Ângela Carrato, URGENTE: Brasil precisa de rede social própria para enfrentar os ataques à nossa democracia

Tempo de leitura: 9 min

 

Por Ângela Carrato*

O governo Lula e o STF reagiram rápido ao vídeo que o presidente da big tech estadunidense Meta, o bilionário Mark Zuckerberg, postou em suas redes sociais na terça-feira (7/1).

Além de reunião com o novo titular da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom-PR), Sidônio Palmeira, Lula determinou que a Advocacia Geral da União (AGU) analise os impactos que as medidas anunciadas podem ter na sociedade brasileira, para que as devidas providências sejam tomadas.

Já o ministro Alexandre de Moraes afirmou que o STF “não vai permitir que as big techs, as redes sociais continuem sendo instrumentalizadas, dolosa ou culposamente para ampliar discursos de ódio, nazismo, fascismo, misoginia, homofobia e discursos antidemocráticos”.

Ele lembrou que “a nossa Justiça Eleitoral e o nosso Supremo Tribunal Federal já demonstraram que aqui é uma terra que tem lei”.

Os anúncios feitos por Zuckerberg podem perfeitamente ser incluídos no kit de desinformação preconizado pela extrema-direita internacional e brasileira.

Ele anunciou que suas empresas (Facebook, Instagram, Whatsapp) encerrarão as atividades de checagem dos fatos em “nome da liberdade de expressão”. A mudança começará pelos Estados Unidos e progressivamente se estenderá aos demais países onde atuam.

Zuckerberg, neste mesmo vídeo, mentiu ao afirmar que existe “tribunais secretos na América Latina”, que impedem a liberdade de expressão, fazendo coro com outro contumaz mentiroso, o bilionário, dono do X, Elon Musk, que recentemente comprou e perdeu uma disputa com o STF brasileiro.

Zuckerberg ainda ameaçou pedir apoio ao governo Trump para que os interesses das empresas estadunidenses sejam preservados na Europa, América Latina e China.

Apoie o VIOMUNDO

Traduzindo para bom português, a fala do arrogante dono da Meta significa que ele é o segundo empresário na área a aderir às delirantes propostas de Trump para “fazer os Estados Unidos grande de novo”, a partir de imperialismo explícito sobre os demais países.

Além de defender punição zero para quem espalha fake news, Trump, antes mesmo de tomar posse – o que acontecerá no próximo dia 20 – tem dito barbaridades e criado problemas políticos nos quatro cantos do planeta.

Do nada, ele anunciou o desejo de transformar o Canadá na 51º estrela da bandeira dos Estados Unidos. Disse estar disposto a retomar o Canal do Panamá, anexar a Groelândia, que pertence à Dinamarca, e mudar o nome do Golfo do México para Golfo Americano.

Suas falas incluem ainda os anúncios de que concederá perdão a todos os golpistas que invadiram o Capitólio em 6 de janeiro de 2021, e de que pretende taxar em 100% os produtos de qualquer país que comercializar fora do dólar.

Some-se a isso a declaração de que, já nos primeiros minutos após empossado, começará a deportar todos os imigrantes ilegais.

Ao contrário da reação brasileira, os governos canadense, panamenho e dinamarquês se pautaram pela timidez, possivelmente chocados diante do tamanho dos absurdos ditos por Trump.

O Canadá, um dos maiores países do mundo, integra, junto com o México, o Mercado Comum do Norte, criado pelos Estados Unidos.

Qual a razão para uma declaração tão estapafúrdia?

Já o governo da Dinamarca, membro da OTAN, chefiada pelos Estados Unidos, deve ter pensado como ações para anexar a Groelândia seriam levadas a cabo. Pela primeira vez haverá guerra entre dois integrantes deste tratado?

A presidente do México, Cláudia Sheinbaum, preferiu reagir de forma irônica, sugerindo que os Estados Unidos deveriam passar a se chamar “República das Terras Mexicanas”, em alusão a que mais de 50% do território do seu país foi roubado pelos Estados Unidos. Sheinbaum tem rebatido cada provocação de Trump.

Além de reações rápidas, como a brasileira, perplexas ou irônicas, como de outros governantes, é importante entender o que pretendem Zuckerberg e Musk.

Noam Chomsky, um dos maiores pensadores estadunidenses, há décadas já denunciou que o seu país nunca foi uma democracia.

Segundo ele, a melhor designação para o sistema vigente lá é plutocracia: 183 famílias bilionárias controlam a economia e a política. E, mais grave ainda, sempre quiseram e continuam querendo controlar a política e a economia em toda parte do globo.

O nome disso é imperialismo.

Zuckerberg e Musk integram este seleto grupo, do qual Trump também faz parte, e estão dispostos a colocar suas empresas a serviço do imperialismo estadunidense.

No passado, o imperialismo levou a guerras. Continua levando, mas já existe uma modalidade nova para que seus objetivos sejam alcançados. Ela atende pelo nome de “guerra híbrida”.

As big techs e suas redes sociais são fundamentais neste processo, uma vez que por intermédio de fake news e de discursos de ódio disseminados através de suas plataformas, contribuem para moldar a opinião pública na perspectiva que lhes interessa.

Com todas as letras, Zuckerberg deixou isso explícito ao anunciar que sua empresa não adotará mais a moderação de conteúdo e se colocará ao lado do governo Trump.

Em troca, pedirá apoio de Trump para combater governos que imponham restrições às empresas estadunidenses. A dele, obviamente, em primeiro lugar.

A exemplo do que fez o X, a Meta também está abrindo mão de qualquer compromisso com os fatos e passa a permitir todo tipo de publicação, inclusive mentiras, estímulo a preconceitos e discursos de ódio, em nome da “liberdade de expressão”.

Os extremistas de direita bateram palmas, pois o ambiente adequado para prosperaram é em meio a mentiras e manipulações.

A Meta se torna assim a segunda big tech cuja máscara caiu. Ao contrário de qualquer compromisso com os fatos e com uma comunicação horizontal, ela se alinha às usinas de propaganda e manipulação, inimigas da democracia, da soberania dos países e de sociedades mais justas.

Esse fato assume proporções dramáticas por se tratar de empresas de enorme valor de mercado, na casa dos trilhões de dólares. Na atualidade estão entre as mais lucrativas do mundo, ao lado da indústria bélica e da farmacêutica.

A fortuna de Musk, o homem mais rico do mundo, é de R$ 2,61 trilhões, superior ao PIB de vários países. Zuckerberg ocupa o segundo lugar, com uma fortuna de US$ 206 bilhões.

Mais uma vez é preciso dar razão a Chomsky. O produto dessas big techs sempre foi a desinformação e a “garimpagem” de dados dos usuários com objetivo de controle político, econômico e ideológico.

Diferentemente daquele alardeado começo mítico, em que um punhado de “jovens geniais”, em garagens ou dormitórios nas universidades dos Estados Unidos, criaram as redes sociais, como mostra o filme da Netflix de mesmo nome, elas surgiram em sintonia com os grandes interesses econômicos e o alinhamento a eles agora é total.

Apesar disso, aqueles jovens – Zuckerberg era um deles – venderam para o público a ideia de que as redes sociais são quase serviços públicos, todos podem acessá-las gratuitamente e obter uma infinidade de facilidades e benefícios.

Nada mais mentiroso.

Durante muito tempo, no entanto, as pessoas acreditaram nisso.

Crença presente não só nos Estados Unidos, como na Europa e mesmo aqui no Brasil, onde a Meta tem um dos seus maiores e mais lucrativos mercados. O Facebook alcança 60% dos internautas brasileiros. O Instagram, um pouco mais, 62%. Já o WhatsApp é utilizado por 93,4% dos usuários de internet em nosso país.

A convicção era de que finalmente a democracia havia chegado à comunicação, rompendo o longo período em que esteve nas mãos de uns poucos empresários.

Críticas aqui e acolá sempre existiram em se tratando do gigantesco poder de manipulação das big techs.

Em 2018, por exemplo, o Facebook perdeu em um único dia aproximadamente RS$ 115,5 bilhões, devido à denúncia de que a consultoria Cambridge Analytica havia se valido de dados de usuários seus e os utilizados na campanha que resultou no Brexit, nome dado ao plebiscito que aprovou a saída do Reino Unido da União Europeia.

A principal arma para viabilizar o Brexit, proposta apoiada pela extrema-direita inglesa e estadunidense, foi convencer a população do Reino Unido de que os problemas econômicos que enfrentava tinha uma única origem: os convênios da União Europeia que possibilitavam a presença de imigrantes árabes, latino-americanos e africanos naquela sociedade.

Por outro lado, começava a chamar atenção o fato de perfis das pessoas que integram as redes sociais serem considerados “moeda valiosa” no marketing da guerra eleitoral. A título de exemplo, o Facebook acabou sendo obrigado a fazer acordo milionário para encerrar o processo com as autoridades europeias e muitos acreditaram que o erro não se repetiria.

Quando a Meta anunciou, em 2021, a suspensão indefinidamente das contas de Trump no Facebook e Instagram, depois que ele manifestou apoio aos golpistas que invadiram o Capitólio em 6 de janeiro daquele ano, não faltou quem visse na medida a prova irrefutável de independência dessas novas empresas.

A invasão havia redundado em seis mortes e Trump chamou a plataforma de “inimiga”.

Pouco antes de completar quatro anos, eis que Zuckerberg vem a público anunciar sua completa submissão a Trump e aos interesses imperialistas.

Com a picardia que lhe é peculiar, Trump, ao ser perguntado por jornalistas sobre a fala de Zuckerberg, contou que, em novembro, estiveram juntos em seu resort na Flórida, que recebeu dele uma doação de US$ 1 milhão para a festa da posse e que o anunciado pelo dono da Meta foi exatamente o que ele determinou.

Mais uma vez é preciso dar razão a Chomsky. Os interesses das grandes empresas estadunidenses sempre estiveram alinhados aos da Casa Branca.

Também Jeff Bezos, o dono da Amazon, se rendeu a Trump. Além de outra polpuda doação para a festa da posse, o tradicional jornal The Washington Post, historicamente independente e mais próximo do Partido Democrata, comprado por ele em 2013, evitou posicionar-se em relação à última campanha eleitoral nos Estados Unidos.

O mesmo pode ser dito das grandes redes de TV como CBS, NBC, ABC, que agora já fazem abertos acenos a Trump. A lista inclui ainda a Fox, mas essa emissora há muito é porta-voz do trumpismo.

Bravatas ou não, o certo é que Trump tem expressado desejo expansionista e imperialista, algo que não se ouvia desde os tempos da ascensão de Adolf Hitler e que levou à Segunda Guerra Mundial.

Mesmo declarando que quer acabar com todas as guerras em que os Estados Unidos estão metidos, o cruzamento da fala de Trump com a dos donos das big techs deixa claro que ele pretende apenas substituir as guerras tradicionais por guerras híbridas, aquelas em que a comunicação e as redes sociais jogam papel decisivo.

Exemplos não faltam. Basta lembra a impropriamente denominada “Primavera Árabe”, onde as redes sociais foram utilizadas para derrubar governos que não se submetiam às determinações dos Estados Unidos, como os do Egito e o da Líbia, sob o argumento de que eram autoritários.

O caso mais explícito talvez seja o da Líbia, onde o governo de Muammar Gaddafi foi alvo de pesada campanha de desestabilização, levando-o a ser linchado e morto.

Qual o seu grande erro? Ter sido o primeiro presidente no mundo a propor transações comerciais fora do dólar e governar de forma soberana um país rico em petróleo.

“Erro” que parece ser o mesmo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, que tomou posse para o terceiro mandato nesta sexta-feira (10), sob pesada artilharia dos governos conservadores e das redes sociais.

O golpe contra a presidente Dilma Rousseff, em 2016, também integra a longa lista de “guerras híbridas” patrocinadas pelos Estados Unidos, com o objetivo de retirar do poder políticos e partidos que não rezem por sua cartilha.

É importante lembrar que o golpe, travestido de impeachment contra Dilma, aconteceu logo depois do anúncio da descoberta do pré-sal e da decisão dela em garantir para a Petrobras o controle de sua exploração.

Detalhe: a primeira medida de Michel Temer, o vice golpista, ao assumir, foi isentar as petroleiras estrangeiras que atuavam no pré-sal do pagamento de qualquer imposto.

Esses são fatos que devem ter passado pela cabeça de qualquer pessoa relativamente bem informada após a declaração de Zuckerberg. Não por acaso a reação das instituições brasileiras foi dura.

Por tudo isso, o governo Lula e o STF têm enormes desafios pela frente, uma vez que o Congresso Nacional, dominado pela extrema-direita, não deve mover uma palha para regular as big techs.

Vale observar que mesmo diante dos absurdos proferidos por Zuckerberg, o presidente da Câmara dos Deputados, o bolsonarista Arthur Lira, não falou nada. O mesmo acontecendo com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.

Se tivesse qualquer compromisso com a democracia, Lira poderia ter anunciado que estava recolocando na pauta de discussões da Câmara o projeto de regulação das big techs, engavetado por ele há meses.

A análise e recomendações que devem vir da AGU são importantes. As conversas que o presidente Lula tem mantido com governantes europeus e da Austrália, para atuarem juntos no combate à desinformação também.

Mas não basta determinar que fake news e discursos de ódio sejam retirados das redes sociais. Não basta, igualmente, em situação limite, proibir a presença dessas empresas estrangeiras no Brasil.

É preciso ir muito além.

É preciso, por exemplo, que o governo tome a dianteira para que seja criada uma grande empresa brasileira de tecnologia, capaz de prover a população brasileira de redes sociais próprias.

China, Rússia e Índia já fizeram isso. Não seria o caso do governo Lula recorrer aos parceiros do BRICS para a criação desta rede?

A importância estratégica e geopolítica das big techs é tamanha, que os Estados Unidos já aprovaram lei dando prazo para a rede social chinesa, Tik Tok, encontrar um novo proprietário para continuar atuando no país.

Fora disso, terá que encerrar suas atividades por lá. O prazo final se encerra em 18 de janeiro, mas os advogados da Byte Dance, proprietária da Tik Tok, devem recorrer mais uma vez da decisão, invocando a liberdade total que os extremistas de direita dizem defender.

O argumento que a Casa Branca usou para que essa legislação fosse aprovada é que o Tik Tok, com seu poderoso algoritmo, estaria espionando e armazenando dados da população dos Estados Unidos.

Mas não é exatamente isso o que fazem as redes sociais estadunidenses?

Dito de outra forma está na hora de o governo Lula convocar os mais diversos segmentos do empresariado e a comunidade científica para, juntos, construírem a nossa rede social.

Só assim poderá enfrenta a brutal pressão que Trump e a extrema-direita, nacional e internacional, via redes sociais, farão contra a democracia no Brasil.

*Ângela Carrato é jornalista. Professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG. Membro do Conselho Deliberativo da ABI.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

Leia também

Marcelo Zero: Trump e a América Latina

Leonardo Sakamoto: Zuckerberg se ajoelha a Trump, aproxima Insta do X e dá recado ao STF

”O mundo deveria encarar algumas ameaças de Trump com menos seriedade”, diz historiador indiano. VÍDEO

Tomás Amaral: A queda da Síria, vitória tática dos sionistas e dos neocons

Apoie o VIOMUNDO


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!

Deixe seu comentário

Leia também