.

Os pontos-chave do interesse econômico chinês na nossa região podem ser sintetizados em energia – nas suas diferentes formas -, matérias-primas e recursos naturais estratégicos e, associados a isto, em obras – e corredores – de infraestrutura que permitam e potencializem o fornecimento destes bens, como também consolidem Pequim como o centro impulsionador do desenvolvimento de infraestrutura em nível mundial.

Nesse sentido, a IFR ou “nova rota da seda” desempenha um papel fundamental, a maior aposta em nível mundial de conexão do comércio e dos transportes, por terra e por mar, inicialmente concebido para a Eurásia, mas que foi se ampliando e incorporou a nossa região em 2017-2018. Já se somaram a essa iniciativa 22 países da América Latina.

Ao mesmo tempo, desde 2009 a China tornou-se o primeiro ou segundo parceiro comercial, investidor e credor estrangeiro da maioria dos países da região, sendo esta, depois da Ásia, o segundo destino mais importante do investimento chinês. Entre 2005 e 2019, o investimento estrangeiro direto (IED) da China na América Latina representou 130 bilhões de dólares.

Esta profunda aproximação e associação da China com a região – que em termos mais amplos conta com associações de cooperação em múltiplas áreas e a assinatura de acordos estratégicos com vários países – desequilibrou em termos geoeconômicos o histórico poder unipolar estadunidense e “ocidental” sobre o continente e, ao mesmo tempo, gerou novos conflitos que também impactam em nossos países, reconfigurando as agendas de política interna e externa.

Nesta relação, os projetos de infraestrutura desempenham um papel cada vez mais importante. Trata-se de um enorme número de projetos já realizados, em execução ou em perspectiva, de portos, estradas, ferrovias e corredores bioceânicos. Também desenvolvimentos em questões energéticas, gasodutos e redes.

A América Latina já é o segundo maior destino deste tipo de obras, que se expandem a um ritmo galopante, devido à enorme necessidade de investimentos na região neste sentido. Inclusive, vão ainda mais lentos do que poderiam avançar devido às pressões de Washington em nome da sua “segurança nacional”.

Também vinculadas aos objetivos de ampliar o comércio entre a América Latina e o Caribe e a Ásia-Pacífico, essas megaobras têm como característica central a planificação a longo prazo, os investimentos dos bancos chineses e a articulação com empresas também chinesas.

Nestes processos, aumenta também a internacionalização das empresas, não só de construção, mas também tecnológicas, científicas, de energia etc.; dos seus bancos; e de sua moeda.

Da mesma forma, o intercâmbio de moedas entre Bancos Centrais de países como Brasil e Argentina com a China vêm marcando a relação nestes tempos.

Este tipo de acordos financeiros permite “aliviar” as delicadas situações em que se encontram as economias da região. Seja devido a conjunturas de restrição externa por queda das exportações, fuga de capitais, ou pelas condições impostas por organismos multilaterais do Norte Global.

Tal como no contexto 1999-2001, a dolarização volta ao debate público em países como a Argentina, diante do qual a assistência da China para que a Argentina pague ao FMI com yuanes e enfrente uma situação muito delicada de colapso das exportações decorrente de uma grave estiagem e falta de moeda estrangeira (que teria levado a uma mega desvalorização e a um enorme ajuste, como queria o FMI), marca as transformações que têm ocorrido também em nível econômico financeiro (terreno também de competição os EUA e a China).

Como mencionado acima, a expansão material chinesa (em termos econômicos, comerciais, financeiros, em infraestrutura e tecnologia) tem sido acompanhada por ferramentas diplomáticas que contribuem na busca de uma posição geopolítica de relevância global.

Exemplo disso é a formação, em 2014, do Fórum China-CELAC (em referência à Cúpula dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, o maior organismo de integração regional, reunindo os 33 países latino-americanos e caribenhos, promovido por Chávez e pelos líderes nacional populares latino-americanos por volta de 2010).

Como apontamos desde o início desta equipe de pesquisa, aparece como um dado relevante que a China tenha apoiado a CELAC em pleno embate de restauração conservadora neoliberal que ocorreu nos anos posteriores em Nossa América e que desarticulou, enfraqueceu e/ou paralisou UNASUL, Mercosul e a concepção autônoma de integração regional, reduzindo-a a um mero agrupamento para agradar aos objetivos geopolíticos estadunidenses e ocidentais na região (como o Fórum Prosur ou o Grupo de Lima).

É que a potência asiática considera útil uma organização que reúna toda a região e com a qual possa estabelecer projetos e associações conjuntas a médio e longo prazo, o que constitui uma particularidade da atuação chinesa interna e externamente.

Para a nossa região foi algo muito importante, tendo retomado a condução estratégica da CELAC e do regionalismo autônomo desde 2018 pelas mãos de López Obrador no México e dos novos governos da “segunda onda” progressista – e timidamente nacional-popular, de modo geral- na que nos encontramos atualmente.

A China gera grandes desafios para a nossa região, cuja presença também acarreta tensões significativas e, por vezes, oscilações.

Por um lado, aparece como parceira em questões geopolíticas, como parte fundamental das forças e do crescente mundo multipolar, na busca pela ampliação das margens de manobra e da autonomia.

Tanto as novas alianças internacionais, a inclusão nos BRICS e o seu banco de desenvolvimento, o IFR e o AIIB, podem contribuir para a diversificação das fontes de financiamento e de investimentos, e até mesmo alguma eventual cooperação e transferência tecnológica (em tensão e não de forma linear ).

Mas por outro lado, em termos econômicos, os tipos de vínculos comerciais estabelecidos reproduzem o perfil primário das nossas exportações (com baixo componente de valor agregado – trabalho na origem).

Somada a esta situação – que corresponde a um processo de desindustrialização desde a quebra dos anos de 1970, que só foi parcialmente interrompido na década de 2000 – a ascensão dos vínculos comerciais da China com os países da região tem ido em detrimento do comércio intrarregional, do qual o MERCOSUL é um exemplo.

Nesse sentido, tem sido proposta a existência de uma “geoeconomia híbrida” da China na América do Sul, que apresenta uma cooperação paradoxal, cujos benefícios também podem ser prejudiciais, implicando tanto desenvolvimento como dependência (ou desenvolvimento do subdesenvolvimento, nas palavras de Gunder Frank).

O fato é que, se este tipo de vínculo for continuado com a China, surgem certos riscos econômicos de aprofundamento de um perfil primário exportador sem valor agregado na origem, desindustrialização e perda de complexidade econômica para as nossas matrizes produtivas.

E, ao mesmo tempo, trata-se de um parceiro estratégico com grande potencial para superar esta condição periférica, “subdesenvolvida” e dependente das nossas economias.

Agora, para superar este tipo de paradoxo, é necessário da nossa parte um projeto nacional e regional de desenvolvimento sustentado, com visão e planificação estratégica, densidade nacional, capacidades estruturais e enraizamento social popular.

Ainda é uma tarefa pendente, algo a ser projetado, construído e consolidado ao longo do tempo para além dos altos e baixos. Ou seja, a relação com a China e o mundo emergente centrado na Ásia-Pacífico dependerá do projeto que definirmos nos nossos próprios países e na nossa própria região.

Pequim não tem um padrão de desenvolvimento imperialista ou de tipo “ocidental”, em que os processos de acumulação são garantidos e reforçados através da força política e militar. Mas também não libertará a Nossa América da dependência, do lugar que ocupa na divisão internacional do trabalho e nas hierarquias interestatais.

Pretender isso é reproduzir a mentalidade colonial. Só os povos podem se libertar e encontrar os seus melhores caminhos para o desenvolvimento; em todo caso, ao longo desse caminho poderão encontrar melhores oportunidades e parceiros para ajudá-los. É isso que a China significa para a nossa região e, portanto, o paradoxo deve desafiar, acima de tudo, a nós mesmos.

Na ausência de um projeto consistente de integração regional, junto com as crônicas crises econômicas, políticas e sociais que os nossos países enfrentam, o vínculo com a China é visto como uma possível “solução” ou salvação para os nossos problemas.

Nesta solução intermediária, normalmente perdem-se de vista as consequências ainda atuais do fato de não contar com uma perspectiva própria, soberana e autônoma sobre o desenvolvimento a médio e longo prazo.

Ou seja, como prever um desenvolvimento que coincida com a demanda de produtos chineses mas, ao mesmo tempo, permita diversificar e multiplicar o comércio intrarregional.

Ou seja, um tipo de articulação que priorize a complementaridade para um desenvolvimento autônomo, e que possa reverter o caráter deficitário e primarizado do vínculo comercial com a potência asiática.

Portanto, a relação com a China suscita debates e decisões estratégicas no sentido de priorizar a nossa soberania e propor caminhos concretos para isso.

Nestes, a planificação estatal é central para a concepção de políticas que possam ser sustentadas ao longo do tempo na construção de uma agenda conjunta, para a qual se possa aprender a mesma experiência chinesa neste sentido.

Portanto, no contexto da ascensão chinesa no mapa do poder mundial, é crucial definir o papel que os Estados latino-americanos e caribenhos desempenharão no novo esquema de transição histórico-espacial.

Como argumentamos em cadernos anteriores, nos encontramos no que poderíamos denominar como um trilema em Nossa América:

1) avançar em uma maior periferização regional, atrelada e subordinada em termos políticos e estratégicos ao polo de poder angloestadunidense em declínio e a um mundo em crise;

2) avançar para uma neodependência econômica com a China, combinada com uma subordinação estratégica ao establishment ocidental (com suas diferentes frações em luta), para garantir o “desenvolvimento do subdesenvolvimento” na fórmula de André Gunder Frank: ou seja, dar alguma viabilidade aos projetos de fábricas primário-exportadoras dos velhos grupos dominantes;

3) aproveitar o cenário de crise global e multipolaridade relativa, bem como as implicações da ascensão da China e as profundas transformações do sistema mundial – onde aumentam as pressões para democratizar a riqueza e o poder – para resolver as tarefas da segunda independência.

Em outro sentido, os desafios estão vinculados ao desenho de políticas públicas regionais em áreas estratégicas para pensar o desenvolvimento da região, em um mundo em transição que está muito consciente da riqueza de nossos territórios: recursos estratégicos que estão no meio do que tem sido chamado de “nova ALCA” (Alimentos, Lítio, Combustível e Água), dado o interesse manifesto dos Estados Unidos em garantir esses recursos em nossa região, diante de sua crescente disputa com a China e seus aliados.

Se os organismos internacionais estão se preparando para promover em nossos países as “janelas de oportunidade” representadas pelas mudanças tecno-produtivas em curso, é importante observar o aumento exponencial da desigualdade entre as posições de centro e de periferia em todo o mundo.

No entanto, essa janela de oportunidade pode de fato ser construída, como uma opção geopolítica, sob um projeto de desenvolvimento autônomo e soberano.

Assim, surgem desafios e oportunidades reais para nossos países em determinadas áreas e setores industriais e tecnocientíficos, desde que tenham como objetivo fortalecer nossas próprias capacidades socio-estatais, o emprego e a produção nacional-regional.

A experiência da China, que começou como um processo revolucionário nacional e social em 1911 e cujos pontos centrais foram a vitória das forças do PCCh em 1949 e as reformas do final da década de 1970, é um exemplo importante, não para ser copiado, mas para se tirar lições dele.

Os seus 14 planos quinquenais, a sua capacidade de absorver com autonomia o desenvolvimento técnico-científico do Norte Global ou a sua capacidade de realizar enormes saltos tecnológicos nos últimos anos com base numa bem sucedida planificação estratégica estatal proporcionam enormes lições para os povos do Sul Global.

Ao mesmo tempo, pode ser um bom aliado em um caminho deste tipo, como demonstram os acordos entre instituições e empresas de países como a Argentina e a Bolívia para a industrialização e a agregação de valor na fonte em recursos em expansão como é o caso do lítio.

Em nosso próprio contexto latino-americano, é fundamental para isso a identificação de setores produtivos com potencial para aproveitar as eventuais janelas de oportunidade, com base nas histórias, trajetórias e capacidades construídas nas economias dos nossos países.

Ou seja, definir nos acordos com a China e nossos preciosos recursos em expansão e disputa, os itens, setores, cadeias e/ou segmentos onde colocar em jogo força de trabalho, insumos, empresas e tecnologias, promovendo aprendizagem, escala e inovação.

É também fundamental poder blindar os objetivos estratégicos que tornam um projeto de desenvolvimento autônomo das conhecidas oscilações político-eleitorais, através de uma ampla participação popular e da disciplina de atores empresários concentrados que se beneficiam da dependência.

Em suma, trata-se de pensar em um projeto nacional latino-americano soberano e autônomo, em tempos de forte reação neofascista, mas também de crise e de oportunidades.

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Zé Maria

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O Acordo de Livre Comércio do MERCOSUL com a UNIÃO EUROPEIA

dificultará Imensamente as Relações Comerciais com o BRICS.

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Zé Maria

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Acordo de Livre Comércio entre o Mercado Comum do Sul
(MERCOSUL) e União Europeia (UE) foi Anunciado na
sexta-feira (6/12), por Líderes do Bloco Sul-Americano
e pela Presidente da Comissão Europeia.

Apesar da expectativa pelo anúncio, que ocorre 25 anos
após o início das negociações, o acordo ainda não possui
nenhum efeito prático e imediato e pode demorar até ser
implementado.

Os próximos passos na conclusão do acordo são os seguintes:

1] Revisão legal do texto;

2] Tradução do texto para a língua inglesa,
para todas as 23 línguas oficiais da UE e
para as duas línguas oficiais do MERCOSUL
(português e espanhol);

3] Assinatura dos líderes dos dois blocos;

4] Encaminhamento do acordo para aprovação interna
dos membros dos dois grupos e, inclusive, do Conselho
da União Europeia; (*)

5] Conclusão dos trâmites de aprovação e ratificação
das partes do compromisso em cumprir o acordo;

6] Após a confirmação desses 5 passos, o acordo entra
em vigor.

(*) A Aprovação Interna do Acordo, segue Caminhos Diferentes em Cada Um
dos Blocos.

No MERCOSUL, os Parlamentos de Cada Um dos Cinco Países-Membros —
Argentina, Bolívia, Brasil,Paraguai e Uruguai — precisam aprovar o texto.

Já na União Européia (UE), a aprovação passa pelo Conselho da União Europeia e pelo Parlamento Europeu (que reúne todos os países do grupo).

Essa pode ser a etapa mais desafiadora, porque depende do consenso
da maioria qualificada do bloco, isto é, o acordo precisa ser aprovado
por, pelo menos, 55% dos países que compõem o grupo.

Porém, esses 55% precisam responder por, no mínimo,
65% da população total da UE.

Há um receio de que a França, país que tem protestado contra o acordo, consiga reunir outros países europeus populosos para barrar o acordo.
Para isso, basta que o número de habitantes desses países, reunidos,
responda por 35% da população total do bloco.

Outro país que já se declarou contrário ao acordo é a Polônia, que
garantiu que vai votar junto com a França.

Em contrapartida, Alemanha e Espanha são abertamente favoráveis, principalmente após a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos.
O republicano prometeu taxar os produtos europeus e o acordo com
o Mercosul pode representar um alívio para a economia da UE.

Outras regiões com bastante população em relação ao bloco,
Áustria, Itália e Países Baixos (Holanda) não têm uma posição
definida sobre o acordo, mas também sofrem com pressões
do mercado interno, principalmente dos produtores agrícolas.

[Com Informações de Bruna Miato, Repórter do G1]

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