Eduardo Febbro: Medo e austeridade vencem as eleições na Grécia

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Os coveiros da Grécia, agora conhecidos como os partidos pró-austeridade, voltarão a ter as rédeas do país. Os conservadores da Nova Democracia, um dos partidos que, junto aos socialistas do PASOK, conduziram o país à mais profunda desesperança, ganharam as eleições legislativas com 30% dos votos. A Nova Democracia, de Antonis Samaras (foto) se impôs à força emergente da coalizão da esquerda radical Syriza, que obteve 26%. Mesmo assim, a Grécia fez do Syriza a segunda força política do país. Isso é muito, diante do jogo sujo que enfrentou. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Atenas.

por Eduardo Febbro, de Atenas, em Carta Maior

Atenas – A coalizão do euro ganhou. A Grécia restaurou nas urnas a calamitosa oferta política do passado. Os conservadores da Nova Democracia, um dos partidos que, junto aos socialistas do PASOK, conduziram o país à mais profunda desesperança, ganharam as eleições legislativas com 30% dos votos. A Nova Democracia se impôs à força emergente da coalizão da esquerda radical Syriza, que obteve 26%. O PASOK, com 13%, ficou em terceiro lugar e com amplas possibilidades de formar uma coalizão de governo com a Nova Democracia.

Assim, os coveiros da Grécia, agora conhecidos como os partidos pró-austeridade, voltarão a ter as rédeas do país. No entanto, se por um lado o Syriza não conseguiu os votos necessários para configurar uma maioria, confirmou sim, nas urnas, seu espetacular avanço : multiplicou sete vezes o seu coeficiente eleitoral desde 2009 e obteve 10 pontos a mais que nas eleições legislativas de seis de maio último (cujos resultados impossibilitaram a formação de um governo).

A Nova Democracia festejou a sua vitória na Praça Syntagma e a esquerda radical celebrou sua relativa derrota ao compasso de “Avanti Popolo”, na Praça do Metrô Universidade, distantes entre si 600 metros. “Salvamos o euro e o país de um vermelho delirante”, dizia um militante da Nova Democracia que passeava pela praça Syntagma com a bandeira azul de seu partido.

“Em seis meses voltamos com 40%, dizia, por sua vez, um militante do Syriza no ato do Metro Universidade, uma explanada presidida por uma estátuta de Atenas, Deusa da Guerra, da civilização, da sabedoria, da estratégia e das artes, entre outros atributos. Mais filosófico, Evangelos, um porteiro que trabalha à noite na zona da Syntagma, dizia: “ganharam os ladrões, como sempre tem corrido neste país há mais de 40 anos”.

A Grécia votou no domingo sob a imensa pressão exercida por seus sócios europeus e pelos meios de comunicação do Velho Continente, que fizeram uma campanha feroz e desonesta a favor do continuísmo, apresentando a eleição com os mesmos argumentos que a direita da Nova Democracia: a favor ou contra o euro. Então, o medo e a austeridade venceram. Às dez e quarenta da noite o líder do Syriza, Alexis Tsipras, reconheceu a derrota. Quando chegou à sede do partido, os abraços e a emoção eram de uma noite de vitórias.

“É uma sorte para nós. Eles vão queimar as asas e nós tomaremos o poder mais legitimados”, dizia sem rodeios um militante do Syriza. A juventude estava feliz. Pela primeira vez em muitos anos surgiu do nada uma alternativa à cumplicidade destruidora entre a direita da Nova Democracia e os socialistas. Mas também emergiu a pior versão da extrema direita, quer dizer, os neonazis do partido Aurora Dourada, que reiteraram nesta consulta o percentual de 6 de maio passado, de 7%.

A vitória do líder da Nova Democracia, Antonis Samaras, é estreita e o obriga a pactuar uma coalizão com o PASOK. Ambos os partidos começaram a negociar à noite. Os 30% da Nova Democracia equivalem a um mínimo de 75 assentos, aos quais há de se somar os 50 assentos que se outorga como prêmio ao partido mais votado. Isso representa 125 assentos e a eles podem se somar os 12% do PASOK (33 assentos), que formam uma maioria de 161 assentos num parlamento de 300. No entanto, a posição hipócrita do PASOK poderia fazer entrar em jogo a esquerda democrática do partido Dimar, que obteve 6,2% (17 assentos).

O primeiro a sair em defesa de uma solução política foi o líder do PASOK, o ex ministro de Finanças Evangelos Venizelos. “Um governo de responsabilidade nacional supõe a participação de várias forças de esquerda”, disse Venizelos, em alusão à inclusão do Syriza na coalizão.

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Esta opção é impossível: Alexis Tsipras recusa logicamente entrar num governo composto pelas formações que provocaram a hecatombe, que aprovaram os planos de austeridade e que, acima de tudo, foram eleitos para impor ainda mais austeridade. O porta-voz do Syriza, Panos Skorletis, revelou à noite que Tsipras havia falado por telefone com Antonis Samaras, para dizer-lhe que ele terá de formar um governo “sem o Syriza”.

Não deixaram muitas opções aos gregos. O liberalismo europeu lhe pôs numa encruzilhada fatal: ou o rigor ou a quebra. O paradoxo é teatral: os responsáveis pela primeira quebra deverão aprovar novas medidas que se traduzirão por mais rigor. “Angela Merkel e seus bancos nos condenaram a morrer em fogo brando e com fome ou a pagar até uma eternidade comendo migalhas”, ironizava Nikolas, um militante do Syriza.

Até onde se pode ver, as contas são uma corda no pescoço da sociedade grega. Na sexta passada venceu o prazo para o pagamento da segunda parcela do empréstimo de 130 bilhões de euros que o FMI e o Banco Central Europeu decidiram outorgar a Grécia em 8 de março passado. A Grécia tem de receber um pacote de 8 bilhões de euros sem o qual, a partir de 20 de julho, não terá mais dinheiro para pagar aos seus servidores. Os bancos também estão sem caixa. Os gregos vêm retirando seus depósitos há dois meses e os bancos deixaram de financiar as empresas. O setor privado perdeu um milhão de postos de trabalho nos últimos cinco anos.

Atenas recebeu até agora 172 bilhões de euros mediante o resgate capitaneado por Bruxelas. Mas nada melhorou. O desemprego afeta 25% da população, os bancos necessitam se recapitalizar e a sociedade existe e se move graças, em parte, à férrea solidariedade dos laços familiares.

“Faremos o que for necessário”, prometeu Samaras, à noite. Sem dúvida, será aquilo de que os bancos e a Alemanha necessitam, visto que o país exerceu uma pressão imensa para que os conservadores se mantivessem com as rédeas do poder. Um candidato “anti austeridade” como Alexis Tsipras seria um pesadelo para a Alemanha. Por isso o fizeram passar por um militante anti-euro, coisa que é totalmente falaciosa.

Angela Merkel usou a Grécia como modelo de penalização e conseguiu forçar, por meio de um golpe de medo, ameaças e intimidações e mentiras, a vitória de uma coalizão que não reflete em nada nem a voz das ruas nem situação angustiante em que se encontram as pessoas. Mas entre a nova ameaça – o Syriza – e as argúcias do velho conhecido – PASOK e ND – as urnas optaram pelos capitães de má fama. Para a esquerda do Syriza a derrota tem o sabor de um fruto doce e suculento.

Com o Syriza nasceu na Grécia e na Europa uma força potente à esquerda do socialismo de governo, clientelista e corrupto. 26% dos votos é um sonho. “Viver para sonhar, diz o refrão. Mas nós estamos vivendo o sonho na própria carne”, dizia à noite um militante do Syriza. A coalizão da esquerda radical grega não só enfrentou nas urnas os seus adversários políticos locais como a máquina liberal mais poderosa do planeta. A edição alemã do Financial Times reflete vergonhosamente a agressão que o povo grego sofreu. O Financial Times escreveu: “Gregos, resistam à demagogia de Alexis Tsipras. O país só permanecerá no euro com os partidos que respeitam os termos dos credores”. Pagar ou morrer.

Mesmo assim, a Grécia fez do Syriza a segunda força política do país. Isso é muito, diante de tanta manipulação de um jogo tão sujo. Atenas amanhecerá com a oligarquia política que levou o país à ruína, negociando um pacto de governo. A chamada “coalizão do euro” tem o destino em suas mãos. Angela Merkel e os mercados estão contentes. A esquerda também. Foi apenas uma batalha numa luta que está apenas começando.

Tradução: Katarina Peixoto

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