Elmar Bones: Uma reportagem, duas sentenças

Tempo de leitura: 3 min

Denúncia do Jornal JÁ vira livro

sugerido por FC

Uma Reportagem, Duas Sentenças traz um resumo do relatório enviado à organização internacional Article 19

O editor do jornal JÁ, Elmar Bones autografa nesta quarta-feira, 7, às 19 horas, na Feira do Livro, a obra ‘Uma Reportagem, Duas Sentenças – O Caso do Jornal JÁ’.

O título é a versão resumida um relatório enviado à Article 19 – organização internacional que se dedica à proteção e promoção da liberdade de expressão e informações – denunciando internacionalmente a condenação do jornal de bairro na Justiça, por ação da família do ex-governador Germano Rigotto (formalmente, é uma ação assinada por sua mãe, Julieta).

O recurso a uma corte internacional é a última possibilidade que resta à JÁ Editores, como tentativa de reverter a decisão que estrangula financeiramente o jornal.

Com 25 anos de atividades e um Premio Esso (o principal prêmio de jornalismo no país), a JÁ Editores teve a situação financeira agravada por dois processos apresentados pela família Rigotto, em razão de uma reportagem publicada em 2001.

No processo penal, acusado de calúnia, injúria e difamação . O jornalista foi absolvido em todas as instâncias, apesar dos recursos da família Rigotto, e o processo pelo Código Penal foi arquivado. Mas, em 2003, Bones acabou sendo condenado na área cível ao pagamento de uma indenização de R$ 17 mil. Em agosto de 2005 a Justiça determinou a penhora dos bens da empresa.

O livro publica os documentos judiciais que serviram de fonte ao trabalho e reproduz a reportagem que tratou de fraude ocorrida dentro na CEEE, “a maior fraude da história gaúcha”, segundo o jornalista Luiz Cláudio Cunha, e o envolvimento de Lindomar Rigotto, irmão do ex-governador.

A quebra do sigilo bancário de Lindomar revelou um crédito em sua conta de R$ 1,17 milhão, de fonte não esclarecida. Na Assembleia Legislativa foi criada uma CPI.

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O relator da CPI, Pepe Vargas (PT), primo de Lindomar e Germano Vargas Rigotto, apesar do parentesco, foi inclemente na sua acusação final: “De tudo o que se apurou, tem-se como comprovada a prática de corrupção passiva e enriquecimento ilícito de Lindomar Vargas Rigotto”.

Além dele, a CPI indiciou outras 12 pessoas e 11 empresas, botando no mesmo balaio nomes vistosos como Camargo Corrêa, Alstom, Brown Boveri, Coemsa, Sultepa e Lorenzetti.

No final de 1996, a Assembléia remeteu as 260 caixas de papelão da CPI ao Ministério Público, de onde nasceu o processo n° 011960058232 da 2ª Vara Cível da Fazenda Pública em Porto Alegre.

Os autos somam 30 volumes e 80 anexos e mofam ainda na primeira instância do Judiciário, protegidos por um inacreditável “segredo de justiça”.

São já 17 anos de completo sigilo sobre a maior fraude da história do Rio Grande.

Apesar disso, ou justamente por isso, Elmar Bones e o jornal JÁ foram os punidos!

No livro que será lançado e autografado nesta quarta-feira, Elmar registra sua indignação . “(…) um Tribunal de Justiça resgatar uma ação que já está arquivada para punir um pequeno jornal, porque ele cumpriu o seu papel de não deixar cair no esquecimento fatos de interesse público… Isso um jornalista não pode aceitar calado”, escreve.

O autor dedica a obra aos colegas que se perguntam: o que aconteceu com o JÁ?. “Não dá pra explicar num encontro fortuito. O que ‘está’ acontecendo com o JÁ é algo inacreditável, não comporta simplificações. Por isso, escrevi o livro”.

Elmar Bones receberá o público às 19h desta quarta-feira, 7, na Praça de Autógrafos da Feira do Livro de Porto Alegre.

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FrancoAtirador

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Entrevista exclusiva com Elmar Bones, proprietário e editor do Jornal JÁ

No Jornalismo B

Jornalismo B: Como tu vês a conjuntura da mídia no Brasil hoje?

ELMAR BONES: Há uma crítica que se faz à mídia brasileira que eu considero errada: a que desqualifica a mídia. Ela não é desqualificada, não falta qualidade. Falta liberdade e competição. Não tem concorrência, são meia dúzia de grupos, em um país desse tamanho, que produzem toda a informação. Aí tem uma distorção. Por sua própria estrutura, por comprometimentos históricos, eles não dão conta das necessidades que tem a sociedade brasileira. O jornalismo é uma pequena parte no interior de grandes grupos empresariais, então ele está sob o peso desses interesses. Grandes grupos empresariais tem grandes interesses comerciais, e o jornalismo está embaixo disso. Esses interesses pesam. Existem essas limitações lá dentro, e do lado de fora disso tens um país que mudou, que está se democratizando. Não há como dar conta com uma estrutura limitada quantitativamente e limitada qualitativamente pelos interesses que estão envolvidos. Essas empresas são um grande negócio. Por exemplo, a RBS aqui. Eu não nego sua competência, sua importância. Até pelo alcance que eles têm. Mas eles têm a maior empresa imobiliária do Rio Grande do Sul. O maior grupo imobiliário do Rio Grande do Sul é da família dona da RBS. O que tu achas que acontece com as questões que envolvem os interesses imobiliários em Porto Alegre?

Jornalismo B: Como mudar esse contexto? Como pensar essa estrutura de outra forma?

ELMAR BONES: Acho que isso não se resolve por lei, por decreto ou vontade política. Deve haver, de parte dos jornalistas, um entendimento de que eles são decisivos nessa mudança – agindo e reagindo dentro das empresas, tentando buscar alternativas fora das empresas, tentando viabilizar projetos alternativos, descobrir novos nichos, atender novas demandas –, e o próprio público leitor tem que se conscientizar de que não adianta ele ficar reclamando nos comentários das matérias. Ele vai ter que se envolver nesse processo. Ele vai ter inclusive que pagar. O leitor não quer pagar pela informação, mas se ele não pagar pela informação, alguém vai pagar e aí a informação vai ser sempre de acordo, ou no mínimo não-conflitante, com aquele que paga. Quem paga a informação hoje? Os grandes grupos, que são os grandes anunciantes.

Jornalismo B: Que projetos o JÁ está propondo nesse sentido?

ELMAR BONES: Eu tenho insistido em manter essa edição de reportagem do Já porque ela é como um laboratório para descobrir novos caminhos, novas linguagens, novas abordagens. E não se tem como descobrir isso teoricamente. Um grande jornal, como a Zero Hora, é preso às suas rotinas. Muda uma coisinha aqui, muda um pouco a diagramação, mas isso é uma perfumaria, porque o conjunto de cerceamentos e de interesses que cercam aquilo ali…a Redação é uma pequena parte em uma grande estrutura, onde o Industrial tem um peso talvez maior do que a Redação, o Comercial certamente tem um peso maior que a Redação, então o que eles podem fazer em termos de inovar, descobrir novas maneiras de fazer…por exemplo, ainda vivemos um jornalismo de declarações, vão perguntar pros caras o que aconteceu. Isso é coisa dos anos 70.

Agora, por exemplo, temos a Copa do Mundo. É um momento excepcional que o Brasil vai viver. Está todo mundo dizendo que vai ter um monte de corrupção na Copa. Os jornais tinham que ter editoriais para cobrir as obras da Copa, e editoriais das quais os jornalistas sozinhos não dão conta, tinha que ter engenheiros, arquitetos e economistas como consultores, para poder acompanhar os projetos, não ir perguntar para o cara como está o projeto. Tem que acompanhar. O edital de licitação tem que ser dissecado pelos jornais, tem que ficar uma semana falando do edital de licitação pra construção de um estádio em Manaus de um bilhão de reais. O que vai fazer um estádio de um bilhão de reais em Manaus? Pra quê?

O jornalismo está despreparado para a realidade que estamos vivendo, ele está lá atrás perguntando para os caras o que está acontecendo. O jornalismo precisa seguir o caminho pelo qual está indo a medicina: precisa ser preventivo, acompanhar desde o início.

A questão dos pedágios. É um drama há 15 anos no Rio Grande do Sul. Foi mal feito desde o começo, desde os contratos, até agora. Não sou contra pedágio, não sou contra concessão, não é isso. Eu quero saber como é esse contrato, como é essa concessão. Agora é que vai se abrir os contratos de pedágio. O governo vai ser obrigado a pagar uma brutal indenização. Mas foi assinado lá em 1996. O Flávio Koutzi, o pessoal do PT, denunciava esses contratos. Recebiam uns pés de página: “Oposição protesta”, quatro linhas. A mesma coisa é a questão da renegociação da dívida do Estado. A oposição mostrou o mal que essa dívida ia ser para o Estado. O Flávio Koutzi detalhou isso. O que ia acontecer com o problema dessa dívida, e hoje está acontecendo, consome 13%, e se somar O Proer é 15, 16% da receita líquida do Estado. E agora estão se dando conta do problema, mas isso foi denunciado lá atrás, e aí falavam que era o pessoal do atraso, o pessoal que só vai contra, e foi fechado o contrato da dívida.

E outra coisa: normalmente, quando essas coisas chegam na imprensa, não é a imprensa que vai buscar, é alguém que leva, e muitas vezes quem leva é porque tem algum interesse. E não é o interesse de moralizar. Eu tenho uma certa restrição com esse tipo de jornalismo investigativo porque ele é uma farsa na maioria dos casos. O material é levado para o jornalista por alguém interessado. Tem que publicar mesmo, mas não pode ficar nisso. Tem que agir. Mas não age porque as redações estão pequenas, o horário do jornalista é um absurdo. Com essa carga de trabalho é impossível o jornalista fazer um trabalho minimamente qualificado.

O jornal de bairro, o JÁ Bom Fim, é um fenômeno. Porque o Bom Fim é o bairro dos judeus. Hoje não é mais, mas ainda tem uma grande influência da comunidade judaica porque ela é a dona dos espaços do bairro. E o Já Bom Fim sempre teve o apoio do bairro. Sempre teve o apoio de um grupo de anunciantes. Acho que como uma comunidade pequena, e até por serem judeus, eles entendem a necessidade de terem um canal diverso, e isso é uma coisa importante. Então o Já Bom Fim é estável. Ele não se desenvolve porque um pequeno jornal de bairro não é levado a sério, não é considerado. Tu vais no governo pedir um anúncio, o cara de propõe 60% de desconto sobre a tua tabela. Quer dizer, ele te considera um picareta. E isso acontece não só comigo, com todos. Por conta disso, não se consegue profissionalizar o trabalho em um jornal de bairro, que tem uma importância extrema.

Um jornal de bairro é formador de cidadania. O cidadão pode não acreditar em mudar o mundo, mas, se ele tem informação sobre o que está acontecendo ao redor dele, ele se envolve, ele se mexe. E nós temos provas disso aqui no Bom Fim. Tínhamos reuniões com 200, 300 pessoas para discutir as coisas do bairro, porque a gente informava as pessoas. Essa informação que diz respeito diretamente às pessoas é mobilizadora. Um jornal de bairro também é formador de profissionais. Eu pego um estagiário e digo pra ele: ‘tu não usa telefone nem faz matéria com press release. Tu vai nos lugares. Se o cara te falar alguma coisa, vai lá ver’. É formador porque possibilita esse contato direto. E o repórter lida com o cara que é fonte, muitas vezes é anunciante, e que muitas vezes vai encontrar ele na rua. Então ele se liga, ele sabe que ali ele tem que fazer o trabalho dele bem feito, se não vai ser cobrado, vai ser queimado. E o jornal de bairro é gerador de emprego e renda. Porto Alegre tem 81 bairros, e onde mais tem carência de informação é nos bairros populares, é onde a população tem menos acesso a informação.

Eu levei uma vez um projeto para a prefeitura, que não era para eu fazer, era pra outra pessoa, mas montar um projeto para ter como meta em Porto Alegre em cada bairro um jornal. Chamar os profissionais que existem nos bairros, criar um programa, desenvolver, apoiar, porque isso é formador de cidadania. Não deram nem bola, porque não era de nenhum grupo político, de nenhum partido, e essas coisas são sempre vistas pelo viés de como tirar proveito político.

O poder público não reconhece os jornais de bairro, o jornalismo comunitário, como uma coisa importante. São uns chatos dos quais eles tentam se livrar. Então quando eles não reconhecem não há interesse em investir nesses jornais, e não havendo investimento não há formação de gente, não há qualificação de gente, não há nada. A maioria dos jornais de bairro são semi-indigentes, e prestam um baita de um serviço. Muitas vezes são a única fonte de informação que um comerciante tem pra falar com o seu público preferencial, que é o morador do bairro. Porque ele não vai anunciar na Zero Hora, não vai anunciar na Rádio Gaúcha, ele não tem dinheiro. Mas pode dispor de R$ 120, R$ 150, pra botar o anúncio no jornal de bairro que vai ser distribuído onde está a sua clientela. E, mesmo em tempos de internet, o melhor custo-benefício para fazer circular a informação em uma comunidade pequena é um jornal de bairro, um jornal local, com um repórter que vive ali, que conhece ali. E no jornal de bairro o repórter vai ter que ir pra rua.

Jornalismo B: Os jornalistas não estão um pouco conformados com essa estrutura?

ELMAR BONES: É que temos uma situação de grande desemprego. Aqui em Porto Alegre tu vais na esquina trombando com jornalista desempregado. O Já tá quebrado e vem dois, três por dia mandar currículo, pedir emprego. Porque não tem emprego. Tem a influência do mercado, mas tem também um interesse de que seja assim, está tudo acomodado. Precisa haver uma mudança, vai haver uma mudança, está havendo uma mudança na comunicação. Talvez ela não tenha adquirido ainda uma cara, um formato, mas está havendo. Talvez a gente esteja em um momento de transição, porque essas novas tecnologias abriram um leque muito grande de possibilidades, mas isso ainda está restrito a ações individuais, blogs. Blogs que são extremamente competentes, e trazem informação nova, e estão muito atentos, e trazem uma série de coisas importantes. Mas primeiro que ainda estão muito limitados. Segundo que o jornalismo não é uma coisa individual, é uma coisa coletiva. Podes exercê-lo e ter um grande desempenho como jornalista trabalhando individualmente, mas o jornalismo como prática social, de interesse social, é essencialmente coletivo.

Há um desgaste muito grande da ideia de grandes coletivos. A gente começou a discutir a ideia de fazer uma cooperativa. Com todo esse desgaste do Já, acabou que eu sou o único dono, o que é uma ironia se pegarmos a minha proposta inicial, que sempre foi de ter um grupo, e já foi um grupo. Mas as dificuldades foram se acelerando, da mesma forma que a Coojornal.

Com o JÁ, houve muitas manifestações de solidariedade, tentativas de apoio, e aí chegamos à ideia de que a primeira coisa a fazer seria criar uma estrutura para sustentar o Já que não fosse como uma empresa convencional. Eu trabalhei ao longo da minha carreira em vários projetos de grandes empresas, mas projetos que estavam começando: a Veja, a Folha da Manhã, a Gazeta Mercantil. E, no seu início, esses projetos se apoiam na Redação, porque é ela quem vai dar vida, sentido, força àquele empreendimento. A Redação nesses momentos iniciais tem muita liberdade, autonomia, e efetivamente gera e produz grandes coisas. Mas, no segundo momento do processo, a empresa cresce e os interesses empresariais e financeiros se sobrepõem, à custa da autonomia da Redação. Então a Redação tem que fechar o jornal de domingo na sexta-feira porque o Industrial determina.

Jornalismo B: O que se pode esperar do Já em 2012?

ELMAR BONES: Que ele fique vivo, o que não está fácil.

Íntegra da entrevista em:

http://jornalismob.com/2012/05/14/entrevista-exclusiva-com-elmar-bones-proprietario-e-editor-do-jornal-ja/

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