Obama não leu Roosevelt
Luiz Gonzaga Belluzzo, na CartaCapital
14 de março de 2011 às 9:07h
Só se deve ter “medo do próprio medo”, ensinava o presidente do New Deal
Eleito sob a esperança de mudança (chance, change), Barack Obama governa sob o signo do medo e da omissão. Imobilizado diante da fúria conservadora, o presidente dobrou os joelhos e aceitou ignorar o discurso inaugural de Franklin D. Roosevelt, em 1933, que conclamou o povo americano, então atormentado por um desemprego de 23%, a só “ter medo do próprio medo”.
Os medos de Obama o aconselharam a propor soluções de pé quebrado para as questões que afligem a maioria da sociedade americana. Entre tantos problemas, na linha de frente figuram a regulamentação dos mercados financeiros, o tratamento dos 11 milhões de mutuários afogados em dívidas hipotecárias que ultrapassam o valor dos imóveis adquiridos, os métodos violentos utilizados pelos credores para recuperar as casas e, finalmente, a batata quente do déficit fiscal e da dívida pública do governo federal, dos estados e dos municípios.
Em entrevista concedida ao jornal inglês The Independent, o ator Matt Damon disparou contra o presidente: “Acho que ele está completamente submetido a Wall Street. A economia tem problemas enormes. Ainda temos os bancos que são grandes demais para falir. Eles estão ainda maiores e fazendo mais dinheiro do que nunca. Desemprego a 10%? É terrível”.
Damon, vencedor do Oscar de 2011 e ativista liberal, empenhou seu prestígio hollywoodiano na campanha presidencial de Obama. Não foram poucas as personalidades que entraram de corpo e alma no movimento que alçou o senador por Michigan à Presidência dos Estados Unidos da América. Estão quase todos tão decepcionados quanto os devedores desempregados, expulsos de suas casas, e obrigados a dormir, comer e sobreviver nos automóveis que escaparam à sanha recuperadora dos banqueiros.
É ingênuo imaginar que as omissões e recuos de Obama são apenas produto de uma personalidade frágil. A explicação é fácil demais para ser verdadeira. As vacilações do presidente exprimem, na verdade, o enfraquecimento das bases sociais do Partido Democrata. A desindustrialização promovida pela “deslocalização” da grande empresa suscitou não só a destruição em massa dos empregos nas fábricas, como também reduziu as oportunidades de ocupação nos serviços ligados ao dinamismo industrial. Aumentou o número de empregados precários em serviços de baixa remuneração. A queda dos rendimentos dos 90% inferiores da escala de distribuição de renda nos últimos 30 anos – o que inclui o declínio da classe média americana – não é novidade para ninguém. A desorientação do Partido Democrata não é um fenômeno recente. Há que lembrar o papel de Bill Clinton e de seus colaboradores, Lawrence Summers e Thimoty Geithner, na “batalha” pela desregulamentação financeira que culminou, em 1999, com a promulgação da Lei Gramm-Leach-Bliley. A lei abriu as porteiras para as façanhas dos espertalhões e sabidos do mercado financeiro, legitimados pelo esoterismo de modelos pseudocientíficos de precificação de riscos, sob o manto protetor das agências de avaliação da qualidade dos ativos.
A perda de substância programática do Partido Democrata deu azo à crescente agressividade dos conservadores, que, entre outras peripécias, se sentiram encorajados a aumentar os decibéis da gritaria contra os déficits e a dívida pública. Déficits e dívida gerados em grande medida, diga-se, pelo socorro do governo aos financiadores das campanhas eleitorais de muitos congressistas.
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Enquanto clama contra os gastos do governo, a bancada republicana, majoritária, enfiou goela abaixo do presidente a manutenção do presente tributário aos ricos, prorrogando o mimo concedido por George W. Bush aos endinheirados. Mas, na sociedade encantada pelos mitos da “utopia realizada” e “da terra das oportunidades”, o aumento indecente da desigualdade e a prática desavergonhada do favorecimento aos ricos e às grandes empresas e bancos explodem na cara dos descarados.
Os movimentos de reação ao tratamento desigual e à supressão de direitos, que começaram com as manifestações dos funcionários públicos de Wisconsin, estão a se disseminar por outros estados. A eles se juntam os protestos dos cidadãos americanos expulsos de suas casas pela truculência dos credores, amparados numa lei de falência que os favorece. Multiplicam-se os grupos dispostos a defender os prejudicados, o que ensejou uma proclamação de promotores (Attorneys Generals) que exigem condições mais equânimes na negociação entre credores e devedores.
O cineasta Michael Moore arengou no dia 5 de março para os revoltosos de Wisconsin: “Os Estados Unidos não estão quebrados. O país- está inundado de dinheiro. O problema é que a grana não está no bolso de vocês. Ela foi transferida, no maior assalto da história, dos bolsos dos trabalhadores e consumidores para os bancos e para os portfólios dos super-ricos. Hoje, apenas 400 americanos possuem mais riqueza do que a soma do que é possuído por metade da população”. Strike!
PS do Viomundo: O professor cometeu um pequeno engano. Obama é de Illinois, não de Michigan, mas é tudo ali pertinho.
Paul Krugman diz que os Estados Unidos estão produzindo outro Inside Job. Leia aqui
Comentários
O futuro incerto de Barack Obama | Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] liberal, trabalhista do Partido Democrata corre sério risco de extinção. O professor Belluzzo, em artigo publicado pela CartaCapital, tocou no ponto central: a base dos democratas foi “exportada” junto com os empregos […]
Mario Augusto
Se a Dilma não se acertar , ela vira um Obama…. Depois de beijar o Otavinho e convidar FHC para almoçar, sei não
Francisco
Os governantes podem escolher dois caminhos: a aposentadoria ou a história. Esperava-se de Obama que optasse pela história. Não o fez. Depois do mandato, será mais um cacique dos democratas. Se optasse pela história, inflamava o povo, que já estava em ponto de combustão, e "caia dentro". Os Repúblicanos estão ficando cada dia mais parecidos com a ARENA (que os incautos chamam de DEMO). No que retornarem ao poder , não saem tão cedo. Só vão pular do barco quando a agua já estiver nas escotilhas.
Que bom!
Carlos Cruz
Obama é o que restou a DEMO(tucana)cracia estaduniense, com toda sua empafia e mentiras. Republicanos e democratas são iguais, agora suas mascaras caem e se revelam. Foi apenas mudança dos móveis de lugar, em sua essencia igual a Nixon, Ford, Regan, Clinton e aos Bushs (pai e filho). Navega no mesmo, a destruição dos movimentos sociais e o lucro facil, haja o que houver e da maneira que for necessária sua busca insana pelo lucro. A América Latina já sentiu o chicote estaduniense, 30 anos de ditaduras sanguinarias, corrupção, torturas, massacres, miséria. Os EEUUA hoje parecem navegar sem rumo, voltados a seu proprio umbigo, com políticas economicas destrutivas, facistas. Sua sociedade está paralizada, inerte, sem acreditar no que acontece, vendo que suas instituiçoes envelheceram e apodreceram, corrompidas com o dinheiro facil de Wall Street e dos grandes/megas endieirados. Parecem DEMOS e TUCANOS brigando pelo mesmo, com promessas vazias, demagogicas.
Roberto
Como bom tucano o Beluzzo é bom de teoria, mas muito ruim de prática. Falar é fácil, né Beluzzo? Olha só como voce deixou nosso Palmeiras!
ebrantino
a) ninguem me encomendou a defesa do Beluzzo, porem Beluzzo não é tucano, e nunca foi, e é um dos economistas mais comprometidos com o bem do Brasil, inimigo do tal consenso de Washington; b), uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa, sou Internacional, e não morro de amores pelo verdão, que costuma apanhar dos dois de Porto Alegre, mas o Dr. Beluzzo faz tempo nao joga futebol; aliás, nem o Corintians que tem como Presidente de Honra o Lula, consegue grande coisa. O filosofo já disse – futebol se ganha, se perde ou se empata, se o verdão perde mais, fazer o que? Ebrantino
ZePovinho
Esse Gozaga Belluzo não sabe de nada.Precisa tomar umas aulas com a Carmem Leporina para ver se toma rumo na vida.
Como somos abençoados por ter a Carmem Leporina,esse gênio que nos faz a graça de vir aqui ensinar o pai nosso!!!
yacov
O OBAMA tinha que entrar descendo o Big Stick no sistema financeiro, e não tapando seus buracos com os dólares dos contribuintes. Deu mole para os carcamanos, agora aguenta a mão, porque eles vem para cima querendo mais. São um verdadeiro saco-sem-fundo. Resta saber se o povo americano vai continuar vivendo com a cabeça na ilha da fantasia do sonhbo americano, e vai concordar com isso, ou vai chutar o pau-da-barraca e exigir o fim desta esbórnia, como acontece nas Arábias…
"O BRASIL PARA TODOS não passa na glObo – O que passa na gLOBo é um braZil para TOLOS"
Heitor Rodrigues
Foi-se o tempo em que o poder militar-financeiro dos EUA respeitava o cidadão norte-americano. A pilhagem arrombou a porta das casas da classe média e botou todo mundo na rua. Obama mostrou que seu carisma era apenas maquiagem. Está longe de ser um estadista. Talvez o Nobel ganho sem ter feito nada, tenha levado o "cara" a acreditar que seria fácil submeter Wall Street e o Departamento de Defesa aos interesses de seus eleitores. Pelo visto, o buraco é mais embaixo.
beattrice
O que ocorreu com Obama é um alerta e um sinal.
Os governos se tornaram pouco a pouco reféns das corporações e dos grandes conglomerados financeiros, que apostam nos dois ou três candidatos potencialmente vencedores como se rolassem os dados da vida alheia.
De fato é o que fazem, e quando um deles ganha "por una cabeza" ou um pouco mais, pouco importa.
De fato o que importa é que os tais conglomerados "cobriram as bases" e cobram a fatura, seja quem for que esteja no poder quando a festa terminar.
A única chance da sociedade é a mobilização constante, a disputa incessante.
Fora isso, como dizia o poeta, só resta tocar um tango argentino.
FrancoAtirador
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Tens completa razão.
Os EUA, por tradição política herdada da Inglaterra, nunca foram lá muito estatizantes, mas houve períodos históricos em que a atuação do Estado lá foi preponderante.
Agora, nas últimas décadas, depois de um Reagan, de um Bush pai e de um Bush Filho, entremeados com um Bill Clinton, nem que o Mao fosse presidente dos EUA resolveria o problema deles.
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E isto não se resume aos EUA, a Margareth Tatcher, só para dar outro exemplo, destruiu o Estado e, portanto, a governabilidade na Inglaterra e com esta o partido trabalhista inglês.
Casos similares ocorreram em outros países da Europa e se estenderam por quase todo ocidente.
O NEOLIBERALISMO FAZ COM QUE QUALQUER ESTADO SE AUTODESTRUA.
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SILOÉ
O que impede o Obama de se posicionar é o complexo de inferioridade e a falta de apoio mais efetivo por causa da cor.
Se os americanos devedores de hipotecas se juntassem e todos ao mesmo tempo devolvessem suas casas e fossem acampar em barracas nas praças com suas familias, além de comoverem e envolverem seus pares e ativistas iriam envergonhar as elites americanas diante do mundo.
Só assim o orgulho americano falaria mais alto e pressionaria os bancos à uma negociação mais justa junto à classe média americana.
ebrantino
N A D A a ver; cor não tem nada a ver, assim como a ausencia de curso superior nada tem a ver, e como o fato de usar saias, a ver não tem nada. O que tem a ver é carater, e a vontade de cumprir o dever. Para isso, pode ser branco, preto ou cor de rosa – quem tem carater, tem. Quem não tem … Ebrantino
Afonso
Voltamos ao tempo de jack London.
Alexei
A direitização do Obama tem relação com a falta de uma oposição à sua esquerda
Paul Krugman: Outro Inside Job | Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] Leia aqui o artigo do professor Belluzzo: Obama não leu Roosevelt […]
MA_Jorge
A bem da verdade, Obama é na verdade, o presidente "boi de piranha" que os republicanos endinheirados de Wall Street "deixaram" ganhar. Pior ainda para ele e após a derrota democrata de Nov. 2010, juntou-se ainda o problema árabe atual para "amarrar" suas mãos e, indiretamente, apresentar-se à toda nação como o mais incompetenteo presidente, democrata, é claro.
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