Benedita da Silva: Bolsonaro quer ressuscitar a ditadura!

Tempo de leitura: 2 min
Ato Ditadura Nunca Mais, 31/03/2019, Belo Horizonte (MG). Foto: Mídia Ninja

Bolsonaro quer ressuscitar a ditadura!

por Benedita da Silva*, exclusivo para o Viomundo

O presidente Jair Bolsonaro traiu o seu juramento de respeitar a Constituição de 1988 ao determinar que os quartéis celebrassem o golpe militar de 64, que depôs o presidente João Goulart e rasgou a Constituição de 1946.

Segundo declarou o vice-presidente, general Mourão, a divulgação do vídeo fazendo apologia do golpe de 64 e da intervenção militar contra o regime democrático partiu do próprio Bolsonaro.

Mas qual o propósito de se trazer para o presente esse passado de dor e opressão, não como crítica, mas como exemplo?

O objetivo de Bolsonaro no governo não é o de governar, como já está claro nesses primeiros três meses na Presidência da República, mas o de se manter como presidente. E o seu método é o de dividir a sociedade para atrair os setores mais reacionários e obtusos, que só sabem se expressar pelo ódio contra todos e todas de que deles discordam.

Até mesmo como instrumento político de um sistema econômico que despreza o povo ele se mostrou incompetente.

Em pouco tempo vemos esse sistema se voltar contra Bolsonaro porque está preocupado com o seu projeto antipopular, destacadamente a nefasta Reforma da Previdência.

Mas se houve celebração nos quartéis, talvez mais como cumprimento de ordens do que por entusiasmo golpista, na sociedade as manifestações predominaram em repúdio ao golpe militar e em respeito à memória daqueles que foram torturados, assassinados e desaparecidos pelos por facínoras como o coronel Ustra e o delegado Fleury.

É preciso, sim, lembrar às novas gerações o que foi a ditadura militar para esse pesadelo nunca mais se repetir.

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Bolsonaro e os setores militares antidemocráticos fazem proselitismo do golpe militar porque no Brasil a ditadura não sofreu a derrota profunda que ocorreu com as ditaduras da Argentina, Uruguai e até mesmo do Chile.

Nesses países os torturadores não foram anistiados e seus mandantes, os generais ditadores, foram presos.

Se a vitória da democracia tivesse tido no Brasil essa mesma força, não haveria a menor condição para Bolsonaro espalhar suas fake news contando “maravilhas” do golpe militar de 64.

A celebração forçada do golpe de 64 saiu pela culatra. Bolsonaro não conseguiu fazer de 31 de março de 2019 um novo período de escuridão como aquele começado em 31 de março de 1964.

A única verdade do ridículo vídeo que divulgou veio embrulhada numa mentira, ao dizer que antes do golpe de 64 era um tempo em que se “prendia e matava os próprios compatriotas”. Isso de fato ocorreu, mas feito pela ditadura militar.

A sociedade está acordando para o horror da eleição de Bolsonaro. O campo democrático se amplia, se levanta em defesa da aposentadoria e reage contra o projeto homicida de Moro, que visa “prender e matar os próprios compatriotas” das favelas e periferias.

Os primeiros raios da libertação de Lula começam a clarear o horizonte da Nação.

*Benedita da Silva é deputada federal (PT/RJ).

Ato Ditadura Nunca Mais, 31/03/2019, Belo Horizonte (MG). Foto: Mídia Ninja

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Comentários

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Zé Maria

Vereador Carlos Bolsonaro (PSC=RJ) muda de ideia
e vota a favor do impeachment do Prefeito Crivella

https://twitter.com/BernardoMF/status/1113187351503798273
https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/carlos-bolsonaro-muda-de-ideia-e-apoia-impeachment-de-crivella.html

Marys

A reforma da previdência já está indo para o brejo.
A ajuda do Bozo a Bibi na campanha eleitoral de Israel deu com os burros n’água. Ridicularizado pelo mundo inteiro por sua estupidez histórica, faz retorno antecipado ao Brasil, depois de cumprir o papel programado por seu chefe Trump.

Causa espécie seu retorno de Israel antecipado
Tudo indica que Bozo irá buscar na possível invasão da Venezuela por tropas brasileiras em apoio aos neolibertadores Yankees sua salvação política.
A cassação da imunidade de Guaidó e a chegada de aviões russos à Venezuela, provavelmente levarão tropas brasileiras a exercícios de guerra na fronteira.
A pressão será total sobre Maduro.

Já aqui entre nós também tudo indica que será decretado estado de defesa, dando a autoridade a Bozo que Rodrigo Maia quer limitar.
Só assim o executivo vai governar sem Congresso e sem judiciário e, sobretudo, sem povo.
O estado de defesa limita as liberdades individuais, de imprensa e de movimento de pessoas. ( direito de ir e vir). Durante sua ocorrência, que pode durar um dia ou toda
vida, a censura pode ser instalada e quebrado o sigilo de correspondência.

Tudo isso, resquício ditatorial remanejado para a nova constituição.

Vai ser um chute no peito do congresso e do STF .
Não me surpreenderei se, nesse contexto, a transferência de Lula para um presídio de segurança máxima já não esteja sendo programada.
Afinal, dia 07 de abril está próximo e os golpistas já mostraram toda sua incompetência de governar democraticamente e dificuldade de diálogo com o povo.
Lula livre acabaria com a farra deles.

Zé Maria

O Jair Bolsonaro foi mal interpretado.
O Mito disse pra comemorar em Março
as datas alusivas aos aniversários
de Reinhard Heydrich (07) e Adolf Eichmann (19),
para reforçar ao Congresso NaZional o apoio
à Reforma da Previdência denominada pelo
Protetor Guedes de “Endlösung der Judenfrage”…

Num encontro dos principais representantes da SS no Protetorado [da Boémia e Morávia, de maioria étnica Tcheca], em 10 de outubro de 1941, novas medidas para a solução do problema judaico foram discutidas.

Sob a presidência de Heydrich e na presença de Eichmann, seu principal assessor para assuntos judaicos, o encontro definiu que aproximadamente 88 mil judeus ainda estavam vivendo no Protetorado, cerca de metade deles em Praga [na Tchecoslováquia].

Nesse estágio Heydrich ainda pensava que poderia evacuar 50 mil dos judeus mais “incômodos” do Protetorado – aqueles menos capazes de trabalhar – para Riga [na Letônia] e Minsk [na Bielorrússia].

Ele acreditava ainda que Arthur Nebe e Otto Rasch, chefes de dois dos quatro Einsatzgruppen [Grupos de Extermínio ou Esquadrões da Morte] operando no território soviético ocupado, poderiam concentrar alguns dos judeus deportados “nos campos para prisioneiros comunistas da área operacional”.

No caso de judeus que não estavam nas primeiras listas de deportação, Heydrich planejou criar guetos separados para aqueles capazes de trabalhar e aqueles dependentes de socorro (Versorgungslager).

Ele previu claramente taxas muito baixas de sobrevivência, considerando que as comunidades judaicas restantes sofreriam elevadas taxas de mortalidade antes mesmo de serem embarcadas nos trens para o Leste.

Uma semana depois, em 17 de outubro, Heydrich introduziu pela primeira vez a ideia de converter a praça forte de Theresienstadt [Fortaleza de Terezín] num ponto temporário de agrupamento e campo de trânsito para judeus deportados, exigindo que “em nenhuma circunstância deveria mesmo o menor detalhe” desse plano chegar ao conhecimento do público em geral.

Os quartéis da cidade seriam evacuados e a população civil reassentada.

Heydrich esperava confiante que a evacuação dos judeus do Protetorado para Theresienstadt acontecesse rapidamente.
Todo dia, dois ou três trens partiriam para o campo, cada um levando mil judeus deportados.

Heydrich presumia que Theresienstadt seria capaz de acomodar “confortavelmente” de 50 mil a 60 mil judeus, mas no final do ano somente 7.350 pessoas haviam sido “reassentadas” em Theresienstadt.

Com exceção dos judeus que haviam sido deportados para Łódź [cidade polonesa], só um único transporte – de Brno [na Tchecoslováquia] a Minsk – pôde ser executado com presteza.

Antes que os primeiros deportados judeus chegassem a Theresienstadt em 24 de novembro, outra ideia relativa à função futura desse gueto começara a tomar forma na mente de Heydrich.

Como Goebbels anotou em 18 de novembro de 1941, em seguida a uma reunião com ele em Berlim, o Protetor do Reich planejava consolidar Theresienstadt como um “Gueto de Velhos” para judeus alemães cuja deportação continuava a trazer “imprevistas dificuldades”.

A Conferência de Wannsee de janeiro de 1942 confirmou esse papel para Theresienstadt.

Judeus alemães e austríacos com mais de 65 anos, inválidos de guerra judeus e veteranos judeus condecorados da Primeira Guerra Mundial não seriam “evacuados” para o Leste, mas sim “transferidos” para o Gueto dos Velhos em Theresienstadt.

Essa solução resolveria o previsível problema de intervenções e objeções partidas do seio da população alemã.
Além disso, a criação de um Gueto de Velhos enganaria os internos de Theresienstadt acerca de seu destino futuro.
Os alemães ainda viam Theresienstadt apenas como um campo de trânsito do qual os prisioneiros seriam deportados para o Leste, para serem assassinados ou usados em trabalho forçado.
Na verdade, o primeiro transporte para leste de Theresienstadt partira em 9 de janeiro de 1942.

Dos quase 87 mil internos de Theresienstadt deportados para o Leste, aproximadamente 84 mil morreram antes do final da guerra.

Logo depois do início das deportações de Theresienstadt, a Política de Extermínio de judeus dos nazistas se desenvolveu mais.

Até esse ponto, assassinatos em massa de judeus, metódicos e indiscriminados, tinham ficado restritos a certas áreas geográficas, particularmente à Sérvia e aos territórios da União Soviética, onde, no final de 1941, entre 500 mil e 800 mil judeus de todas as idades e de ambos os sexos haviam sido assassinados pelos alemães e seus ajudantes locais.

Na primavera de 1942, a implementação Pan-Europeia do Holocausto começou a tomar forma.
É provável que Heydrich e Himmler tenham buscado a autorização de Hitler para uma “terceira onda” de deportações do Reich para o distrito de Lublin durante a reunião que tiveram com o Führer [o Mito] em 30 de janeiro de 1942.

Nenhum registro desse encontro sobreviveu, mas um dia apenas depois da reunião, numa carta dirigida a todas as agências da Gestapo, Adolf Eichmann anunciava que “as recentes evacuações de judeus de áreas individuais para o Leste” marcavam “o início da Solução Final da questão judaica” no Reich e no Protetorado.

íntegra:
http://almanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2014/02/Robert-Gerwarth-O-Carrasco-de-Hitler-A-Vida-de-Reinhard-Heydrich.pdf

https://pt.wikipedia.org/wiki/Solu%C3%A7%C3%A3o_final
https://pt.wikipedia.org/wiki/Adolf_Eichmann
https://pt.wikipedia.org/wiki/Reinhard_Heydrich#Papel_de_Heydrich_no_Holocausto
https://pt.wikipedia.org/wiki/Einsatzgruppen

    Zé Maria

    Nota
    Para quem não abriu o Link para buscar a Referência:
    O Excerto acima foi transcrito das páginas 384-385
    do Livro Biográfico “O Carrasco de Hitler A Vida de
    Reinhard Heydrich”, do Historiador britânico-alemão
    Robert Gerwarth, professor de História Moderna,
    Especialista em História da Europa com ênfase
    na da Alemanha, e Diretor do Centro de Estudos
    Militares da University College Dublin (UCD).

    https://www.ucd.ie/warstudies/members/robertgerwarthdirector/
    https://revistas.ufpr.br/historia/article/view/48140/32957
    http://almanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2014/02/Robert-Gerwarth-O-Carrasco-de-Hitler-A-Vida-de-Reinhard-Heydrich.pdf

    Zé Maria

    Detalhe

    No curso da Segunda Guerra Mundial,
    conforme o Exército Nazista avançava
    territorialmente, muitos traidores locais
    aderiram ao Domínio da Alemanha,
    Eram os Colaboracionistas…

    A palavra “Colaboracionismo” deriva do francês “Collaborationnisme”,
    termo atribuído a aquele que tende a auxiliar ou cooperar
    com o inimigo. Entendida como forma de traição, refere-se
    à cooperação do governo e de cidadãos de um país com as
    forças de ocupação inimiga.
    A Atitude Oposta ao colaboracionismo – a Luta contra o invasor –
    é representada historicamente pelos Movimentos de Resistência.

    Os colaboradores ou colaboracionistas muitas vezes agem visando proteção ou segurança mas também sob coação
    ou por medo.
    Em outros casos, visam obter lucros, enriquecimento e favores do inimigo.
    Frequentemente, porém, assimilam a ideologia e o
    comportamento do invasor.

    O termo foi introduzido durante a República de Vichy (1940-1944) pelo próprio Marechal Pétain [Militar Francês] que,
    em discurso radiofônico pronunciado a 30 de outubro de 1940,
    exortou os franceses a colaborar com o invasor Nazista. (*)

    Posteriormente a palavra passou a designar a atitude
    de governos de países europeus que apoiaram a ocupação
    Nazista, durante a Segunda Guerra Mundial.

    Outros exemplos de Colaboracionismo ocorreram em maior
    ou menor grau na Polônia, Estados Unidos, Bélgica, Holanda,
    Croácia, Eslováquia, Hungria e especialmente na Noruega,
    onde Vidkun Quisling governou de forma totalmente favorável aos Nazistas.
    O termo Quisling, em vários lugares da Europa, passou a ser
    sinônimo de Colaboracionista.
    Tito aplicou-o contra os Fascistas Croatas que apoiaram os
    Nazistas durante a invasão da Iugoslávia.

    Tem-se notícia também de Colaboracionismo durante a Segunda Guerra Mundial em Territórios Soviéticos,
    onde separatistas dos Países Bálticos [Estônia, Letônia e
    Lituânia] e da Ucrânia colaboraram com as tropas de
    Adolf Hitler.

    *(https://fr.wikipedia.org/wiki/Collaboration_en_France)

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Colaboracionismo

    Zé Maria

    Excerto 2 (páginas 388 e seguintes):

    Pouco antes de os assassinatos serem ampliados de forma decisiva no início de maio de 1942, Heydrich e Himmler se encontraram sete vezes em três locais diferentes no espaço de uma semana:
    os primeiros encontros ocorreram em Berlim, em 25, 26 e 27 de abril, seguidos por longas conversas em Munique, em 28 e 30 de abril, e depois em Praga, em 2 de maio, um encontro para o qual Himmler fez uma viagem especial.

    Essa série de discussões intensas foi delimitada pelas duas mais longas reuniões entre Himmler e Hitler, que ocorreram em 23 de abril e 3 de maio.

    Nenhum registro dessas reuniões sobreviveu à guerra, mas a cronologia dos acontecimentos das semanas seguintes sugere que foi durante esses encontros que Hitler, Himmler e Heydrich definiram a estrutura básica para a implementação de um programa pan-europeu de aniquilamento metódico, que devia ser cumprido de maio de 1942 em diante.

    Imperialismo Cultural

    Se a realização do projeto de germanização dos nazistas estava baseada num programa historicamente sem precedentes de avaliação racial, roubo, expulsão e assassinato, a germanização, como entendida por Heydrich, significava muito mais do que testes raciais e extermínio.

    Assassinato e reassentamento eram somente as precondições para a criação de uma utopia racialmente “purificada”, um império alemão que dominaria a Nova Europa pelos mil anos seguintes.

    Como Heydrich assinalou em meados de dezembro de 1941:
    “Enquanto sob os golpes da Alemanha e seus aliados um mundo degenerado está sendo esmagado, perecendo no caos que criou, uma Nova Ordem está surgindo por trás dos fronts de nossos soldados, uma ordem cujas estruturas já estão se tornando claramente visíveis”.

    A plena integração do Protetorado nesta Nova Ordem requeria a germanização completa da vida cultural do Protetorado e a erradicação das culturas tcheca e judaica nativas.

    Essa era a tarefa do Departamento IV do Gabinete do Protetor do Reich, um departamento concebido para coordenar e dirigir a vida cultural do Protetorado, de teatros e cinemas a programas de rádio e à imprensa.

    O objetivo do Departamento IV, sob o comando do barão dr. Karl von Gregory, era assim a doutrinação da população tcheca do Protetorado de modo a criar uma atmosfera adequadamente pró-alemã.

    Em teoria, suas iniciativas deveriam ter capacitado a administração a dominar a economia cultural do Protetorado por meio da imposição de censura e propaganda.

    Na prática, disputas entre diferentes órgãos, choques de personalidade e uma escassez crônica de pessoal fizeram com que seus programas jamais fossem coerentemente impostos e que a resistência cultural persistisse entre a população tcheca.

    Até a chegada de Heydrich a Praga, o Departamento IV havia subordinado a germanização cultural ao fluxo tranquilo de produção relacionada à guerra.

    Assim que Heydrich tomou posse, essa política mudou
    abruptamente.

    Acusando Gregory de ser incapaz de implementar um plano de germanização cultural abrangente para o Protetorado, Heydrich substituiu-o por um de seus colaboradores de confiança, o SS-Sturmbannführer Martin Paul Wolf, um ex-professor de escola secundária, e um amigo íntimo do acadêmico favorito de Heydrich em Praga, Karl Valentin Müller.

    O imperialismo cultural de Heydrich foi um ataque poderoso ao fértil mundo cultural da Praga do final dos Habsburgo e do período entre guerras, um mundo de elevada reputação internacional na literatura, música e artes.

    Antes da invasão alemã, a cidade multicultural, com suas diferentes influências alemã, judaica e tcheca, fora associada a artistas tão aclamados quanto o expressionista Oskar Kokoschka (que morou em Praga entre 1934 e 1938), o compositor Leoš Janáćek (1854-1928) e os romancistas Franz Kafka (1883-1924) e Max Brod (1884-1968), todos considerados pelos nazistas como exemplos perfeitos de arte “degenerada”.

    A liquidação da diversidade cultural de Praga foi um componente essencial da estratégia de germanização de Heydrich, uma estratégia que visava, nas palavras de Goebbels, à Verreichlichung (incorporação e adaptação ao Reich) da vida cultural no Protetorado.

    Logo depois da chegada de Heydrich a Praga, ele e Goebbels começaram a negociar a política cultural e a política de propaganda no Protetorado com o objetivo de formular uma estratégia coerente, assegurando ao mesmo tempo o direito de Heydrich a uma decisão final sobre todos os assuntos culturais no Protetorado.

    No prazo de duas semanas fora elaborado um acordo abrangente de 18 páginas, esboçando novas iniciativas para garantir total controle alemão sobre programas de rádio, cinemas e companhias de produção cinematográfica, bem como um aumento gradual dos programas em língua alemã na rádio tcheca.

    Todas essas medidas deviam ser tomadas por meio da expropriação das poucas instalações culturais que ainda permaneciam em mãos tchecas, assim como pelo fortalecimento do controle centralizado exercido pelo gabinete de Heydrich em Praga.

    Além disso, Heydrich esperava que, conduzindo os assuntos culturais e políticos exclusivamente em alemão, a língua tcheca ficasse “reduzida à esfera privada” antes de finalmente se extinguir.

    Uma de suas mais importantes tarefas no Protetorado, acreditava Heydrich, era reviver as tradições culturais alemãs que haviam sido “suprimidas” na República Tchecoslovaca “judaizada” desde sua fundação após a Grande Guerra.

    De modo a destacar a ideia da filiação histórica da Boêmia e Morávia ao Reich, ele ocultou as disputas do passado para “provar” que a região só usufruíra de paz e prosperidade quando se alinhou com a Alemanha contra as hordas bárbaras do Leste.
    […]
    Heydrich acreditava que o evento carregado de simbolismo na Catedral de São Vito “dava fim a incertezas seculares”.

    Depois de ser exposto a influências e a transferências de população tanto do mundo eslavo quanto do mundo germânico, “Venceslau, reconhecendo a necessidade histórica, havia de uma vez por todas compartilhado sua sorte com o Reich e se virado contra o Leste.

    Os rebeldes que, sob a liderança de seu irmão Boleslav, pegaram em armas contra a política de estadista de Venceslau, não conseguiram reconhecer o destino
    histórico dessa área e seu eterno envolvimento com o Reich.

    Eles derrubaram Venceslau e sua política, assassinaram o rei e tentaram fazer desse espaço um bastião contra o Ocidente”.

    Mas o destino alemão da Boêmia, Heydrich insistiu, não podia ser alterado.
    A aceitação por parte de Hácha do estabelecimento do Protetorado da Boêmia e Morávia era, portanto, “uma
    decisão no verdadeiro espírito da tradição de Venceslau”.

    Os esforços de Heydrich para reescrever a história não passaram despercebidos em Londres, onde relatórios da inteligência fizeram comentários sobre seu “argumento histórico extremamente engenhoso, pretendendo provar que a nação tcheca sempre fora mais próspera em períodos em que a influência alemã foi mais forte e que, devido à sua posição geográfica, o Protetorado não pode existir senão como parte integrante do espaço vital alemão”.
    […]
    “A tradição de Venceslau”, ele concluiu, era portanto um lembrete permanente de que “Boêmia e Morávia só serão fortes com o Reich e permanecerão para sempre fracas sem ele”.
    O mito da “punhalada nas costas” era um tema recorrente nos discursos de Heydrich.

    Repetidamente ele afirmava que o coração boêmio do Reich tinha “enfiado uma faca nas costas” da unidade alemã – uma tradição que começara com Marbod, que se recusara a participar da “guerra de libertação” de Armínio contra os romanos em 9 d.C., e que se prolongara pela Defenestração de Praga e a Guerra dos Trinta Anos no século XVII até os dias atuais, quando alguns tchecos, envolvidos em atividades ilegais de resistência, estavam tentando “atacar o Reich por trás durante sua decisiva e profética batalha contra o bolchevismo”…
    […]
    Heydrich encarava a repressão das culturas nativas, na Europa ocupada, como precondição essencial para a criação de uma florescente cultura alemã no Leste.

    Isso incluía uma política de “esterilização intelectual”, não permitindo à população local mais que uma formação profissional básica.

    Segundo Heydrich, experiência profissional e germanização cultural tinham de ser as metas do sistema educacional tcheco.

    No outono de 1941, ele ordenou que as aulas de história tcheca do colégio fossem canceladas e substituídas por aulas de alemão.

    A “política educacional” de Heydrich estava muito alinhada à visão de Himmler, expressa em maio de 1940, de que a instrução da população local nos territórios ocupados devia ser reduzida à “simples contagem até 500 no máximo, a assinar o nome e à doutrina de que é lei divina obedecer aos alemães e ser honesto, trabalhador e bom”.

    Em fevereiro de 1942, Heydrich anunciou que pretendia “bater com força” no núcleo da rede de ensino tcheca, que via como o “corpo de formação da oposição” e ameaçou reduzir drasticamente o número de escolas secundárias tchecas.

    A juventude tcheca, ele comentou rancorosamente, havia muito tempo vinha sendo mal orientada por “professores radicalmente chauvinistas”.

    A imprensa colaboracionista fazia eco ao ponto de vista de que a educação era um luxo desnecessário para a maioria da população tcheca.

    Em 1º de maio de 1942, Dia do Trabalho, o jornal České slovo, de grande tiragem, comentava:

    “O fato de termos atualmente 70 mil alunos na escola secundária é economicamente insustentável”. Os garotos em educação secundária, comentava o jornal, deviam deixar imediatamente a escola para se tornarem aprendizes e frequentar escolas profissionais em busca de treinamento.
    O objetivo dessas medidas, como observou severamente um relatório da inteligência britânica, era transformar os jovens tchecos “na raça de escravos que o sistema Herrenvolk [Governo da Raça Superior (Ariana)] exige”.

    Heydrich adotou uma linha política semelhante com relação às universidades.

    Anunciou que a Universidade Tcheca de Praga, que de acordo com o Ato Universitário de 1920 assumira o único direito legal de sucessão da antiga Universidade Charles e que fora “temporariamente” fechada depois da agitação estudantil de 1939, durante a qual nove estudantes foram baleados e 1.200 presos, jamais reabriria.

    Daí por diante, a Universidade Alemã de Praga, com 73% da equipe acadêmica constituída de membros do Partido Nazista, seria a única universidade restante em Praga.

    “A mais antiga universidade do Reich” devia, Heydrich insistiu, “não só manter um status digno de sua tradição histórica”, mas também servir como uma instituição “desbravadora” para uma nova forma acadêmica que “impregne a erudição das necessidades völkisch [Cultura da Raça (Ariana)]*” da Nova Era.

    http://almanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2014/02/Robert-Gerwarth-O-Carrasco-de-Hitler-A-Vida-de-Reinhard-Heydrich.pdf

    *[Central para a Cosmovisão Volkish era a demanda por uma espécie específica, uma raça e pessoas de acordo com sua religião.
    No entanto, de acordo com a estrutura ideológica e organizacional heterogênea do movimento, não havia convicções religiosas comuns, mas desenhos religiosos muito diferentes.
    Eles vão desde um cristianismo germanizado e arianizado até a tentativa de reviver supostamente crenças germânicas pré-cristãs.
    As comunidades religiosas volkisch eram predominantemente apoiadas pelo desejo de uma cultura nacional autóctone, não deformada por quaisquer influências estrangeiras, e pela vontade de restaurar os deuses germânicos pagãos.
    Ligava-se à busca pelos deuses locais e lendas heróicas e à mitologia germânica (de genética escandinava) e, portanto, uma apreciação dos testemunhos germânicos, como runas (caracteres originais da escrita germânica e escandinava)** e Edda (compilações de estórias relacionadas com a mitologia nórdica)***.
    Na perspectiva do cristianismo alemão,
    Cristo não era judeu, mas ariano.
    As raízes do cristianismo remontariam a uma religião primitiva (indo- germânica).
    O cristianismo seria originalmente uma religião ariana, que correspondia à natureza germânica, purificada de influências estrangeiras, preservando seu caráter ariano. (https://de.wikipedia.org/wiki/V%C3%B6lkische_Bewegung)].
    **(https://pt.wikipedia.org/wiki/Runas)
    ***(https://pt.wikipedia.org/wiki/Edda)

    Zé Maria

    O Negacionismo Histórico Como Arma Política

    Está em curso no Brasil um revisionismo histórico com base na negação e na manipulação de fatos.
    Ele é promovido por seguidores da “nova direita” e pelo próprio governo Bolsonaro.

    Por Clarissa Neher, na Deutsche Welle (DW)

    Há um revisionismo histórico, com fins políticos, em curso no Brasil.
    Ele é baseado na negação e manipulação de fatos e é promovido por integrantes do governo Jair Bolsonaro e seguidores da “nova direita”.
    Dizer que não houve golpe em 1964 e que o nazismo foi um movimento de esquerda, como afirmou o próprio presidente, são apenas alguns exemplos.

    Esses exemplos, segundo especialistas ouvidos pela DW Brasil, fazem parte de uma estratégia maior, de um movimento que busca legitimar os seus projetos políticos a partir de uma visão distorcida da historiografia acadêmica praticada por historiadores no Brasil e no mundo com base em métodos científicos.

    Promovido pelo ideólogo Olavo de Carvalho e seus seguidores, entre eles o chanceler Ernesto Araújo e o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, esse negacionismo histórico é carregado de teorias de conspiração, imprecisões e omissões.

    Manipulação da história

    O negacionismo histórico foi se espalhando por páginas conservadoras nas redes sociais.
    E, aos poucos, foi se incorporando ao discurso bolsonarista.
    Em julho de 2018, isso ficou claro quando o então candidato a presidente Bolsonaro chocou os brasileiros ao culpar os africanos pelo tráfico negreiro.

    ‘Se você for ver a história realmente, o português não pisava na África, era [sic] os próprios negros que entregavam os escravos’, disse Bolsonaro numa entrevista à TV Cultura.

    A declaração, que vai contra as pesquisas historiográficas produzidas sobre o tema nas últimas décadas, simplesmente ignora a responsabilidade de portugueses no tráfico negreiro ocorrido entre os séculos 16 e 19 e omite que o modelo de escravidão comercial que promoveu a colonização das Américas foi criado pelos europeus.

    A transformação da escravidão por europeus num negócio gerou conflitos no território africano e expandiu a prática a números gigantescos.
    Estima-se que 12,5 milhões de africanos escravizados foram traficados por europeus a partir de 1501.
    O Brasil foi o destino do maior número, 5,5 milhões.
    Destes, mais de 667 mil teriam morrido durante a viagem.
    O país foi ainda o último do continente a abolir a escravidão, em 13 de maio de 1888.

    “A História tem sido manipulada por setores desta ‘nova direita’ com o objetivo principal de legitimar os seus projetos políticos.
    O que orienta a narrativa sobre o passado que esses grupos e indivíduos produzem não é o rigor acadêmico, nem os princípios da divulgação científica, da história pública ou do ensino de História, mas um projeto político”, afirma o historiador Bruno Leal, da Universidade de Brasília.

    Esse revisionismo histórico, baseado unicamente na deturpação de fatos, teria como alvo tudo que é percebido como uma ameaça à ideologia destes grupos.
    “Esse processo de deslegitimação chega a questionar os próprios métodos científicos ou a ciência como um paradigma de explicação da sociedade.
    Temos atualmente a situação em alguns casos de discutir se a Terra é ou não redonda.
    A História é o elo mais atacado por essa extrema direita”, diz a historiadora Ynaê Lopes dos Santos, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

    O falso passado conciliador

    Para a historiadora Maria Helena Rolim Capelato, que já presidiu a Associação Nacional dos Professores Universitários de História, esse negacionismo releva posições autoritárias e preconceituosas.

    Durante este processo de produção de uma versão distorcida da História, que é vendida ao público como sem tabus e voltada para recuperar heróis nacionais que supostamente teriam sido esquecidos, os revisionistas se apegam a uma visão historiográfica do século 19 e ignoram a própria complexidade histórica.

    Com o desenvolvimento da disciplina, de acordo com historiadores, a História passou a olhar de forma crítica para personagens tradicionais, como a família real, e começou a estudar figuras que ficaram esquecidas por muito tempo.
    Neste ano, por exemplo, a escola de samba Mangueira levou para a Sapucaí algumas destas figuras, como Luísa Mahin, que articulou levantes e revoltas de escravos na região da Bahia no início do século 19.

    “A disciplina deixou de olhar somente para as grandes figuras e passou a ter uma visão da sociedade como um todo.
    Já não é mais uma história laudatória e acrítica”, argumenta o historiador Paulo Pachá, da Universidade Federal Fluminense.

    E, segundo Leal, que fundou o site Café História, são justamente essas novas perspectivas da análise do passado que incomodaram setores mais conservadores da sociedade, por produzirem efeitos no presente, como na Comissão Nacional da Verdade e nas políticas de ação afirmativa e de direitos das mulheres.

    “Para esses setores, mais vale um falso passado conciliador que a dor latente de um passado cheio de falhas que ainda deixa marcas em nosso presente. Esses grupos entenderam que a manutenção de seus privilégios historicamente construídos depende fundamentalmente do controle da narrativa sobre o passado”, destaca o historiador.

    Série de documentários

    Teses deste revisionismo foram condensadas numa série de documentários produzidos por um canal simpático à extrema direita e à linha de pensamento de Olavo de Carvalho no Youtube.
    Em seus vídeos, o grupo Brasil Paralelo alega querer apresentar uma História ‘livre de narrativas ideológicas’, porém, segundo historiadores ouvidos pela DW Brasil, faz justamente o contrário ao não mencionar as fontes de onde vieram as informações citadas pelo narrador.

    O historiador Thiago Krause, da Unirio, destaca ainda que, entre os entrevistados, não há especialistas e pesquisadores reconhecidos na área.
    “Como parte deste processo de conquista de corações e mentes, é construída uma visão de mundo extremamente hermética e sem qualquer base acadêmica”, acrescenta Krause.

    Além de apresentarem uma história baseada em narrativas do século 19, historiadores destacam que há omissões e até mesmos erros na série…

    “O processo histórico real é muito mais complexo do que o que aparece na narrativa do documentário e da nova direita em geral”, afirma Pachá, especialista em História Medieval, que analisou o interesse deste grupo por esse período no artigo: *(Por que a extrema direita brasileira ama a Idade Média europeia)*.

    Em outro episódio, a série glorifica a miscigenação, apresentada de forma simplista como uma virtude do Brasil.
    O narrador chega a afirmar que o sangue dos brasileiros seria “o tratado de paz da humanidade”.
    O mesmo vídeo trata a “cultura” como algo trazido para o país pelos portugueses.

    “Ao fazer essa visão simplista para valorizar a cultura ocidental, minimizam a importância dos africanos e indígenas, além da exploração e violência.
    Neste sentido, essa narrativa pode ser perigosa, porque está subestimando a opressão característica da sociedade brasileira que se baseou no racismo e na desigualdade”, argumenta Krause, que é especialista em História colonial.

    Santos acrescenta que a miscigenação foi fruto de uma relação de poder violenta e que precisa ser analisada historicamente de forma crítica, e não romantizada.
    “A miscigenação é a falácia da democracia racial no Brasil. Ficar apenas na parte lírica disso é negar essa história de violência e opressão.
    Os primeiros mestiços são frutos de estupros de mulheres indígenas e depois de africanas escravizadas”, ressalta a historiadora.

    Confrontação de professores

    O revisionismo tem aparentemente chamado a atenção de cada vez mais brasileiros. O canal Brasil Paralelo possuiu atualmente mais de 810 mil inscritos (foi a essa página que, em entrevista, o chanceler Araújo disse que o nazismo era de esquerda). Alimentado por discursos sobre uma suposta “doutrinação ideológica”, esse ataque ao conhecimento tem se voltado contra professores.

    “Tenho visto com muita preocupação grupos que se identificam como uma ‘nova direita’ definindo os professores e professoras em geral, mas com destaque para os de História, como um grande inimigo da sociedade.
    Para afirmar sua autoridade, esses grupos desautorizam e deslegitimam o trabalho do professor”, afirma Leal.

    O historiador vê neste processo uma tentativa de interromper o desenvolvimento de uma geração crítica e questionadora.
    “Colocar os alunos e a sociedade contra o professor é uma maneira eficiente de parar esse processo emancipador”, acrescenta.

    Além da desvalorização de profissionais da educação, esse revisionismo histórico impede o debate e inibe o conhecimento baseado em metodologias científicas.
    Krause afirma que essa deslegitimação do saber também serve para a consolidação da extrema direita no país.

    https://www.dw.com/pt-br/o-negacionismo-hist%C3%B3rico-como-arma-pol%C3%ADtica/a-48060402

    *POR QUE A EXTREMA DIREITA BRASILEIRA
    AMA A IDADE MÉDIA EUROPÉIA

    No Brasil de Jair Bolsonaro, o novo governo e os grupos de extrema direita estão propagandeando uma versão fictícia da Idade Média européia para legitimar sua agenda reacionária.

    Por Paulo Pachá, na Pacific Standard Magazine (PSMag)

    No dia da posse de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil, Filipe Martins, um blogueiro político próximo à família Bolsonaro, twittou sua celebração pessoal da vitória de Bolsonaro: ” A Nova Ordem está aqui. Tudo é nosso! Deus vult! ”

    Os observadores seriam perdoados por se perguntarem por que “Deus vult” – Latim para “Deus deseja”, um grito de guerra medieval associado à Primeira Cruzada – está reaparecendo no Brasil do século 21. Nos últimos anos, a linha “Deus Vult” foi apropriada pela extrema direita na Europa e nos Estados Unidos, e agora se tornou um slogan para a extrema direita no Brasil. Na verdade, Martins já havia vinculado explicitamente esse grito de guerra às Cruzadas quando ele twittou no dia do segundo turno das eleições: ‘A nova Cruzada é decretada. Deus vult!’
    Em 3 de janeiro, Bolsonaro nomeou Martins como assessor especial presidencial para assuntos internacionais.

    No Brasil de Bolsonaro, o novo governo e grupos de extrema direita estão propagandeando uma versão fictícia da Idade Média européia, insistindo que o período era uniformemente branco, patriarcal e cristão.

    Este revisionismo reacionário apresenta o Brasil como a maior conquista de Portugal, enfatizando uma continuidade histórica que molda os brasileiros brancos como verdadeiros herdeiros da Europa.

    Desta forma, através de uma visão genética da história, a extrema direita enquadra a história brasileira como essencialmente ligada ao próprio passado medieval imaginariamente puro de Portugal.

    A maneira mais comum de expressar essa associação é proclamar a chamada tradição judaico-cristã como o principal pilar da cultura brasileira. Tal retórica serve para indicar que o Brasil é uma nação cristã e, como resultado, é uma orgulhosa parte da civilização ocidental. O estado brasileiro vem impulsionando essa narrativa histórica desde o século XIX. Portanto, afirmar as ligações identitárias do Brasil com a Idade Média européia é também afirmar um conjunto de projetos políticos conservadores antigos e muito específicos.

    Em seu discurso de posse, Bolsonaro prometeu ‘unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã, opor-se à ideologia de gênero e preservar nossos valores’. Sua referência à suposta “tradição cristã” do Brasil foi similarmente um marco de seus discursos durante a campanha. Em setembro passado, durante um comício de campanha em Campina Grande, Bolsonaro disse a seus partidários: “Dado que somos uma nação cristã, Deus acima de tudo!” (Mais tarde, no mesmo discurso, ele acrescentou: ‘Nada mais desse conto do estado secular! É um estado cristão’.) Finalmente, o slogan de Campanha de Bolsonaro era ‘o Brasil acima de todos, Deus acima de tudo’ – um toque religioso nazista. slogan Deutschland über alles .

    A centralidade dessa ideia sobre uma “tradição judaico-cristã” é generalizada entre os grupos de extrema direita brasileiros. Kim Kataguiri, líder do Movimento Brasil Livre [MBL], eleito representante do Congresso em 2018, destacou a mesma ideia durante uma entrevista de 2017, dizendo a um entrevistador: ‘Em nossos vídeos [MBL], falamos sobre os pilares da civilização ocidental, que são a filosofia grega, o direito romano e a religiosidade judaico-cristã’.

    Essas ideias têm força social entre os eleitores de direita e a população em geral no Brasil. Um documentário de 2017 chamado Brazil: The Last Crusade foi produzido e lançado no YouTube pela organização de extrema direita Brasil Paralelo (“Parallel Brazil”), um canal com mais de 700.000 assinantes; o documentário agora tem mais de 1,5 milhões de visualizações. O primeiro episódio, “A Cruz e a Espada”, apresenta uma breve história da civilização ocidental na Idade Média. Repleto de islamofobia, o episódio centra-se na conquista árabe da Península Ibérica e nas Cruzadas, destacando o papel dos Cavaleiros Templários na história europeia e portuguesa, incluindo a chamada Reconquista.e a expansão no exterior. Os cineastas enfatizam como a conquista portuguesa e o domínio colonial estabeleceram a herança européia como a essência mais profunda do Brasil, ligando a nação futura ao legado da Idade Média européia.

    De fato, a ideia da civilização ocidental é uma construção política recente, destinada a legitimar processos políticos e históricos específicos, o imperialismo e o colonialismo entre eles. Ao retratar a Idade Média européia como o verdadeiro passado da nação, a extrema-direita branquela sua própria história e a crueldade de sua prática política, especialmente (mas não apenas) a persistência de racismo ativo, misoginia, homofobia e intolerância religiosa. .

    O racismo é um elemento estrutural da sociedade brasileira. O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão em 1888. Em 2017, 70% de todos os assassinatos no Brasil vitimizaram os afro-brasileiros . Mais de 60% dos presos no Brasil são negros . Da mesma forma, a violência de gênero e a misoginia são fatos centrais da vida brasileira: o Brasil é o quinto país mais perigoso do mundo em mortes violentas de mulheres . Além disso, o Brasil é uma das nações mais perigosas para as pessoas LGBT, com dezenas de assassinatos homofóbicos registrados a cada ano . Finalmente, a intolerância religiosa tem aumentado nas últimas décadas. A maioria da população brasileira se identifica como cristã (principalmente católica e evangélica), mas existe uma imensa diversidade na prática espiritual. Os adeptos das religiões afro-brasileiras são os principais alvos dos atos de intolerância.

    Nesse contexto, o Brasil oferece um terreno fértil para uma versão imaginada da Idade Média européia que a extrema direita apresenta como branca, patriarcal e cristã . Ao enfatizar a relação entre o Brasil e Portugal, a extrema direita apaga a importância dos povos indígenas e africanos na história do Brasil e ignora suas contribuições sociais, culturais e econômicas. Neste passado imaginário, Portugal não é enquadrado como uma potência colonial distante, mas como a “pátria mãe” que deu aos brasileiros uma língua e cultura europeias. Gilberto Freyre notoriamente desenvolveu o mito de uma democracia racial no Brasil: a coexistência pacífica das “três raças”. Na versão de extrema-direita da história, estamos de volta a uma visão ante-freiriana: um passado limpo e branco para o Brasil.

    No entanto, o objetivo dos demagogos que se apropriam da Idade Média européia dessa maneira não é apenas reconstruir o passado. Como os historiadores sabem, o presente e o passado estão ligados; reescrever a história do Brasil também é pressionar por um projeto específico para o futuro. Como disse Bolsonaro durante sua campanha em Campina Grande: ” Vamos construir um Brasil para as maiorias! Minorias devem se curvar para as maiorias! A lei deve existir para defender maiorias! Minorias devem se adaptar ou simplesmente desaparecer! ”

    A plataforma política de Bolsonaro é construir um país em que o cristianismo conservador desfrute de um domínio incontestado, a família patriarcal seja a sede do autoritarismo doméstico e o racismo, a homofobia, a misoginia e a intolerância religiosa estejam codificados na vida cotidiana. Cumprindo suas promessas de campanha, o governo Bolsonaro já encerrou importantes políticas públicas que ofereciam proteções a grupos marginalizados . A melhor maneira de descrever o governo de Bolsonaro é como uma reação reacionária: uma reação conservadora agressiva aos modestos passos progressivos que o Brasil adotou nas últimas décadas.

    Examinando quão importante é a idéia de uma Idade Média européia pura e branca para a extrema direita brasileira, podemos vislumbrar os princípios fundamentais que guiarão este governo e o movimento social mais amplo que lhe dá força. Nesse sentido, é importante ressaltar que a extrema direita brasileira (incluindo o governo Bolsonaro) não quer “tornar o Brasil medieval de novo”, mas sim evocar um conjunto de idéias sobre a Idade Média européia como um passado idealizado elementos para a construção de um futuro nobre.

    O armamento da Idade Média pela extrema direita é um problema global, com surtos específicos nos EUA e na Europa Ocidental. Futuros cruzados brasileiros sabem disso. Paul Joseph Watson, de extrema-direita inglesa, entrevistou Martins logo após a vitória de Bolsonaro no primeiro turno das eleições. Da mesma forma, em 2018, tanto Martins quanto Eduardo Bolsonaro, o filho do presidente, estavam em contato com o organizador americano de extrema-direita Steve Bannon . Eduardo Bolsonaro chegou a se gabar de que ele e Bannon estavam unindo forças “contra o marxismo cultural”.

    Há trabalho a ser feito no Brasil, mas também em todo o mundo acadêmico. No ensino e na erudição, os medievalistas devem se opor à extrema direita e dispensar esses mitos . A nova Idade Média “global”, baseada em olhar para além da Europa Ocidental e abraçar as verdadeiras complexidades de um mundo multiétnico e polireligioso, com sujeitos ativos de diversos gêneros, terá que assumir a supremacia branca global.

    Paulo Pachá é professor assistente de história medieval na Universidade Federal Fluminense no Brasil.

    Original em inglês: https://psmag.com/ideas/why-the-brazilian-far-right-is-obsessed-with-the-crusades

Zé Maria

Jair Bolsonaro quer recuperar o apoio
de uma base social frágil, que o elegeu
e que agora está se esfarelando no País.

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