Dois anos depois: queda de braço com “Citizens United”
Por Katrina vanden Heuvel, na revista The Nation, em 17.01.2012
No dia 30 de dezembro a Suprema Corte de Montana deu à nação um presente de Ano Novo, ao apoiar a lei centenária que barra gastos de corporações em eleições no estado. A decisão passou despercebida em meio ao estardalhaço das primárias republicanas – enquanto as contribuições dos super-PAC explodem e emerge a compreensão sobre o impacto corrosivo deles.
[PAC é political action committee, um comitê de ação política previsto na legislação eleitoral dos Estados Unidos para atuar em campanhas. O super-PAC foi viabilizado em 2010 por duas decisões judiciais e pode arrecadar dinheiro ilimitado de empresas, sindicatos e outros grupos para investir em campanhas eleitorais. A principal decisão, da Suprema Corte, tomada por 5 votos a 4, diz que a Primeira Emenda da Constituição, a que garante a liberdade de expressão, proíbe o governo de colocar limites em gastos políticos independentes feitos por corporações ou sindicatos. Continuam valendo limites para contribuições diretas à campanha de candidatos, mas a decisão em favor da Citizens United permite que uma corporação gaste quanto quiser, de forma independente, para eleger este ou aquele candidato, combater este ou aquele candidato]
O caso de Montana apresenta o primeiro desafio direto à decisão desastrosa, conhecida como Citizens United, quando nos aproximamos do segundo aniversário dela.
O Free Speech for People – uma campanha nacional, não partidária, que contesta a invenção de direitos para as corporações na Constituição americana – entrou com uma moção no caso de Montana. Liderou uma coalizão que inclui o American Sustainable Business Council, uma rede de mais de 70 mil empresas do país; a American Independent Business Alliance; além de uma rede local de supermercados e de uma corporação sem fins lucrativos.
Jeff Clements é o autor da moção da coalizão. Co-fundador e conselheiro da Free Speech, Clements foi procurador geral assistente de Massachusetts, litigou nas áreas de direitos civis, proteção do meio ambiente, seguro de saúde, serviços financeiros e de seguros, antitruste e proteção do consumidor e enfrentou a indústria do tabaco. Ele também é autor do novo livroCorporations Are Not People: Why They Have More Rights Than You Do and What You Can Do About It (Corporações Não São Pessoas: Por que elas têm mais direitos do que você e o que você pode fazer a esse respeito). É um livro que qualquer pessoa que se interessa em resgatar nossa democracia para e pelo povo deve ler.
Clements conta uma história vívida de como as grandes corporações se organizaram para tomar nosso governo e nossa Constituição, culminando com a decisão chamada Citizens United. Ele também descreve sua visão de como devolver a democracia ao povo.
Como [o jornalista norte-americano] Bill Moyers destaca na introdução do livro, essa não é a primeira vez que a Suprema Corte serviu como defensora de interesses conservadores pró-corporações: em 1915 ela matou a lei do estado de Nova York que limitava a carga horária de trabalho e a que proibia o trabalho infantil, uma década depois; a Suprema Corte foi contra a lei do salário mínimo em 1923 e contra atos de recuperação da economia durante o New Deal [governo de Franklin Delano Roosevelt], em 1935 e 1936.
“Mas, diante do desânimo, os cidadãos mais aferrados se recusaram a entregar os pontos”, escreve Moyers. “Todos os dias os cidadãos pesquisaram os temas, organizaram eventos públicos, educaram os vizinhos, fizeram manifestações, discursos, abaixo-assinados, marchas e incitaram. Eles elegeriam governos do século XX que restauraram o estado de bem estar social como pilar da democracia norte-americana”.
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O livro de Clements, escreve Moyers, descreve como brigar – como nossos antepassados fizeram tantas vezes, antes – neste caso, através da apresentação de emendas à Constituição declarando o que Clements chama de “propostas muito simples: corporações não são gente”. (Clements também pede que se cobre responsabilidade das corporações, e uma reforma da lei eleitoral com o aumento do financiamento público).
“Citizens United é um caso de poder das corporações mascarado de caso de liberdade de expressão”, escreve Clements. “Nós não temos que viver com isso. Nós podemos restaurar o projeto dos Estados Unidos juntos”.
Campanhas para emendar a Constituição demandam tempo e paciência e muita tenacidade já que, primeiro, é preciso assegurar apoio de uma super-maioria nas duas casas do Congresso e, depois, conseguir a ratificação de três quartos dos estados. Mas, como o senador estadual de Maryland, Jamin Raskin, professor de direito constitucional e da Primeira Emenda na Escola de Direito Washington, da Universidade Americana diz, “os cidadãos norte-americanos emendaram a Constituição repetidamente para defender a democracia, quando a Suprema Corte agiu em conjunto com os inimigos da democracia, fossem eles donos de escravos, estivessem impondo tributos aos eleitores ou se opondo ao direito de voto feminino”.
É uma longa jornada e os grupos que trabalham para este fim – inclusive o Public Citizen, o Center for Media and Democracy, o Move to Amend, o Common Cause, o People for the American Way e outros – serão inteligentes se concordarem, com precisão, na linguagem que deve ser usada para essa emenda e a tornarem simples, clara e interessante. Afinal, é difícil organizar uma frente unida no país quando existem múltiplas versões da mesma emenda.
O próprio Raskin vai apresentar uma proposta conjunta de resolução na Maryland General Assembly, pedindo ao Congresso que aprove uma emenda revertendo a decisão Citizens United e a mande aos estados para ser ratificada. Ele tem esperanças de que o esforço dará o pontapé inicial em um movimento nacional, no âmbito dos estados, para pressionar pela emenda. Outras jurisdições locais também estão adotando essa estratégia, inclusive as câmaras de vereadores [city councils] de Los Angeles, Oakland, Nova York, Albany, Duluth e Bolder, que já passaram resoluções de oposição à Citizens United.
No Congresso, vários deputados apresentaram resoluções pedindo um recurso constitucional, inclusive Donna Edwards, os senadores Tom Udall e Bernie Sanders e os deputados Betty Sutton, Ted Deutsch, Jim McGovern, John Yarmuth, Walter Jones, Keith Ellison e outros. Louvados sejam estes senadores e deputados pelas boas propostas – e as organizações de defesa da democracia. Quanto mais eles conseguirem concordar na linguagem da emenda, mais facilmente os cidadãos se juntarão a eles.
Mas, como o dinheiro das corporações continua banhando nossas eleições de forma secreta e afogando as vozes dos cidadãos, é importante lembrar que precisamos assobiar e chupar cana ao mesmo tempo e não apenas focar na briga pela emenda. Isso significa ampliar sistemas bem sucedidos de financiamento público de campanha que já existem na legislação de alguns lugares como Arizona, Connecticut, Maine e Carolina do Norte, e levar esses modelos para outros estados. No Congresso, o ato Fair Elections Now permitiria aos candidatos federais concorrer sem contar com a contribuição do “Big Money”. Forçar republicanos e democratas conservadores a declararem voto contra o Fair Elections Now e vê-lo, eventualmente, ser aprovado — para depois ser derrotado na Suprema Corte — poderia mobilizar o público.
[O Fair Election Now Act permitiria aos candidatos ao Congresso arrecadar contribuições de até 100 dólares dos eleitores de seus estados de origem. Para cada U$ 100 arrecadados, o candidato receberia U$ 400 em dinheiro público. O dinheiro viria da venda, em leilão, de frequências hoje desocupadas no espectro eletromagnético]
Com a decisão da Suprema Corte de Montana e o ódio público a um sistema político e econômico montado para servir a 1% da população, este é o momento de mergulhar e organizar um processo eleitoral mais limpo e mais democrático.
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Comentários
internauta
O grupo que fez o Ficha Limpa – http://www.MCCE.org.br/node/9- está "pondo na rua" uma proposta de Reforma Política. Seguem algumas ideias:
FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA DIRETA
simplificação para Iniciativa Popular pela coleta de assinaturas por formulário impresso, urnas eletrônicas e Internet, com indicação apenas de nome completo, nascimento e município em que vota, sendo o número de eleitor@s necessári@s igual ao necessário para criar um partido político (= 500 mil), podendo-se convocar plebiscitos e referendos sobre qualquer tema, incluindo propostas de emendas constitucionais.com precedência na tramitação e sempre em caráter de urgência.
REFORMA ELEITORAL
ACABAR COM votações secretas nos legislativos., imunidade parlamentar, 14º e 15º salários, foro privilegiado, recesso de 60 dias (será 1 mês), dentre OUTRAS MEDIDAS !
Participe!
Ricardo Beltrão
Está dito neste artigo o que nós brasileiros estamos tão acostumado. As grande s Coorporações ditam o caminhar da carruagem.
Principalmente os Bancos!
Bonifa
A defesa do Free Speach chegou finalmente aos Estados Unidos? Vejam bem, caros amigos. Esta bandeira é a bandeira da "Liberdade de expressão", e nunca foi necessário tanto empenho americano para defendê-la. Ela se confundia com o que sabíamos que eram os Estados Unidos da América. Através desta suposta noção de liberdade, que motivou esta lei estapafúrdia por meio da qual a nação americana confessa que não pertence ao seu próprio povo mas sim a meia dúzia de banqueiros e empresários apátridas, dá-se a dominação do poder econômico, na falsa democracia americana. Aliás, isso sempre aconteceu. Disfarçadamente. Através do falso exercício da liberdade de imprensa, a América Latina ficou escravizada durante décadas ao som das mentiras de seus algozes. Mas isto é coisa do passado e hoje, até dentro dos Estados Unidos, já são necessárias leis como essa, para tentar reforçar a idéia de que meia dúzia de anti-gente continue sua trajetória de manipulação das eleições e de dominação e aniquilamento dos americanos e da Humanidade.
Martin
A Internet eh o que temos de mais proximo da VERDADEIRA democracia, atraves da possibilidade de nos manifestar CONTRA ou A FAVOR das coisas (e documentarmos ISSO) com RAPIDEZ e CLAREZA .
Att.
Martin
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