O bairro operário 23 de Enero, atrás do Palácio de Miraflores, é um bastião de defesa do chavismo. Dizem na Venezuela que quem “controla” ideologicamente o bairro governa o país. (foto Luiz Carlos Azenha)
A hora e a vez de Hugo Chávez
Agora que Chávez não existe mais, o que permanece é o chavismo. Até então, o oposicionismo venezuelano enfrentava um líder carismático de carne e osso. A partir de agora, enfrentará uma lenda. A análise é de Antonio Lassance
Antonio Lassance*, na Carta Maior
A morte do presidente Hugo Chávez, na Venezuela, será chorada por muitos e comemorada por poucos. Neste momento em que grande parte da mídia internacional dedica seu tempo a falar mal do líder morto e torce para que ele permaneça a sete palmos debaixo do chão, seria bem melhor tentar entender Chávez enquanto figura política.
O fenômeno político que na Venezuela era conhecido pelo nome de Hugo Chávez transcende aquele país, na medida em que nos traz à lembrança uma série de questões de primeira ordem para a compreensão da relação que o povo estabelece com a política. Por exemplo, os fenômenos em que a liderança política encarna um processo de ascensão popular que caracteriza o que pode ser chamado de democracia plebiscitária.
Chávez suscita ainda questões como a do papel da liderança carismática, na qual a supremacia de uma orientação política é calcada no heroísmo e no sacrifício — como fez Vargas, no Brasil.
Chávez mostrou, de forma categórica, o quanto o nacionalismo permanece como a grande ideologia política de nosso tempo — como fez Allende, no Chile. Sua alcunha de “comandante” e sua patente de tenente-coronel eram a prova incontestável da forte presença dos militares na política latino-americana e de sua propensão bonapartista, ou seja, de se firmar acima de tudo e de todos como solução política dramática e enérgica, em momentos de crise profunda e de desgaste da política tradicional — assim como fez Perón, na Argentina.
Indo ainda mais longe, cai como uma luva, pelo desfecho trágico da trajetória de Chávez e pela comoção que se avoluma na Venezuela, a comparação com Júlio César — o romano e o shakespeariano. O cesarismo é, para Chávez, uma analogia perfeita para entender o que este presidente foi para a Venezuela e o que pode esse país tornar-se após essa morte.
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O cesarismo de Chávez se afirmou em três dimensões.
[Clique aqui para ver uma série que eu, Azenha, gravei na Venezuela]
Assim como César, Chávez foi responsável pela dissolução da política aristocrática e pela popularização do poder, no sentido de que a sorte dos governantes passava a depender não de instituições sólidas e regras rígidas do jogo político; não de coalizões claramente organizadas em partidos; não mais de disputas com resultados previsíveis.
Com Chávez, a política passava a extrair seus resultados do poder de mobilização popular de seu líder. O azar da oposição venezuelana foi jamais ter produzido alguém minimamente capaz de disputar com Chávez de igual para igual. Essa medíocre oposição jamais conseguiu produzir um líder popular com a gama de atributos ostentada por Chávez.
O segundo aspecto é a visão heróica e grandiosa do poder. O bolivarianismo de Chávez e sua retórica latino-americanista eram bem mais que retórica. Eram a intenção verdadeira de encarnar um projeto de afirmação regional daquele país e a busca por um protagonismo continental que a Venezuela vez por outra acalentou, desde Simon Bolívar.
A rivalidade chavista aguçava as diplomacias continentais, favoráveis ou contrárias ao seu projeto de Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba). Chávez foi muitas vezes um espantalho, aparentemente inofensivo em seu poder de fogo, mas bastante eficiente em sua tarefa de atiçar os adversários com seu sul-americanismo antiamericano. Diante do espantalho, os que a ele faziam oposição caíram no erro de se comportar exatamente como corvos.
O terceiro aspecto é o do destino trágico. A morte de César foi aguardada e comemorada pelos que supunham que seu desaparecimento levaria junto, pra o túmulo, a pessoa e o que ela representava. Mas, assim como na tragédia romana, o destino da Venezuela passa a estar umbilicalmente ligado aos desdobramentos do chavismo. Agora que Chávez não existe mais, o que permanece é o chavismo, como Gilberto Maringoni antecipou recentemente em artigo na Carta Maior.
O velório de Chávez é, no mínimo, o primeiro comício da campanha presidencial venezuelana. A depender do desenrolar dos fatos, pode ser o primeiro ato da institucionalização de um novo regime, erigido à sombra de sua liderança sacralizada. Até então, o oposicionismo venezuelano enfrentava um líder carismático de carne e osso. A partir de agora, enfrentará uma lenda.
*Antonio Lassance é cientista político e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente opiniões do Ipea.
Ariana Cubillos, da AP: Os deserdados não choram por acaso
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Comentários
Lula, no NY Times: “Se uma figura pública morre sem deixar ideais, seu legado chega ao fim” « Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] Antonio Lassance: A hora e a vez de Hugo Chávez […]
Valério
Mahmoud Ahmadinejad, o facinoroso islâmico que governa o Irã, estava afinado com o espírito católico. Deu a seguinte declaração sobre a morte do lider bolivariano:
“A Venezuela perdeu um filho forte e corajoso, e o mundo perdeu um líder revolucionário e sábio. Não tenho dúvidas de que voltará, junto com o virtuoso Jesus e o Homem perfeito”.
Uau!! Mahmoud se converteu!
Willian
Para o islã Jesus era um profeta.
Sidnei Santos Silveira
O que eles não querem que você saiba
“[o juiz] deu como exemplo um caso no qual está envolvido um ex-adido militar venezuelano no Brasil, o tenente-coronel Pedro José Maggino Belicchi. Segundo o juiz-delator, Maggino Belicchi integra a rede militar que há anos utiliza quartéis da IVª Divisão Blindada do Exército da Venezuela como bases logísticas para transporte de pasta-base e de cocaína exportadas por facções da Farc, a narcoguerrilha colombiana. O tenente-coronel foi preso em flagrante no dia 16 de novembro de 2005, com outros militares, transportando 2,2 toneladas de cocaína em um caminhão do Exército (placa EJ-746).
Na presidência da Suprema Corte, o juiz Aponte Aponte diz ter recebido e atendido aos apelos da Presidência da República, do Ministério da Defesa e do organismo venezuelano de repressão a drogas para liberar Magino Belicchi e os demais militares envolvidos. Faz parte da rotina judicial venezuelana, ele contou na entrevista à televisão da Costa Rica.
O general Henry de Jesus Rangel Silva, citado pelo juiz-delator, comandou a Quarta Divisão Blindada, uma das unidades mais importantes do Exército venezuelano. Desde 2008, ele figura na lista oficial de narcotraficantes vinculados às Farc colombianas e cujos bens e contas bancárias estão interditados pelo governo dos Estados Unidos. Em janeiro, o presidente Hugo Chávez decidiu condecorá-lo em público e promovê-lo ao cargo de ministro da Defesa. “Rangel Silva é atacado”, justificou Chávez em discurso.
(…)”
A.J.Chaves
Chávez transformou a Venezuela no país da monocultura do petróleo. Enquanto ele for uma matriz energética — e será ainda muito tempo —, é evidente que o país contará com dinheiro para manter as políticas atuais. Essas políticas não são um mal em si, pelo contrário. Mas para que futuro apontam quando se tornam um fim em si mesmas?
Apontam para o desastre. Chávez acabou com o que havia de agricultura de ponta na Venezuela, por exemplo. O país não produz mais comida.
Expropriou empresas estrangeiras, espantou o capital privado e transformou milhões de venezuelanos em estado-dependentes.
Sem a diversificação da economia — impossível no regime bolivariano —, assim continuarão. O petróleo responde por 50% das receitas do governo e constitui quase 100% da receita de exportação. Nas palavras do economista venezuelano Moisés Naim ao Wall Street Journal: “Nunca um líder latino-americano perdeu tanto dinheiro, gastou tão mal os recursos e usou de maneira tão incorreta o poder que lhe foi dado”.
Bernardino
FAÇO minhas as palavras do excelente FRANCO ATIRADOR.o Grande Hugo CHAVES foi pioneiro desta nova geraçao na defesa do continente e do seu país,depois dele vieram os outros inclusive o sr LULA que a meu ver nao tem 1% da coragem e determinaçao de Chaves.Ele confrontou o LEAO de Chacara Imperiallista com palavras e atos toda esquerda intelectual latino americana so o faziam com palavras e nao com atos,Fica o exemploi do GIGANTE estadista que perfilará com BOLIVAR,Peron,VARGAS,Fidel,Guevara e KICHNER na defesa de suas patrias e do continente sul americano
Só os que lutam pela vida e pelo seu povo merecem ser lembrados e jamais serao esquecidos.Quero registrar que o programa habitaciona Venezuelano doava casas populares de boa qualidade e pasmem com eletrodomesticos para as pessoas simples sem gastar um TUSTA de melhor exito que essa minha casa mimha VIDA que se transformou em negociata de pequenos construtores,mas isso é outra conversa.Fiquemos com a Lembrança do Guerreiro e patriota Pres HUGO CHAVES
Paulo Filho
Se tivessemos tido um Chavez no Brasil jamais Collor, Sarney, Renan, Maluf e muitas outras centenas de ladrões descarados teriam o espaço no governo que têm. Jamais.
Fabio Passos
Viva Hugo Chavez! Viva para sempre!
Stedile: O povo da América Latina perde um construtor de ideais; nos fará falta « Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] Antonio Lassance: A hora e a vez de Hugo Chávez […]
Julio Silveira
O Chaves foi um exemplo de lider para a esquerda latino americana que soube explorar como ninguem o chamado pragmatismo. Mas o fez com propriedade e inteligência, detectada por seus adversários. Diferente de seus aprendizes brasileiros que utilizam o termo, mais para justicar semelhanças com a direita, do que, como fez o Chaves, para aprofundar diferenças. Por exemplo, o Chaves soube explorar as necessidades de seus, sabidamente, principais rivais internacionais, os States, deles tirando proveito em beneficio de seu povo. Soube mostrar a diferença entre administrar para o povo e administrar para a Oligarquia que os dominavam antes. Por isso tantos front se abriram contra ele, internos e externos. Detectaram um perigo real ao secular mimetismo que os oligarcas, parecidos em todos os paises latino americanos, criaram para se assemelhar aos demais cidadãos. Soube desmistificá-los tornando-os politicamente o que realmente são uma minoria no seu espaço politico apropriado. No Brasil, claro, país de oligarquias seculares e de midia desses grupos, tantaram de todas as formas transformá-lo no contrário do que realmente foi, primeiro antidemocratico, depois ditador a seguir caudilho, ´só não contavam com o povo venezuelano reiterando votações em seu dirigente e lider, com observadores internacionais lhes dando creditibilidade, ficou dificil para se manter as mentiras. Eles tentam, e irão continuar tentando, afinal um sujeito que coloca suas oligarquias para trabalhar é um perigo para nosso status quo, menos como agente interno provocador e mais como simbolo que pode fazer ressurgir a esquerda que eles não querem.
Felipe
Respeito muito tudo o que Chavez fez pela Venezuela e pela América Latina na construção do Socialismo do Século XXI. No entanto, acredito que é só agora, com a sua morte, que poderemos avaliar o legado de seu governo e de sua opção por uma revolução demasiado personificada.
Paulo Roberto Álvares de Souza
Chaves e Lula cujo grande mérito foi escancarar a burrice de seus opositores.
Jotage
A Venezuela não existia antes de Chavez.
A casa grande nunca fala da senzala.
Gabi
O Chávez se transformou em milhões de latino-americanos que desejam, com sinceridade e não do modo reacionário da nossa esquerda no poder, uma liberdade mais ampla para “quintal norte-americano”.Parafraseando Marx: Um espectro ronda a América Latina – o espectro do comunismo.
Julio Cesar Montenegro
sem chavez
venezuelanos
continuaram podendo votar
segundo a própria predileção
ou voltarão aos 500 anos
da branca colonização?
Rafael de Oliveira Silva
Essa matéria do site terra, que diz que em miami, venezuelanos expressam otimismo. Aqui demonstra que uma elite pouco inteligente que contar a história do jeisto, mas a historia contada pelas pessoas vai sobreviver a soberba de poucos.
http://noticias.terra.com.br/mundo/america-latina/morte-hugo-chavez/venezuelanos-nos-eua-mostram-otimismo-cauteloso-apos-morte-de-chavez,be81c3d1f7a3d310VgnCLD2000000ec6eb0aRCRD.html
augusto2a
Agora nós -latino americanos – acreditamos que podemos.
Alguns caras do sul da linha do equador nos provaram isso.
tenho pra mim que isso é o que mais mete medo e rancor ao inimigo.
FrancoAtirador
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HUGO RAFAEL CHÁVEZ FRÍAS
Quem foi?
O homem que resgatou a autoestima latino-americana.
Um gesto?
Presentear o Presidente dos United States com um exemplar do livro
‘As Veias Abertas da América Latina’, do uruguaio Eduardo Galeano.
Uma obra?
A construção da unidade sul-americana.
Uma palavra?
“Desde filas contrarrevolucionarias,
muchas veces llenos de odio,
están sacando la cuenta
y están pensando que Chávez se acabó:
¡Chávez no se acabó!
Es más, debo decirles
que cuando de verdad este cuerpo se acabe,
Chávez no se acabará,
porque Chávez ya no soy yo.
Chávez está en las calles
y se hizo pueblo
y se hizo esencia nacional,
más que sentimiento, cuerpo nacional,
alma nacional y arma nacional,
para seguir dando la batalla.”
(http://www.youtube.com/watch?v=PnTJMc7UkAc)
Mário SF Alves
“…Chávez no se acabará,
porque Chávez ya no soy yo.”
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Cara, isso é no mínimo transcendental. Lembra o filme Queimada!
Origem/Ano: ITA-FRA/1969
Duração: 115 min
Direção: Gillo Pontecorvo
FrancoAtirador
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Escreveu uma amiga poetisa:
“Pesado fardo este
Onde se carrega, disfarçada,
A consciência do inexorável”
(Jeanette Barbosa; Tempoema, 1995)
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FrancoAtirador
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Sobre Gillo Pentecorvo
Seus principais filmes procuram desvendar o mecanismo do processo colonial. Muita gente achava que essa forma de dominação estava superada, mas a invasão do Iraque não lhe parece uma ação imperialista “à antiga”?
Pontecorvo – A dominação colonial mudou muito em sua forma exterior, mas não em sua essência. Sua forma moderna é a democracia imperial americana.
(Entrevista concedida a Luiz Zanin; Estadão, 19/4/2003)
http://blogs.estadao.com.br/luiz-zanin/gillo-pontecorvo-1919-2006/
Willian
Nas últimas eleições presidenciais, a oposição venezuelana teve em torno de 44% dos votos. É muito, diante do carisma de Chávez. Resta saber se a expressiva votação de Chavez estava calcada no projeto bolivariano ou na figura carismática do presidente, ou seja, se os votos foram para a pessoa de Chavez ou para o “socialismo do século XXI” que ele representava.
Difícil saber também se o chavismo se manterá unido, haja vista que, apesar de Maduro ser o candidato claro nas próximas eleições (que vencerá com um pé nas costas), a liderança deste não é inconteste.
O impacto da perda de Chávez para a diplomacia brasileira « Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] Antonio Lassance: A hora e a vez de Hugo Chávez […]
Luiz Moreira
Muito bom, para este momento crucial da política sul americana, este artigo, redigido por um especialista do IPEA. Este é um artigo que mostra, que pessoas e pesquisadores de nível elevado, podem também escrever com o CORAÇÃO. Coragem, companheiros. A perda é muito grande, mas também já perdemos o CHE.
Bonifa
Está claro: Todo o discurso dos reacionários do Mundo, que é o mesmo discurso dos reacionários da mídia brasileira, está assentado numa única frase que deve ter sido bolada nos escritórios do Inferno: “O futuro da Venezuela é incerto.” Assim, tentam introduzir uma viabilidade de retrocesso para a política de transformação social da Venezuela.
Mardones
E esse legado vai durar muito tempo, pois Chavéz derrubou muros que separavam duas Venezuelas. E para reerguer esses muros, a oposição chavista vai ter que tentar outro golpe.
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