por dr. Rosinha e Rafael Reis, especial para o Viomundo
Diferente de outras propostas de integração regional, o Mercosul busca não apenas o “mito do livre comércio” entre os seus membros. O bloco tem sido cada vez mais um espaço de coordenação de posições políticas para uma melhor atuação na esfera internacional, buscando maior capacidade de intervenção nos processos negociadores em foros multilaterais.
A última Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul reflete isso. Primeiro, há que ressaltar um fato cada vez mais frequente. As Cúpulas de Presidentes estão deixando de ser cada vez menos do Mercosul e cada vez mais da Unasul. A capacidade de articulação política entre os Estados Partes do Merconsul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela) e os Estados Associados (Bolívia, Chile, Colômbia, Peru e Equador) é cada vez maior. Prova disso são as pequenas diferenças de texto entre o Comunicado Conjunto dos Estados Partes e o Comunicado dos Estados Partes e Associados.
Ademais, o Mercosul vem em um claro processo de expansão do número de Estados Partes. O Protocolo de Adesão da Bolívia já foi assinado em dezembro passado e as negociações técnicas para adequar o cronograma de desgravação tarifária, bem como compatibilizar as tarifas que a Bolívia possui no âmbito da Comunidade Andina com a Tarifa Externa Comum do Mercosul estão em ritmo acelerado. Há uma disposição bastante flexível por parte dos membros do Mercosul para que a Bolívia possa se integrar rapidamente ao bloco, em especial no que se refere à área comercial.
Para o país andino, sua entrada ao Mercosul é sumamente benéfica. Se tomarmos o total das exportações da Bolívia em 2012, cerca de 31% tiveram como destino o Brasil e outros 18% a Argentina (segundo dados da ALADI). A ampliação do mercado regional e a redução das tarifas para a entrada de produtos bolivianos aos países do bloco devem permitir um aumento cada vez mais expressivo nos próximos anos.
Os recentes acontecimentos na esfera internacional como a revogação e a proibição de voo do avião que transportava o Presidente Evo Morales, a questão referente ao asilo político, bem como as denúncias de espionagem norte-americana reveladas por Edward Snowden, revelam a necessidade imperiosa de reforçar as instancias de governança global.
Nesse sentido, os Presidentes do Mercosul reiteraram o compromisso com o fortalecimento do multilateralismo, com a reforma integral das Nações Unidas, em especial a do Conselho de Segurança, a fim de torná-lo mais democrático e representativo. Por outro lado, o Mercosul pretende que a Assembleia Geral, o Conselho Econômico e Social, assim como o Conselho de Direitos Humanos, instâncias tão importantes como o Conselho de Segurança, sejam fortalecidas e ganhem maior efetividade, já que nos últimos anos, as potências centrais têm buscado enfraquecer esses órgãos multilaterais.
Voltando aos recentes fatos da conjuntura internacional, é importante destacar as consequências políticas que tiveram a proibição de voo do avião presidencial da Bolívia sobre alguns países europeus.
Esse fato serviu não apenas para demonstrar a posição subserviente de países como Itália, França, Portugal e Espanha em relação aos Estados Unidos, mas também a capacidade de articulação e unidade do Mercosul quando um dos seus membros sofre algum tipo de violação na esfera internacional.
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A subserviência europeia não se limita apenas a que voos não autorizados da CIA por espaço aéreo europeu transportando suspeitos de terrorismo à prisão de Guantánamo, em clara violação do direito internacional, mas também ponha em perigo a vida de um Presidente sul-americano e seus acompanhantes, pela simples e soberbia suspeita de que este último transportava também o ex-agente da NSA Edward Snowden.
As respostas do Mercosul a essa grave ofensa, que atinge não somente o Presidente Evo Morales, mas a dignidade dos povos da América Latina foi à altura que os tempos exigem. Os Presidentes decidiram convocar consulta, de forma conjunta, aos seus embaixadores nos países europeus (que na esfera diplomática pode ser considerado uma atitude prévia à retirada dos embaixadores, ou seja, de alta repercussão).
Também decidiram citar os embaixadores de Itália, França, Portugal e Espanha que estão acreditados nos países do bloco para demandar explicações e as desculpas que correspondem ao caso. Vale a pena mencionar que neste caso, os Presidentes decidiram apoiar a denúncia apresentada pelo Estado Plurinacional da Bolívia ante o Escritório do Alto Comissionado das Nações Unidas para os Direitos Humanos pela grave violação dos direitos fundamentais do Presidente Evo Morales e seus acompanhantes.
Sem embargo, os países do Sul não estão ameaçados somente pela subserviência dos países europeus em relação aos Estados Unidos. Este último, no ímpeto imperialista de controlar as comunicações a nível mundial, inclusive de seus subalternos europeus, invade e viola o direito de privacidade de cidadãos de nossa região, com objetivos não somente de combate ao terrorismo, mas também, como já pudemos observar nas últimas guerras, de se apropriar dos recursos naturais, cada vez mais escassos.
As denúncias apresentadas pelo ex-agente da NSA Edward Snowden revelam a magnitude e intensidade com que a espionagem norte-americana era e continua sendo exercida em muitas partes do mundo. As revelações de que países da nossa região estão entre os mais espionados no mundo, além da própria constatação de que uma das principais bases de espionagem se encontrava a menos de 2 km (sede da embaixada norte-americana) da Esplanada dos Ministérios, demonstram a imperiosa necessidade de se contar com instrumentos internacionais eficazes no controle da segurança nas comunicações.
Os Presidentes do bloco destacaram a necessidade de trabalhar cada vez mais em conjunto para garantir a segurança cibernética dos Estados Partes do Mercosul, aspecto essencial para a defesa da soberania de nossos países e a privacidade dos cidadãos. Ademais, ressaltaram que a prevenção e a repressão aos crimes transnacionais são elementos que devem se enquadrar no Estado de Direito e na estrita observância ao Direito internacional. Decidiram também promover nas instâncias multilaterais a adoção de normas relativas à regulação da internet e plantear formalmente as denúncias de espionagem reveladas no Conselho de Segurança e a Assembléia Geral das Nações Unidas.
Como manifestou o Ministro Antônio Patriota, as resistências que eram encontradas nestes foros para debater e regular a internet, talvez agora, com essas ultimas revelações, passe a encontrar um maior dinamismo.
Mas nem tudo passa por debates e adoção de normas, e isso parece estar cada vez mais claro para os países da região. Acordou-se conformar um grupo de trabalho para coordenar esforços junto ao Conselho de Defesa Sul-americano e o Conselho Sul-americano de Infra-estrutura e Planejamento para priorizar os investimentos conjuntos em melhorar a nossa infra-estrutura de telecomunicações, reduzindo assim a dependência tecnológica estrangeira.
Vale destacar, nenhum país do Mercosul logrou até o momento colocar em órbita um satélite com tecnologias próprias, aqui se inclui tecnologia para o lançamento (foguetes) e construção do satélite.
As ameaças imperialistas não pairam somente sobre a espionagem. O direito ao asilo político também está sendo intimidado, com ameaças do Departamento de Estado aos países que concederam asilo a Edward Snowden e também àqueles que o ajudassem de alguma maneira, revelando a prepotência do governo norte-americano que, desmedindo seus esforços, é capaz de tudo para impedir a revelação ao público de suas intervenções em nações pelo mundo.
Em resposta a essas ameaças, os Presidentes responderam que os Estados não têm o direito de impedir aos seus cidadãos de solicitar asilo, nem tampouco de impedir a implementação deste direito. Rejeitaram assim, todo tipo de pressão, perseguição e criminalização de um Estado ou terceiros sobre a decisão soberana de qualquer nação de conceder asilo, em clara solidariedade aos governos da Bolívia, Nicarágua, e Venezuela, que ofereceram asilo a Edward Snowden.
Desta forma, os Presidentes reafirmaram o direito de asilo como direito inalienável de todo o Estado de conceder asilo, e que esse direito não deve ser nem restringido nem limitado em hipótese alguma.
Talvez estas tenham sido as decisões políticas que mais transcenderam na imprensa, mas é importante destacar também outras medidas em nível de concertação multilateral.
Uma delas é o apoio dos países do bloco à República Oriental do Uruguai na sua luta, como direito soberano, na implementação de políticas de controle do tabaco. O ex-presidente uruguaio (2005-2010), Tabaré Vázquez, como médico oncologista, enfrentou no início do seu governo as grandes indústrias multinacionais do tabaco e implementou políticas públicas na área de saúde em clara consonância com as políticas implementadas nos últimos anos no Brasil e recomendadas pela Organização Mundial da Saúde.
Após a implantação dessa política o Uruguai vem sofrendo a nível internacional grandes pressões e demandas judiciais, como por exemplo, a que a Philip Morris International iniciou junto ao CIADI/Banco Mundial (Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos) na qual demanda o Estado Uruguaio pelo valor de U$S 2 bilhões, buscando se proteger sob a guarita dos tratados bilaterais de proteção aos investimentos.
Por último, é no campo dos Direitos Humanos que a articulação entre os países do Mercosul talvez seja a mais prometedora. O Mercosul vem realizando um trabalho cada vez maior na luta pela promoção dos direitos humanos, em especial das mulheres, vinculados à violência contra a mulher, direito a saúde, sexuais e reprodutivos, e combate ao tráfico. Também em relação à busca pela memória, verdade e justiça sobre as graves violações dos direitos humanos que representaram as Ditaduras militares e o plano Condor na região.
Também na área dos direitos humanos, os países do Mercosul repudiaram a confecção de listas, certificados, avaliações nas áreas de terrorismo, narcotráfico e tráfico de pessoas que alguns países desenvolvidos realizam, partindo da suposta autoridade moral que possuem para fazê-lo, e que afetam os países da região. O que o Mercosul afirma e busca é que esses temas são complexos e possuem foros adequados a nível multilateral para serem debatidos, onde todos os países possuem a possibilidade de expor suas idéias e argumentos em pró de uma ação global na luta contra esses delitos.
Assim, a Reunião das Ministras e Altas Autoridades da Mulher e a Reunião das Altas Autoridades em Direitos Humanos vêm se tornando um espaço de promoção e articulação de políticas públicas a nível regional e também em outros níveis multilaterais, como o sistema interamericano e das Nações Unidas.
Concluindo e retomando a premissa inicial, o Mercosul representa um projeto estratégico para o Brasil e a região, não somente para aprofundar o intercâmbio comercial entre os países, mas também como um espaço de integração regional que permite conjugar esforços e soberanias em busca de maior presença nos sistemas de governança global e transformar o cenário internacional cada vez mais em um sistema multilateral.
Dr. Rosinha, Deputado-federal e ex-presidente do Parlamento do Mercosul
Rafael Reis, Secretário de Comunicação e Relações Institucionais do Parlamento do Mercosul.
Leia também:
José Luís Fiori: O “cisma do Pacífico”
Marcelo Zero e Dr. Rosinha: Aliança do Pacífico, ou do factoide
Comentários
augusto2
Tem que reforçar isso cada vez mais. E O Brasil tem que ceder.Porque pode e porque precisa.
E os outros tem que adotar medidas (nacionais) acautelatorias contra possiveis ataques futuros de grandes nacionais e multis aqui sediadas – e pela simples razao que nossos governos mais adiante podem ser muito mais americanofilos…
E isso nossos vizinhos entendem perfeitamente.
Os outros acordos multilaterais de comercio como a Transpacific Partnership que estao em ‘gestaçao’ sao criados, formatados e dirigidos exclusivamente pelas multis monopolistas. E em funçao delas.Ai do pais relativamente fraco que entrar nessa.
E isso que temos que evitar, na medida do possivel, no mercosul. E torna-lo irreversivel de modo que qualquer um estado parte pense duas vezes antes de querer sair dele.
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