Gilson Caroni Filho: Não há ‘Brasil sem miséria’ sem reforma agrária efetiva
Tempo de leitura: 3 minFoto: Página do MST
Reforma agrária, Tocqueville e a esquizofrenia das elites
por Gilson Caroni Filho, em Carta Maior
“Eu defendo o direito de manifestação, esse direito é sagrado. Mas há momentos em que se abusa demais dele. O que eu vi hoje foi um desrespeito sem limites”
Com essas palavras o deputado Benedito de Lira (PP-AL) definiu a ação de integrantes do Movimento Sem Terra (MST) que bloquearam a BR-314, em protesto contra a proibição de se manifestarem em Marechal Deodoro, município alagoano onde a presidente Dilma inaugurou uma nova fábrica da Braskem.
O que denotam as palavras do parlamentar? Nenhum problema é mais revelador da esquizofrenia das elites brasileiras do que a questão da terra, particularmente o da Reforma Agrária. Convém lembrar que as grandes inteligências nacionais, desde os anos 1930, têm insistido que, enquanto o cerne do país for constituído pela lógica das grandes propriedades, a democracia como forma de governo será, entre nós, uma simples fantasia.
Nós, brasileiros, que tanto prezamos campeonatos de todos os tipos, podemos nos constranger com uma desonrosa posição de destaque: somos um dos líderes mundiais em concentração fundiária. Cerca de 1% dos proprietários rurais detêm 46% das terras cadastradas. O toque de ironia é que são os pequenos produtores sem terra (ou com muito pouca terra) que abastecem o mercado interno, enquanto os créditos, subsídios e financiamentos do Estado continuam, mesmo depois de quase 10 anos de governo progressista, sendo monopolizados pelo agronegócio.
O contingenciamento de 70% das verbas de custeio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) somado à acentuada redução do número de assentamentos são indicadores preocupantes nos dois primeiros anos do governo Dilma.. Não há “Brasil Sem Miséria” sem reforma agrária efetiva. É preciso romper com o tempo em que “Planos Nacionais”, tantas vezes remendados, na verdade significavam uma política de compromisso com os latifundiários para tornar inexequível qualquer avanço.
A solução perversa para resolver o problema consistia simplesmente em reduzir dramaticamente a população rural, empurrada para as grandes metrópoles em ritmos sem precedentes. O resultado era a proliferação de favelas, de periferias desassistidas e um exército de semi-cidadãos entregues à própria sorte em cidades carentes de recursos e equipamentos urbanos, um terreno fértil para proliferação de clientelismos que entravaram gravemente o desenvolvimento da democracia.
Até a chegada de Lula à presidência, os governos que o precederam optaram por não aceitar a reforma agrária. Preferiram aceitar a imposição dos que gritam mais forte e que há mais de 500 anos dominam o Brasil. Abandonaram o país moderno, do operário urbano e rural, dos pequenos e médios proprietários, das classes médias e do empresariado progressista. Escolheram o passado, no que ele tem de mais retrógado, no que ele preserva de práticas oligárquicas e excludentes.
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Ignoram uma lição histórica de grande valia: não há país capitalista que tenha deixado de intervir decisivamente nesta questão. A Áustria dos canaviais e a França dos bons vinhos são os exemplos mais aparentes onde o interesse social predominou sobre o individualismo egoísta.
Se realmente pretendemos uma sociedade inserida em moldes mais equilibrados, necessitamos ter presente que não a alcançaremos sem uma reforma agrária que enterre seu bisturi diretamente nessas desigualdades. Inglaterra, Holanda, Suécia, Estados Unidos e França já o fizeram há séculos. Japão, Itália, México e outros países, mais recentemente. Isto sem pensar nos países socialistas, que intervieram na propriedade de terra no bojo de revoluções socialistas. E nós, quando o faremos? Ou vamos continuar ostentando os maiores latifúndios do mundo?
Nunca é demais lembrar que para um partido que nasceu dos impulsos dos movimentos de massa, das greves e das lutas populares, certas soluções de compromisso têm prazo de validade definido. Dar ouvidos às ponderações de João Pedro Stedile, mantendo o diálogo permanente com os setores organizados da sociedade, é reafirmar a crença na política como atividade própria dos setores excluídos que querem participar, legal e legitimamente, de todas as decisões da sociedade.
A burguesia não quer hoje a reforma agrária, porque o Brasil, ao contrário do que ocorreu nos países citados, está tentando se desenvolver mantendo intactas as estruturas do latifúndio. Mas todas as classes e suas frações, não; pois sabem que sua sobrevivência e dignidade dependem de um país igualitário, humano, solidário, dependendo isto da intervenção decidida na questão da terra.
Como dizia oportunamente Tocqueville a propósito da jovem democracia americana: “a arte de se associar se desenvolve na exata medida em que as condições de igualdade crescem”. Certamente, a presidente conhece esse trecho, mas nunca é demais uma releitura em momentos de turbulência.
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Comentários
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vinicius
Gilson Caroni, em 2010 pensei em votar no Plínio Arruda porque ele é um defensor histórioco da reforma agrária. Porém, após assistir debates, ler reportagens e perceber que o PSOL ainda tinha o discurso da reforma agrária pautado em discursos da década de 50, mudei meu voto.
A reforma agrária é muito importante, entretanto, precisa ser reavaliada.
Nenhum governo a fez e fará porque o tema ainda é debatido – inclusive em universidades e principalmente na mídia – em modelos inadequados a atualidade.
Sabe o motivo???
Porque ainda se debate reforma agrária como se tivessemos 60-70% da população brasileira no campo.
Isso aconteceu até a década de 70.
Isso não é mais realidade, exceto em alguns estados e municípios brasileiros.
Infelizmente, Caroni e leitores, nos moldes como é discutida, a Reforma Agrária só serve para acirrar ânimos. Precisamos pensar em revolução agrícola que incorpore temas relacionados a reforma agrária.
Gosto muito do Stédile, e espero que ele colabore para encontrar uma saída para os milhares de trabalhadores que fazem parte do MST. Aliás um movimento que precisa ser respeitado e compreendido.
Eduardo
Já que o assunto é terra, gostaria muito que todos fizessem uma leitura da reportagem encontrada no link abaixo e, se possível, nos comentários tenebrosos que ali são feitos.
Trata-se da disputas entre latifundiários e indígenas no sul de Mato Grosso do Sul (certamente um dos lugares mais conservadores do país).
http://midiamax.com.br/noticias/811100-b+video+b+fazendeiros+anunciam+guerra+contra+indios+mato+grosso+sul+para+proxima+semana.html
Vejam e fiquem estarrecidos. Um fazendeiro postou um video no youtube dizendo que não se importará se tiver que matar índios que “invadirem” suas terras. Ele conclama aos seus companheiros (fazendeiros) que façam o mesmo.
Isto é muito grave e gostaria muito que o VIOMUNDO publicasse a reportagem na sua página principal.
Abraços
Mardones Ferreira
A gerentona Dilma Ruimssef (ruim para os movimentos sociais!) é um caso a ser estudado e para entrar para história do Brasil.
Uma perseguida pela ditadura que faz vistas grossas aos crimes perpetrados pelos militares e seus sócios (mídia, empresas privadas, partidos e igreja), pois não a usa a ”base” para avançar nesta questão.
E o PT vem se mostrando, nesses 12 anos de governo, mais um partido que administra os cofres públicos para manutenção dos pagamento dos juros da dívida não auditada e para ajudar as empresas multinacionais a terem lucros de dar inveja a qualquer traficante.
Aliás, falando em lucros, desde a implantação do real, os bancos seguem nadando de braçada na economia brasileira sem um plano do governo para defender a população desse roubo autorizado.
Aqueles que foram às ruas para eleger um representante do PT não pensavam que o Brasil sob o comando petista seria uma empulhação, sem reformas estruturais e com alianças tão contraditórias.
Acho que o Obama errou ao dizer que Lula era o cara, na verdade deveria ter dito que o PT é o partido. O partido mãe dos patrões.
Adilson
Lamentável.
Urbano
Os gringos há muito que estão fazendo a reforma agrária no Brasil, através de grilagens e laranjas. O que tem de gringos com o nome de José João da Silva e João José da Silva ou coisa parecida…
tiago carneiro
É. Mas é sabido que os números da reforma agrária de nossa presidenta são piores que os números de seu mentor: FHC.
assalariado.
Esta sociedade dividida, entre interesses politicos ideológicos diferentes, sociais, economicos e ideológicos estão expostos lá nos escritos da carta magna via, hegemonia das elites do capital lá dentro do congresso nacional. As terras e as empresas são de todos (socializados), na hora de se produzir as necessidades basicas para sobrevivencia humana, no seu mais amplo sentido. Porém, passa a ser privada/ particular na hora de dividir os frutos produzidos pela outra classe em questão, que é a classe trabalhadora assalariada, seja do campo ou da cidade.
Como o próprio Gilson Caroni já mostrou em suas entrelinhas, infelizmente, a burguesia latifundiária junto com seus pares ideologicos da burguesia industrial, nunca, em nenhum momento da história da luta de classes, abriram e nem abrirão as mãos de seus ouros construidos as custas do suor alheio. Mas (como sempre o MAS), sempre esta a favor do capital e, este MAS neste post está exposto na faixa deste post, que diz: ‘Acusamos os três poderes de impedir a reforma agrária.’
Ora, internautas antes que eu esqueça, estes três poderes constituidos, não por acaso são o legislativo, judiciário e seu braço militarizado. Não é este o tripé ‘legal’ escondido dentro do Estado, a qual o capital usa no explorar e para vomitar, via PIG, que vivemos num Estado denmocratico de Direito. Sim, não coloquei o poder executivo, não foi por esquecimento, mesmo porque os governos não governam, quem governa é o capital e seu gerente da vez. Ah! como eu sou um otário!
Abraços Fraternos.
O_Brasileiro
Enquanto a mídia e o judiciário estiverem nas mãos da burguesia não haverá justiça social neste país!
Rose SP
Falou tudo , O Brasileiro! Gostei , pois tenho a mesma visão. Valeu!
Julio Silveira
A cada dia que passa, para mim, fica mais latente que o PT foi outra artimanha das elites brasileiras. Uma manobra para continuar com sua tutela e garantir a mantutenção, sem ameaças, da cultura imperial. Infiltraram dentro da sociedade trabalhadora gente com potencial simobologico que pudesse captar a simpatia desses grupos, mas que de fato tivessem os objetivos comuns com a elite, quer seja o poder, e a ambição por riquezas materiais. Daí ao encontro das afinidades, fica a um salto de amarelinha. E, como sabemos, no jogo do dominio, esses grupo tem séculos de experiência e poder de articulação. Ao contrário dos trabalhadores, que tem séculos de exploração, e ainda não conseguiram antidoto contra o veneno desses grupos mais ricos que, estrategicamente despejados, despertam a ambição traidora na classe.
A Reforma agraria é só mais uma das muitas constatações de que esse grupo não veio para mudar. Apenas criar novas formas de anestesia para que o corpo doador permita prosseguir fornecendo seu sangue por mais tempo, com pouca resistência.
Luís
Se for depender da gerentona Dona Dilmadrasta Ruimseff, pode esquecer a reforma agrária.
Ferreira
Esse foi um dos motivos que levaram a elite latifundiária apoiar o golpe de 64 contra João Goulart, ele pretendia fazer a reforma agrária.
Se ele tivesse colocado em pratica a reforma, hoje certamente a desigualdade social no Brazil seria menor, portanto a burguesia é culpada pelo grande números de favelas nas grandes cidades.
Vlad
Se: “Até a chegada de Lula à presidência, os governos que o precederam optaram por não aceitar a reforma agrária…”, o que aconteceu “depois” de Lula? (d.L.)
Nelson
É isto mesmo, Vlad. O nosso sociólogo Caroni não nos esclarece o que veio depois da assunção de Lula ao poder. Assim, eu digo.
Muita conversa, mas muita conversa, mesmo, ed de prático, muito, mas muito pouco, mesmo. Tão pouco que, creio, não estou exagerando ao afirmar que corremos o risco de, contraditoriamente, pelas mãos do PT no poder, estarmos decretando a morte da reforma agrária no Brasil.
João-PR
Brilhante análise!! Por mais que o país tenha avançado, não conseguirá ser um país decente (e isso nos moldes capitalistas – lembremos que Alexis de Tocqueville era tudo, menos socialista) enquanto permanecer esse estado de concentração fundiária.
Por falar nisso, bem que o viomundo poderia se dedicar a fazer uma pesquisa sobre a Agropecuária Santa Bárbara pois, segundo dizem por aí, tem muita terra devoluta sendo usada por essa empresa do Daniel Dantas.
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