Hugo Souza: Os detalhes perturbadores do ‘extermínio do mandato’ de Glauber Braga
Tempo de leitura: 6 min
Os detalhes perturbadores do ‘extermínio do mandato’ de Glauber Braga
Se é que estamos falando mesmo de minúcias
Por Hugo Souza, no Come Ananás
Há pelo menos um detalhe perturbador – quem sabe dois, se não três, talvez mais, se é que detalhes são – daquilo que a deputada Jandira Feghali chamou nesta quarta-feira, 9, no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, de “extermínio do mandato” do deputado Glauber Braga, o mais combativo desta horripilante 57ª Legislatura, na qual, “mesmo entre aqueles que se alinham à esquerda, o oportunismo campeia”, como disse o professor Luis Felipe Miguel em artigo sobre o caso Glauber.
“Segue o fio”:
Em 2022, em pleno período eleitoral, o bolsonarista, líder armamentista e então candidato a deputado federal Marcos Pollon (PL-MS) espalhou fake news sobre as urnas eletrônicas, dando sua contribuição para o envenenamento da sociedade brasileira contra o sistema eleitoral brasileiro, substrato da tentativa de golpe.
Numa live, perguntado por um seguidor por que o TSE tinha proibido levar celular para a cabine de votação, Pollon respondeu:
“Pra gente não filmar as atrocidades que provavelmente vão acontecer: você votar em um e aparecer o nome do outro”.
Na época, Marcos Pollon chegou a acionar a Justiça Eleitoral do Mato Grosso do Sul contra este Come Ananás, que chamou a atenção para o que ele dissera na live. Pollon queria direito de resposta.
O tiro saiu pela culatra: após apresentarmos defesa, o TRE-MS não apenas julgou o pedido improcedente, mas também determinou que a fake news fosse removida do YouTube e que o caso fosse encaminhado para o Ministério Público Eleitoral, para apuração de crime eleitoral.
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Marcos Pollon, porém, não teve a candidatura cassada, como o TSE havia prometido que aconteceria em casos como esse, e acabou sendo o deputado federal mais votado em seu estado.
Depois das eleições, Pollon, impune, animou-se para espalhar mensagens cifradas sobre “o que fazer” – diante da eleição de Lula, derrota de Jair Bolsonaro – para suas dezenas de milhares de seguidores nas redes sociais – muitos deles CACs -, como no vídeo intitulado “Ou ficar a pátria livre…” (com três pontinhos, com tudo), postado no YouTube no dia 1º de novembro de 2022, logo após o segundo turno das eleições.
No vídeo, o então deputado eleito pedia que sua audiência prestasse atenção no que seria dito, mas “também no que não vai ser dito”, porque, segundo ele, a hora era de “agir com inteligência e continuar mandando a mensagem de forma que dificulte os censores” – a Justiça.
“O presidente [Bolsonaro] deixou bem claro que não reconhece a higidez do processo. ‘Qual processo?’, você pergunta. Ah… O processo do Kafka! As pessoas parecem que não querem compreender o que você fala. Você explica, você desenha a explicação, explica o desenho, desenha a explicação do desenho… O que vocês esperam? Uma manifestação expressa de ruptura? Não haverá. Nem da parte do presidente, nem da minha parte, porque isso aí seria um suicídio”, disse Pollon no vídeo.
Duas semanas depois, no dia 14 de novembro de 2022, Marcos Pollon resolveu dispensar, ou quase, os rodeios. Naquele dia, Pollon reproduziu no ex-Twitter a famosa declaração de guerra de Carlos Lacerda publicada em 1950 na Tribuna da Imprensa:
“O Senhor Getúlio não deve ser candidato, se for candidato não deve ser eleito, se eleito, não deve tomar posse, se tomar posse não pode governar”.
Naquele dia, naquele mesmíssimo dia, o ajudante de golpe Mauro Cid prometeu ao major do Exército Rafael de Oliveira, por WhatsApp, R$ 100 mil para hotel, alimentação e material para um punhado de kids pretos levarem a cabo a operação que seria batizada de “Punhal Verde Amarelo”, de sequestro e/ou assassinato de Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes.
Depois, o vídeo com ataque às urnas eletrônicas, o vídeo de incitação cifrada a golpe de Estado e o tuíte de incitação aberta a que Lula não subisse a rampa foram apagados por Marcos Pollon, mas este Come Ananás guardou os três.
E segue o fio:
No dia 11 de janeiro de 2023, três dias após o 8/1, o Grupo Prerrogativas pediu ao STF que suspendesse a diplomação e impedisse a posse de 11 deputados federais eleitos em 2022, por motivo de “participação ou apoiamento e divulgação de atos golpistas e terroristas, praticando assim atos criminosos e contrários ao Estado Democrático de Direito”.
“Não é aceitável ou imaginável que pessoas que tenham sido eleitas como representantes do povo em um regime democrático, por meio de eleição livre, possam apoiar, incentivar e mesmo participar de atos que atentem contra o Estado Democrático de Direito”, dizia a petição que o Grupo Prerrogativas encaminhou a Alexandre de Moraes.
Moraes, porém, negou o pedido, seguindo parecer da PGR, e os 11 deputados, 9 deles do PL, tomaram posse normalmente no dia 1º de fevereiro de 2023.
Entre eles, Marcos Pollon.
“Neste momento, eventuais consequências das condutas noticiadas em relação aos mandatos dos deputados federais nominados deverão ser analisadas no âmbito do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados”, disse Moraes em sua decisão.
Sendo assim, Xandão mandou oficiar “o excelentíssimo Presidente da Câmara dos Deputados, deputado federal Arthur Lira, para adoção das providências que entender cabíveis no âmbito do Conselho de Ética”.
Providências contra Marcos Pollon, da parte de Arthur Lira, no âmbito do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara?
Nem você, nem Franz Kafka, sabem da missa a metade.
Marcos Pollon não apenas é hoje, ele próprio, membro titular do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, como também, nesta quarta, Pollon cumpriu papel na “adoção de providências” por Arthur Lira contra o maior inimigo do orçamento secreto na Câmara, na maquinação de Lira para o “extermínio do mandato” de Glauber Braga.
Na tarde desta quarta, Pollon e um deputado do PP de Lira apresentaram ao Conselho de Ética requerimentos para encerrar a discussão sobre a cassação de Glauber.
Um dos requerimentos foi prontamente posto em votação pelo presidente do colegiado, Leur Lomanto Júnior, e, como era previsível, foi aprovado.
Combinado com a manobra do presidente da Câmara, Hugo Motta, de retardar a Ordem do Dia – o que obrigaria a suspensão do trabalho do Conselho de Ética -, o requerimento precipitou a votação do relatório do deputado Paulo Magalhães, com resultado igualmente previsível, aniquilando todo o esforço feito ao longo do dia por deputados do Psol, PT e PCdoB para adiar a votação, a fim de ganhar tempo para eventual costura de solução política para o caso Glauber que não fosse a pena de “extermínio do mandato”.
O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados aprovou a cassação de Glauber Braga com os votos de Marcos Pollon e de um réu no STF por tentativa de golpe de Estado: Alexandre Ramagem.
Outro deputado daqueles 11 que incentivaram golpe em 2022, mas foram liberados por Moraes para exercerem mandatos públicos, Nikolas Ferreira, bradou assim, sentado no plenário do Conselho de Ética, antes da votação começar: “comunista não merece apaziguamento!”.
Mas Marcos Pollon, Alexandre Ramagem e Nikolas Ferreira não são os únicos detalhes perturbadores do “extermínio do mandato” de Glauber Braga – e, repetindo, se é que estamos falando mesmo de minúcias.
O relator-verdugo Paulo Magalhães, sobrinho de Antonio Carlos Magalhães, por exemplo, é aliado de primeira hora do PT baiano, ou seja, do ministro da Casa Civil, Rui Costa, e do governador Jerônimo Rodrigues.
No dia 11 de setembro do ano passado, quando o Conselho de Ética aprovou a admissibilidade da representação do Novo para a cassação de Glauber, só um dos seis membros petistas do conselho, entre titulares e suplentes, apareceu para votar contra a abertura do processo que terminou como terminou, faltando agora a machadada final no plenário da Câmara.
A militância petista mais cega de sebastianismo, ferozmente refratária às críticas e cobranças à esquerda ao governo Lula, agora chora por Glauber Braga o choro blandicioso dos crocodilos, cobra de Glauber que não tenha se prestado a linha auxiliar do PT, pisa e repisa que Glauber foi “inconsequente” ao escorraçar o fascista, como quem diz: “bem feito”, “se vira”.
Esquecem até que, muito antes de escorraçar o fascista, quando Lula estava preso injustamente, foi Glauber quem escorraçou da Câmara, de dedo em riste, um outro camisa negra: o “juiz ladrão”.
Todo um oportunismo que torna ainda mais digna de nota, por contraste, a atuação aguerrida nesta quarta de vários deputados petistas em defesa de Glauber Braga no Conselho de Ética: Reimont, Natália Bonavides, Erika Kokay, Maria do Rosário, o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, entre outros.
Tudo somado, sobressai algo que definitivamente não é um detalhe menor: quando temos a chance de passar a régua no lado de lá, preferimos ser muito respeitosos a todos os tramites, instâncias, ritos e regimentos; muito concentrados em não melindrar os alunos desvairados de Olavo de Carvalho; muito obedientes, submissos, alunos comportados da “correlação de forças”; muito preocupados com o que a extrema-direita, o golpismo, com o que o fascismo irá pensar, dizer, espernear; muito cagados de medo de tentar sair das cordas.
Mas quando o lado de lá tem a chance de nos exterminar, de cair matando, eles atropelam mesmo, passam a régua mesmo e é isso aí. E sapateiam em nossas fuças: “comunista não merece apaziguamento”.
Quando é que vamos aprender?
Quem sabe se Glauber Braga definhar de fome no Anexo II, Plenário 15 da Câmara dos Deputados, tentando lembrar a gente o que a vida quer da gente: coragem.
*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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Comentários
Zé Maria
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“Prepara-se, na pior legislatura da história
da Câmara dos Deputados, um dos mais
graves atentados contra a democracia
e contra o princípio que a justifica:
a soberania popular.
No chamado Conselho de Ética — chorume
político-parlamentar que nos avilta — articula-se
a cassação encomendada do mandato do deputado fluminense Glauber Braga.”
Mestre Ricardo Amaral
https://t.co/lx3fCm3cBS
https://x.com/VIOMUNDO/status/1910735243876728939
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Incompatibilidade Doutrinária
Nicole bradou ‘comunista não merece apaziguamento!’.
É que o Fascismo é Incompatível com o Comunismo.
O Cristianismo não.
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“Quanto mais conheço Marx,
mais me aproximo de Cristo”
Mestre PAULO FREIRE
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