Ex-diretor de auditoria do Ministério da Saúde: “Se o SUS não cabe no orçamento, como disse o pepista Ricardo Barros, por que Lira quer o Ministério da Saúde?”

Tempo de leitura: 4 min
Fotos: Agência Brasil

Por Conceição Lemes 

Amanhecemos nesta quarta-feira, 14/12, com a notícia de que o Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, desejaria o Ministério da Saúde em troca da aprovação da PEC da Transição.

A revelação é do jornalista Tales Faria, em reportagem publicada  no UOL.

Segundo a matéria, Lira teria dito que seriam 150 votos do que ele chama de um “consórcio de partidos”, do qual participam o PP, do próprio Lira, União Brasil, PSDB e Cidadania, entre outras legendas.

Luís Carlos Bolzan condena veementemente essa tentativa de barganha. 

“A primeira impressão é muito ruim”, diz muito temeroso, em entrevista ao Viomundo

Bolzan tem grande expertise em auditoria e fiscalização do Sistema Único de Saúde (SUS).. 

Psicólogo e mestre em gestão pública, ele foi diretor do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS), de 2008 a 2011.

É o departamento que averigua as regularidades e irregularidades nos procedimentos de gestão em todo o Sistema Único de Saúde. Ou seja, em municípios, estados, Distrito Federal e Ministério da Saúde.. 

Além disso, de 2011 a 2013,  ele dirigiu o Departamento de Ouvidoria Geral do SUS.

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Segue a nossa entrevista. Comecei justamente pelo que sentiu ao tomar conhecimento da tentativa de chantagem.

Viomundo —  Considerando o histórico de Arthur Lira e do PP, qual a tua primeira impressão ao ler hoje essa notícia?

Luís Carlos Bolzan — A primeira impressão é muito ruim. Lira está barganhando aprovação da PEC social por um ministério que é estratégico para o desenvolvimento social brasileiro.

Aponta para a não recuperação do Ministério da Saúde, mantendo parte do grupo que esteve e está lá, desde o golpe de 2016, que derrubou a presidenta Dilma Rousseff.

Viomundo —  A Frente pela Vida e a Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares (RNMMP) já divulgaram notas contra a tentativa de negociação do Ministério da Saúde. Compartilha das opiniões dessas entidades? 

Luís Carlos Bolzan — Com certeza. Seguir essa lógica de barganha empobrece e desmerece o Sistema Único de Saúde (SUS).

Demonstra que quem está propondo essa troca quer o Ministério da Saúde pelo tamanho do seu orçamento e pelas  possibilidades de “negócios” e vantagens”. Ou seja, o que o move não é a importância social e estratégica do Ministério da Saúde e do SUS. 

Viomundo — Na tua avaliação, quais os motivos que teriam levado Lira a reivindicar o MInistério da Saúde?

Luís Carlos Bolzan — O PP, de Arthur Lira, teve nas mãos o Ministério da Saúde no período de Temer, após o golpe de 2016. Foi quando o engenheiro e deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) foi o ministro.

Vem daquela época o início do desmonte de órgãos como o Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS), a  ações de auditoria e a CartaSUS.

Vale lembrar também que a CPI da Covid demonstrou esquemas dentro do Ministério da Saúde, supostamente envolvendo pessoas relacionadas ao ex-ministro Barros e ao PP. 

Daí a pergunta óbvia: por que Lira quer tanto o Ministério da Saúde?

— Seria para manter tal situação?

— Seria para impedir que fossem descobertos outros casos de corrupção no Ministério da Saúde?

— Seria por relação direta de repasses do  Ministério da Saúde para municípios e o famigerado e criminoso orçamento secreto?

Tais perguntas ficam no ar com a insistência do PP em querer se manter no Ministério da Saúde. 

Viomundo — Caso a chantagem de Arthur Lira prevaleça, quais as possíveis consequências?

Luís Carlos Bolzan — Primeira: é possível que estruturas e ações necessárias que foram desmontadas, como o DENASUS e a CartaSUS não sejam recuperadas.

Segunda: o Ministério da Saúde e o próprio SUS vão continuar em risco, por não estarem em mãos de sanitaristas e usuários comprometidos com o Sistema Único de Saúde. Prejudicando, assim, recuperação de políticas vitais, como a reforma psiquiátrica, atacada ferozmente desde a gestão de Ricardo Barros.

Terceira: essa troca, se aceita por Lula, pode representar uma imensa casca de banana, deixando o presidente refém de grupos denunciados pela CPI da Covid.

Viomundo — Quais as implicações de a indicação recair sobre alguém mais ligado à área privada?

Luís Carlos Bolzan — Vai agir para beneficiar interesses de grupos privados e não para atender a demanda social em saúde. Os interesses privados e os da saúde pública não necessariamente andam juntos. Muito pelo contrário. Na maioria das vezes, senão sempre, são antagônicos. 

Viomundo — O presidente Lula correria risco de não ter cumpridas as suas promessas em relação ao SUS?

Luís Carlos Bolzan — Sim. Especialmente a retomada do Mais Médicos e a recuperação e fortalecimento da reforma psiquiátrica, para ficar em dois exemplos.

Viomundo — Considerando o PP de Lira e Ricardo Barros e os esquemas do Centrão, estaríamos na iminência de um escândalo anunciado?

Luís Carlos Bolzan — Eis uma grande possibilidade, sustentada por vasto histórico: destruição de órgão de controle e fiscalização, como o DENASUS, o fim da CartaSUS; denúncias da CPI da Covid; orçamento secreto; e fraudes já divulgadas em municípios do país.

A propósito, Ricardo Barros, enquanto ministro de Michel Temer, disse que o SUS não cabia no orçamento da União. Se não cabia por que o PP de Barros e Lira querem agora o Ministério da Saúde?

Viomundo — Participo de um grupo de profissionais da saúde no WhatsApp. Um médico que o integra postou hoje:  “O Ministério da Saúde guarda, talvez, os mais tenebrosos segredos do duo golpista Vampirão & Bozo. Cedê-lo aos inimigos mortais do SUS e do povo brasileiro faria do novo governo um ente natimorto”. Concorda?

Luís Carlos Bolzan –– Talvez não um natimorto, mas provavelmente um governo condenado a ter que lidar com escândalos e fraudes.

Não esqueçamos do famigerado contrato feito durante governo Bolsonaro que passou gestão dos dados do DATASUS para uma multinacional sem disponibilizar contrato para conhecimento público.

Esse caso será apurado, se Lira e PP assumirem o Ministério da Saúde?  Ou vão abafá-lo, considerando que o caso envolve governo Bolsonaro que eles defendem?

Viomundo — Qual a tua expectativa em relação à decisão final do presidente Lula sobre o Ministério da Saúde?

Luís Carlos Bolzan — Espero que o nosso presidente reflita com muita lucidez e não aceite pressão desse grupo que quer o Ministério da Saúde por motivos nada nobres, que nada têm a ver a saúde pública brasileira e o SUS. 

Orçamento secreto é veneno para o SUS.

Para recuperar o Zé Gotinha e fortalecer os trabalhadores da saúde, como disse Lula ao final dos trabalhos da grupo de transição, SUS não pode, de fato, ser moeda de troca.

Leia também:

Arthur Lira chantageia Lula: Quer Ministério da Saúde em troca dos votos para aprovar PEC da Transição

Frente Pela Vida: Não à tentativa de negociação do Ministério da Saúde

Rede de Médicos Populares: Não aceitaremos chantagem do centrão sobre a saúde do povo brasileiro; nota

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Comentários

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Zé Maria

“Tem causado incompreensão em algumas pessoas
o voto do PT favorável à resolução que disciplina
o Orçamento Secreto, a RP9, a maldita emenda do
relator.
Parece uma coisa, é outra. Nosso voto, na prática, era
o melhor caminho para acabar com esse mecanismo
de barganha. Explico:” …

“Já existe no meio político/jurídico o entendimento de que,
infelizmente, os ministros Gilmar Mendes e Lewandowski
votarão pela constitucionalidade da RP9, mas com novas
regras que deem transparência e não firam o princípio
da impessoalidade.”

“Estes ministros pediram vistas para dar tempo
ao Congresso estabelecer essas novas regras.
Uma maneira de evitar que o STF legisle sobre o tema.
É a relação entre os poderes voltando a funcionar
com diálogo.
Foi apresentada uma proposta de Resolução
com a qual não concordo” …

“Só que votar contra a Resolução
não acabaria o orçamento secreto.
1º: não tínhamos votos suficientes.
2º: se voto NÃO vencesse, julgamento
no STF não ia mudar: RP9 ia continuar
constitucional.
Obrigaria, contudo, aos ministros do STF
a definir as novas regras.”

“Decidimos ir para a negociação e encontramos o caminho
que acabava completamente com a barganha:
propusemos uma alteração na Resolução para que a divisão
dos recursos fosse equânime por cada parlamentar.
Isso esvazia o poder do relator, a compra de votos.”

“Perdemos, por pouco.
Da forma que ficou a Resolução, ganhamos
em transparência (deixou de ser secreto),
mas continuou a concentrar poder nas mãos
do relator, presidentes da Câmara e Senado.
Espero que o STF conclua que RP9 não precisa
ser apenas transparente, mas equânime.”

“Seria muito melhor para o governo que começa
que o STF simplesmente declarasse o RP9 inconstitucional.
Ganharíamos R$ 19 bi no orçamento para fazer política
pública com eficiência e focada nos reais problemas
do país, além de acabar com toda barganha e corrupção
envolvidas.”

JORGE SOLLA
Deputado Federal Reeleito (PT/BA)

Siga o Fio da Meada:
https://twitter.com/DepJorgeSolla/status/1604184856136663041

    Zé Maria

    .

    Com o Voto do Ministro Ricardo Lewandowski, há pouco,
    a Corte Suprema (STF) formou Maioria de 6 Votos para
    julgar INCONSTITUCIONAL as Emendas Orçamentárias
    do Relator (RP9 = ‘Orçamento Secreto’ dos “Piratas”).

    .

    Zé Maria

    .
    Paralelamente, ontem (18), o Ministro Gilmar Mendes determinou que os recursos destinados ao pagamento
    de Benefícios (Bolsa-Família, inclusive,) para garantir
    Renda Mínima aos Brasileiros estão FORA DO TETO
    DE GASTOS previsto na EC 95.

    https://twitter.com/randolfeap/status/1604660803688349696

    A Decisão de Gilmar acolheu petição apresentada
    pelo Partido Rede Sustentabilidade, no Mandado
    de Injunção (MI) Nº 7.300.

    A Rede já informou que irá protocolizar
    Embargos de Declaração, para que seja
    expressamente determinado pelo Ministro
    que a Medida se estende aos R$150,00
    para os filhos de até 6 anos dos Beneficiários,
    na forma proposta pelo Presidente LULA.

    Íntegra da Decisão no Mandado de Injunção 7300:
    https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/MI7300BolsaFamilia.pdf

    https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=499282&ori=1

Nelson

Esse tal de Ricardo Barros é uma das tantas, centenas, de coisas espúrias a quem o povo brasileiro vem elegendo, para, uma vez empossadas, “darem nos dedos” desse mesmo povo, votando na maioria ou na totalidade das vezes somente a favor dos interesses do grande capital.

E parece que o povo não aprende e não quer aprender. Verifiquei que essa coisa espúria foi eleito deputado federal pelo Paraná nada menos de seis vezes. Ou seja, o(a) paranaense errou e optou por insistir no erro outras cinco vezes.

O SUS, que representa segurança para qualquer brasileira e brasileiro, de que terá atendimento garantido para si e sua família em caso de problema de saúde, não cabe no orçamento federal? Então, dá-se um jeito de fazer com que caiba. Ou será que existe algo mais importante, mais nobre do que atender ao povo brasileiro?

Não é para isso que deveria servir um deputado federal, ministro ou coisa que o valha?

O SUS não cabe no orçamento.
Mas, entregar metade ou mais desse orçamento, todo ano, só para rentistas da dívida cabe, senhor Barros?
Mas, conceder isenção de impostos [MP do Trilhão] por mais de 20 anos para grandes empresas, além de tudo estrangeiras, cabe no orçamento, senhor Barros?
Mas, conceder isenções bilionárias todo ano [Lei Kandir] a grandes exportadores cabe no orçamento, senhor Barros?

O que não cabe no orçamento é entregar uma qualidade de vida melhor para 95%, ou mais, de brasileiros que dependem do SUS e de outras políticas públicas, não é senhor Barros?

marcio gaúcho

Virar refém do centrão, bem antes de assumir o governo, jamais deverá ser aceito. Se a PEC não for aprovada na Câmara dos Deputados, então que se use de outros meios jurídicos disponíveis, passíveis de uso pelo poder executivo. Ficar de joelhos, nunca!

Zé Maria

Se aceitar Pressões dos Lobbies, o Centrão fica com os Ministérios e as Estatais.

    Zé Maria

    Entendendo que os Lobbies não são apenas dos Parlamentares,

    mas principalmente dos Bancos e das Corporações Econômicas.

    Zé Maria

    Corporações Econômicas significando também as Empresas de Comunicação.

Zé Maria

Falem com o Zé Guimarães do Ceará.
Ele é o dep. que negocia com o Lira.

João Avila

O orçamento do MS não só tem o maior poder de compra da esplanada como também faculta ao gestor federal a transferência de recursos para apaniguados no ambito dos Estados e municípios, mesmo sem critérios. Imagina isso nas mãos dos inescrupulosos autores do orçamento secreto!

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