Gilberto Maringoni e Valter Pomar avaliam o resultado das eleições e a batalha necessária até 30 de outubro

Tempo de leitura: 8 min

Da Redação

Gilberto Maringoni e Valter Pomar são de esquerda e reconhecidamente craques no que fazem.

Maringoni é jornalista, cartunista e professor.

Pomar, historiador e professor. 

Os dois lecionam Relações Internacionais Internacionais da Universidade Federal do ABC. 

Maringoni foi filiado ao PT de 1988 a 2005. A partir daí, está no Psol. 

Pomar desde a década de 1980 é filiado ao PT. Atualmente, integra a direção nacional do Partido dos Trabalhadores.   

Na segunda-feira, 03-10, Maringoni postou em seu perfil de uma rede social o artigo ” Desculpem, mas dá para ganhar”.

Viralizou. 

Pomar, que não dispensa um bom debate, publicou em seu blog o artigo Pitaco sobre o texto do Maringoni, comentando-o ponto a ponto.

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Vale a pena ler os dois artigos. São avaliações pela esquerda dos resultados das eleições de domingo, 2 de outubro.

Por isso, publicamos ambos aqui.

Desculpem, mas dá pra ganhar

Por Gilberto Maringoni, em seu perfil em rede social

1. O resultado das eleições deste 2 de outubro é impactante em vários aspectos. O primeiro e mais evidente é o da falha gritante das pesquisas: elas não captaram a força do bolsonarismo e de seus agregados na sociedade brasileira.

2. O Brasil é muito mais conservador do que supunha nossa vã filosofia. Para qualquer um, que se paute por um pensamento democrático e progressista, é chocante ver gente como Hamilton Mourão, Sérgio Moro, Deltan Dallagnol, Ricardo Salles, Mario Frias, Damares Alves, Magno Malta e semelhantes serem consagrados pelo voto popular.

Temos aqui o enraizamento social da extrema-direita após os quase 700 mil mortos da pandemia, os 33 milhões com fome, a apologia das armas e de tudo o mais. O fascismo não nos é mais um corpo estranho; foi naturalizado. Ao mesmo tempo, esse é o país que gera o fenômeno Boulos, que trafega em sentido contrário, com um milhão de votos.

3. Entender como e porque isso acontece é tarefa dura e longa. Interessa saber como essa brutalização da vida social se torna atraente para milhões de pessoas.

4. Somos um país tremendamente desigual, com a maioria dos trabalhadores fora do mercado formal, sem direitos trabalhistas (ou de cidadania), mal formados (pela exclusão educacional proporcionada pela precariedade da escola pública), mal informados (por redes sociais e por uma mídia que não está aí para isso), sem tempo para o lazer, brutalizada pela dura batalha do dia a dia e sem perspectiva de futuro. Somos, além disso, uma coletividade fragmentada, marcada por um individualismo atroz, na qual há raros incentivos para que se estabeleçam laços de solidariedade.

5. Somos, enfim, uma sociedade em que o lumpesinato tem enorme peso em sua composição e em que o favor, o compadrio e o ódio são manifestações usuais nas relações humanas.

Esse estilhaçamento comunitário, potencializado pelo desmonte do mundo do trabalho ao longo de quatro décadas de neoliberalismo nos torna sensíveis a um tipo de liderança salvacionista e inorgânica – uma espécie de neopopulismo – , capaz de direcionar vontades e de transformar a raiva social em força política.

Esse é o resumo do resumo do caldo de cultura que possibilita a ascensão do bolsonarismo. E isso nós – alinhados a um pensamento democrático e progressista – ainda não conhecemos totalmente.

6. Que sociedade é essa cujas vontades não são captadas pelas sondagens de vários institutos? Ou melhor, que pesquisas são essas que não conseguem apreender e tabular preferências imediatas?

Como é possível que siga se repetindo o fenômeno notado na eleição do Rio de Janeiro de 2018, que possibilitou a um desconhecido até a última semana de campanha se tornasse governador?

A situação se generaliza, com o quadro paulista, que inverte a folgada dianteira aferida em favor de Fernando Haddad em sua disputa com Tarcísio de Freitas a poucos dias da votação.

7. O bolsonarismo oculto – ou envergonhado – é fenômeno que desafia as estatísticas. Ao lado da arrogância dos que exibem armas na cintura estão aqueles que sentem vergonha de se declararem eleitores de Bolsonaro fora da solidão da urna. Por que isso acontece?

8. Em situações normais – ou seja, num estudo acadêmico e fora das eleições – tais constatações podem gerar copiosas teses de doutorado. Aqui se trata de avaliar resultados das urnas com um propósito definido: ganhar no segundo turno.

9. Se erraram em boa parte das disputas estaduais, as pesquisas acertaram em cheio a votação nacional de Lula. Os prognósticos davam entre 47% e 51% de votos ao ex-presidente. Ele terminou o enfrentamento com 48,43% dos válidos. Faltou 1,57% dos sufrágios para uma vitória perfeitamente possível em primeiro turno!

O equívoco das pesquisas ficou no segundo colocado. Segundo os institutos, Bolsonaro teria entre 37% e 41%. Ele terminou com 43,2%, ou 5,23% atrás do ex-presidente. Em números redondos, quase 6,2 milhões de votos atrás.

10. O segundo turno é uma nova eleição. A vantagem aberta por Lula o coloca de saída em condição de vantagem. A soma do eleitorado de Ciro e de Simone Tebet totaliza 7,2%. É uma incógnita saber para onde penderão esses quase 7,6 milhões de eleitores, decisivos para o resultado final. Na hipótese – agora fluida – das pesquisas – todas – estarem corretas, Lula derrota Bolsonaro.

11. Examinando os apoios estaduais, a vantagem se inverte. Apoiadores de Bolsonaro ganharam em 9 estados no primeiro turno (AC, DF, GO, MG, MT, PR, RJ, RO e TO), que somam 49.115.309 eleitores. Partidários de Lula levaram em 6 (AP, CE, MA, PA, PI, RN), onde vivem 23.592.589 eleitores.

A comparação mostra que o bolsonarismo não é fenômeno dos grotões. Em 12 estados a contenda se resolverá na segunda volta (AL, AM, BA, ES, MS, PA, PE, SC, SE, SP, RO, e RS). Nesse último grupo haverá campanha acirrada dos presidenciáveis com os candidatos locais. Não se sabe como se comportarão os demais, onde o placar local está decidido.

12. A luta será duríssima. É possível Lula ganhar no dia 30. Para isso, a campanha bem que poderia mudar de tom.

13. A primeira coisa seria abolir o passado e o salto alto nos discursos. Chega de “No meu governo o povo tinha isso e mais aquilo”. O que passou, passou e agora é hora de se dizer claramente o que será feito. Vai ter comida para todo mundo? Se tiver, vai ser barata? Vai ter emprego? Com salário de quanto? A gasolina ficará com o preço baixo? Minhas dívidas vão ser resolvidas? Vai ter saúde? Como resolver? Não é o eleitor quem tem de responder, mas a campanha.

14. Teremos uma campanha com comícios que se parecem com shows do Rock in Rio, nos quais a plateia assiste, se deleita e vai para casa? Ou haverá um mínimo de chamamento à mobilização? Vai ter material? Anunciaram lá atrás um comitê voltado para essas coisas. Vai ter?

A campanha de TV sairá do pieguismo brega do início, ou manterá o tom de combate dos últimos dias? Vão ficar repetindo feito matracas que Bolsonaro tem 51 imóveis comprados com dinheiro vivo ou uma equipe de reportagem irá atrás de pelo menos dois ou três e mostrará o valor, onde ficam, se são de luxo ou não?

Ou seja, ficarão na conversa ou farão como a Globo agiu no caso do sítio de Atibaia, atribuído a Lula? Ali mostraram dos pedalinhos às torres dos cabos de internet, passando pelo laguinho doméstico. A campanha será concreta ou doutrinária?

15. Acima de tudo, é preciso termos uma jornada empolgante, que convoque as pessoas à luta por mais votos. Lambamos as feridas deste fim de semana para a batalha que se aproxima. Será dura, mas valerá a pena.

*****

Pitaco sobre o texto do Gilberto Maringoni

Valter Pomar, em seu blog

Recebi de uma companheira um texto do professor Gilberto Maringoni, ex-candidato a governador de São Paulo pelo PSOL em 2014. Os elogios foram tantos, que acabei lendo o texto, que tem um título curioso: “Desculpem, mas dá para ganhar”. Ou seja: parece ter sido escrito para combater o pessimismo de quem acha que vamos perder a eleição presidencial. Um objetivo meritório, portanto.

O texto começa afirmando que o “primeiro e mais evidente” aspecto impactante do resultado das eleições é… o da “falha gritante das pesquisas”, que não “captaram a força do bolsonarismo e de seus agregados na sociedade brasileira”.

Pessoalmente acho que há outras coisas mais impactantes nesta eleição, mas certamente isso depende do gosto do freguês.

Entretanto, não considero correto afirmar que as pesquisas “não captaram a força do bolsonarismo”.

Todas as pesquisas apontavam que Bolsonaro tinha mais de 30% e que podia ir ao segundo turno, mesmo depois de contribuir para a morte de mais de 700 mil pessoas, entre tantos outros crimes.

Assim, me parece que o problema está em outro lugar: uma parte da esquerda só considera relevante aquilo que constitui evidente ameaça eleitoral.

E como as pesquisas indicavam a possibilidade de Lula vencer no primeiro turno, muita gente começou a subestimar a força do inimigo, esquecendo que pesquisa não é eleição, que a extrema direita tem demonstrado ser uma força de chegada etc.

Na minha opinião, não é certo dizer que houve “equívoco” das pesquisas quanto ao segundo colocado.

Como o próprio Maringoni lembra, “segundo os institutos, Bolsonaro teria entre 37% e 41%. Ele terminou com 43,2%”.

Portanto, as pesquisas estavam acertando a tendência; o que elas não podiam fazer era medir a onda bolsonarista que só aconteceu na reta final.

Claro que esta onda podia e devia ter sido prevista pela análise política, mas infelizmente parte de nossos analistas e dirigentes viraram intérpretes de pesquisas velhas.

Em resumo, as pesquisas têm seus problemas, mas o grande problema não está nas pesquisas e sim na leitura que tanta gente boa fez delas.

Como disse um amigo, adotaram uma espécie de Gramsci às avessas: o “otimismo da razão”.

Depois de criticar as pesquisas, Maringoni diz que o “Brasil é muito mais conservador do que supunha nossa vã filosofia”.

Sim, o Brasil é conservador e é conservador há muito tempo, fato sabido e reconhecido faz muito tempo, pela maior parte da esquerda brasileira.

Na boa, pode ser chocante, mas não constitui propriamente novidade ver “Hamilton Mourão, Sérgio Moro, Deltan Dallagnol, Ricardo Salles, Mario Frias, Damares Alves, Magno Malta e semelhantes serem consagrados pelo voto popular”.

Chocante, ao menos para mim, é acharmos que isso é uma novidade. Faz tempo que Ulysses Guimarães disse ao Genoíno que ele achava o atual congresso ruim, porque não conhecia o próximo.

O Brasil é assim há tempos. Hiatos progressistas e pitadas de direita gourmet são folhas de parreira cobrindo um país dominado pelas taras da colônia, da escravidão, do latifundiário, do capitalista moderno que explora trabalho escravo etc.

Aliás, isto me recorda algo ocorrido durante a pandemia. Um grande militante, velho conhecido de Maringoni, disse numa reunião pública que não devíamos fazer uma campanha pelo Fora Bolsonaro, porque isso era no fundo desnecessário, uma vez que o país não suportaria 100 mil mortos.

O que aconteceu, sabemos. Mas devemos nos perguntar: o que leva um quadro experiente da esquerda a raciocinar desta forma, logo depois do golpe de 2016, logo depois da eleição de Bolsonaro em 2018?

Temo que a explicação esteja implícita na frase: “O fascismo não nos é mais um corpo estranho; foi naturalizado. Ao mesmo tempo, esse é o país que gera o fenômeno Boulos, que trafega em sentido contrário, com um milhão de votos”.

Assim funciona para parte de nós: ficamos obnubilados com algumas árvores, enquanto o bosque segue o de sempre…

Em seguida Maringoni diz que interessa saber como “a brutalização da vida social se torna atraente para milhões de pessoas”. E afirma sermos “um país tremendamente desigual”, “uma coletividade fragmentada, marcada por um individualismo atroz, na qual há raros incentivos para que se estabeleçam laços de solidariedade”, uma sociedade em que o “lumpesinato tem enorme peso em sua composição”, um “estilhaçamento comunitário” que nos torna “sensíveis a um tipo de liderança salvacionista e inorgânica” etc.

Tudo isto tem um pouco de verdade, mas cabe responder por que estes fenômenos econômicos e sociológicos nacionais se traduzem em posições políticas diferentes, a depender da região? E além disso, há um mistério: porque na análise de Maringoni não comparece, em nenhum momento, o papel político da classe dominante, do capital, da burguesia, do empresariado?

Como compreender o resultado em São Paulo, sem levar em conta estes senhores?

Talvez por ser ouvinte da Jovem Pan, não me espanto com o resultado do primeiro turno em São Paulo. Aliás, para quem não lembra, Tarcísio passou pelo DNIT na época do governo petista. A questão, novamente, não está nas pesquisas, mas sim na cegueira seletiva de uma parte da esquerda.

Faz parte desta cegueira continuar insistindo em frases acerca daqueles “que sentem vergonha de se declararem eleitores de Bolsonaro fora da solidão da urna”.

Pelo contrário: a maior parte dos bolsonaristas tem orgulho de si, acham que estão salvando o país. Basta ver a quantidade de bandeiras do Brasil vis a vis a quantidade de bandeiras vermelhas, no dia da eleição. Ou compreendemos isso ou vamos nos estropiar, atribuindo aos outros uma “vergonha” que eles não têm.

Por fim, concordo com Maringoni quanto a necessidade da campanha “mudar de tom”, falar mais do futuro, apresentar propostas, TV e rádio combativa, comícios com mobilização.

Mas acho que faltou falar de algo fundamental: para termos uma “jornada empolgante, que convoque as pessoas à luta por mais votos”, não adianta apenas fazer propostas. Também se faz necessário enfrentar a batalha ideológica, a guerra cultural, o enfrentamento de visões de mundo.

Aliás, um dos motivos pelos quais a esquerda se saiu melhor no nordeste do que no sudeste, é porque no sudeste a dinâmica capitalista – cada um por si e Deus por todos – predomina sobre a lógica comunitária.

Em resumo: precisamos de luta ideológica na veia.

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Milly Lacombe: Sete lições que podemos tirar do 1º turno das eleições

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Comentários

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Zé Maria

O brasileiro médio é muito mais Supersticioso
do que possa imaginar nossa vã Sociologia.

Não há Raciocínio Lógico e Verossimilhante
nem Argumento Racional Grandiloqüente
que o afaste da Fantasia Capciosa da ilusão
de que ganhará solito o Prêmio da Loteria,
por Ação Direta de um Ente Sobrenatural,
e o convença de que o Realismo Trágico –
que o lança nos Sofrimentos Existenciais
resultantes das Necessidades Essenciais,
materiais Cotidianas e Sentimentais Afetivas
– é Obra de Más Ações de Maus Governantes,
que só será superado pelas Lutas Coletivas
e não por um Mentiroso e Falso Milagreiro.

Assim, a Religião jamais substituirá a Política
muito menos a Política substituirá a Religião.
Poderão coexistir, se uma não interferir noutra.

Não há Fascismo sem Mistificação e Mitificação.

Mistificando a Política e mitificando Falsos Heróis
foi que, em uma Década, a Mídia Venal inventou
os Mitos Antipetistas Barbosa, e Moro, e Dalanhól,
e, por conseqüência, Bolsolão e toda a Escumalha
da Extrema-Direita que se apresentam Senador,
Deputado, Presidente e seus Ministros do Supremo.

É assim que a Justiça e a Verdade são Relativizadas,
para servir a uma Casta, denominada “Elite do Atraso”
encrustada nos Poderes Institucionais Republicanos,
e os Corvos Arranquem os Olhos de quem os criou.

NÃO PASSARÃO!

    Zé Maria

    “O cancelamento do futuro esvazia a esperança coletiva de que a vida
    pode ser melhor amanhã, aprofundando apostas na saída individualista
    e nos valores conservadores trazidos pela interpretação do passado
    pré-iluminista, quando o misticismo e a religiosidade explicavam o mundo.”

    https://twitter.com/MarcioPochmann/status/1577614431827148800

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