Ângela Carrato: Banco Central de rabo preso com o mercado financeiro e mídia silencia e mente

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Foto: Reprodução de vídeo e Fabio Rodrigues- Pozzebom/Agência Brasil

Por Ângela Carrato*

Através de notícias, comentários e editoriais, a mídia corporativa brasileira festejou a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) que manteve a taxa de juros em 10,5%.

De acordo com ela, a decisão foi correta e o grande perdedor é o presidente Lula.

O grande derrotado por esta decisão, que interrompeu uma sequência de sete quedas seguidas na taxa Selic, é a maioria da população brasileira.

É ela que continuará pagando caro, caríssimo, pelo país ocupar a nada honrosa posição de vice-líder dos mais altos juros do mundo, atrás apenas da Rússia que se encontra em guerra.

Desde o início de seu terceiro governo, Lula tem apontado os juros nas alturas como um dos principais entraves ao desenvolvimento do Brasil.

Que industrial ou empresário vai investir em atividade produtiva, quando sentado no sofá vê seu dinheiro se multiplicar no mercado financeiro?

Os juros altos são excelentes para os muito ricos e bilionários, mas péssimo para a maioria da sociedade, pois não gera empregos, impede investimentos produtivos e emperra o desenvolvimento.

Não há, na história mundial, um único país que tenha garantido qualidade de vida para sua população à base do rentismo.

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Então, o que faz com que essa mídia se coloque, de forma tão entusiasmada, a favor de uma medida que é contra o Brasil e o povo brasileiro?

A resposta é simples, porém desconhecida da maioria das pessoas.

A mídia corporativa brasileira é controlada pelo mercado financeiro e o aplauso à decisão do Copom significa, na prática, um aplauso que os bilionários fazem a si mesmos. Algo como: mais uma vez saímos ganhando e a maioria que se dane.

É contra isso que o presidente Lula tem lutado desde o início de seu atual governo. Luta que assumiu ares de verdadeira guerra nas três últimas semanas que antecederam à reunião do Copom.

Enquanto Lula mostrava que o fato de a economia brasileira ir bem, com os seus principais indicadores positivos – inflação baixa, desemprego em queda e a caminho do pleno emprego e o país batendo recorde em investimento estrangeiro – a mídia passou a fazer exatamente o inverso.

Tratou de criar um ambiente de incerteza na área econômica a fim de justificar a não continuidade no corte da taxa de juros.

Voltou a acenar com o “bicho papão” da inflação e do desequilíbrio nas contas públicas.

Há anos não se via tanta manchete econômica em jornais, revistas, emissoras de rádio e de TV, todas assinalando que as contas públicas estão “descontroladas” e que o governo precisa fazer “cortes no orçamento”.

Alguns veículos foram ainda mais longe, dando a receita para o governo: uma nova reforma da Previdência e cortes nas áreas sociais, em especial saúde e educação.

Receitas tão descaradas não surpreendem.

São os muito ricos e bilionários querendo controlar o governo em função de seus próprios interesses.

Vale lembrar que em abril, o presidente do Banco Central, o bolsonarista Roberto Campos Neto, já havia “alertado” que a queda do desemprego poderia ser algo negativo.

“Ela dificulta a contratação para as empresas e você tem que começar a subir o salário”, explica. Para Campos Neto, aumentar salários significa aumentar a inflação!

Postura que deixa bem claro onde ele se situa.

O Copom é o órgão do Banco Central, formado por seu presidente e diretores que, a cada 45 dias, definem a taxa básica de juros da economia.

A declaração de Campos Neto não é, portanto, a de um cidadão comum: é a do principal responsável pela política monetária no país.

Não por acaso, esse tipo de declaração contribuiu em muito para fomentar as “incertezas” no mercado e elas acabaram fazendo com que o dólar aumentasse e as ações na bolsa de valores caíssem.

Como se declarações criando instabilidades no mercado não bastassem, Campos Neto passou, nas últimas semanas, a articular abertamente contra a política econômica desenvolvimentista do governo Lula.

Reuniu-se com representantes do mercado financeiro a fim de criticar e tentar desacreditar as ações de Lula. Reuniu-se com políticos da oposição de extrema-direita, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, estimulando-o a ser candidato à presidência da República em 2026 e oferecendo-se para ser o seu ministro da Fazenda.

Se o presidente do Federal Reserve Bank (FED), o banco central dos Estados Unidos, adotasse postura semelhante, teria que pedir demissão ou seria demitido.

Até porque é impensável um presidente de banco central que não esteja afinado com a política econômica do governo do seu país. Aqui, Campos Neto virou um herói para a mídia dos rentistas.

Quando, no final do governo Bolsonaro, foi aprovada a chamada “independência” do Banco Central, o argumento era que o órgão não poderia ficar a mercê dos interesses do governo de plantão.

A justificativa obviamente era fajuta. O que os muito ricos e bilionários queriam – e conseguiram – era impor uma trava e uma garantia para os seus próprios interesses, caso o vitorioso fosse Lula.

A mídia bateu palmas para a medida, lembrando que um Banco Central “independente” do governo era essencial.

No entanto agora, quando se tem um BC de rabo preso com o mercado financeiro, há um silêncio absoluto na mídia.

Mídia que tenta brindar Campos Neto de toda forma, a ponto de não noticiar suas reuniões com a extrema-direita.

Político tarimbado, o presidente Lula aproveitou a entrevista coletiva que concedeu à mídia internacional, ao fim da reunião de cúpula do G-7, na Itália, para colocar os pingos nos is.

Perguntado sobre a repercussão no Brasil de sua posição em defesa de tachar os mais ricos, foi certeiro: não há repercussão, porque a mídia brasileira é controlada pelo mercado financeiro.

O mundo inteiro ficou sabendo disso, menos, é claro, quem ainda se informa pela mídia corporativa daqui.

As seis famílias que controlam mais de 70% da informação no Brasil – Marinho, Frias, Santos, Macedo, Saad, Mesquita – estão intimamente ligadas ao chamado “mercado”.

São bilionárias e ganham mais dinheiro com suas aplicações financeiras do que com suas atividades em comunicação.

A título de exemplo, Luiz Frias, proprietário da Folha de S. Paulo e do portal UOL, é também o dono do PagSeguro.

Já a família Mesquita, do jornal Estado de S. Paulo, acaba de vender a publicação para representantes do mercado financeiro. A negociação, pelo que se comenta, girou em torno de R$ 120 milhões.

Esperar o que de uma mídia nas mãos dos rentistas?

Mesmo assim, Lula não se abalou. Na terça-feira, quando começou a reunião do Copom, deu entrevista para rádio CBN, do grupo Globo, onde mostrou, por a mais b, qual era a jogada do mercado financeiro e do próprio Campos Neto.

Uma de suas colocações mais certeiras foi a comparação de Campos Neto a Sérgio Moro.

Como Moro, Campos Neto se diz independente, mas articula com a extrema-direita e busca defender seus próprios interesses.

Moro dizia combater a corrupção e acabou sendo ministro da Justiça de Bolsonaro.

Campos Neto diz combater a inflação, mas está atrás de emprego como ministro da Fazenda num eventual governo do truculento Tarcísio de Feitas.

Os bilionários responderam criando mais instabilidade e fazendo com que a cotação do dólar disparasse, chegando a R$5,41, a mais alta desde julho de 2022. Preparavam mais uma crise, que poderia ser grave.

Como o Copom tem, no momento, composição majoritária de diretores indicados por Bolsonaro, era de se esperar que não houvesse como não houve, redução na taxa de juros.

No entanto, causou surpresa a votação unanime de seus nove membros, a favor da manutenção dessa taxa em 10,5%. Votação que teve o apoio dos quatro diretores indicados pelo próprio Lula.

Foi o que bastou para a mídia corporativa falar em derrota do presidente e cantar sua própria vitória.

Comemoração que pode ter sido não só apressada como errada.

Pesquisa divulgada pelo Datafolha essa semana mostra que a popularidade de Lula se mantem e se amplia, ao contrário de previsões de que ela estaria desabando.

Ao explicitar a jogada de Campos Neto para o público mais amplo, Lula não só detonou com a tal independência do Banco Central, como carimbou na testa do adversário o adjetivo de “inimigo do povo brasileiro”.

Quanto aos diretores indicados por ele terem votado pela manutenção da taxa de juros, pode ter sido uma jogada para estancar a crise que Campos Neto e a “Faria Lima” haviam criado e pretendiam intensificar.

Se nada disso corresponder à realidade, tal votação não deixou de ser um teste para Lula saber com quem pode contar a partir de 31 de dezembro, quando termina o mandato de Campos Neto e caberá a ele indicar o novo presidente da instituição.

É importante lembrar que a indicação tem que ser aprovada pelo Senado. Nesse sentido, os senadores não terão como dizer que Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária do BC, indicado e apontado como o preferido por Lula para suceder Campos Neto, não teria independência suficiente para o cargo.

Fazer do limão uma limonada tem se tornado uma das especialidades do atual governo.

Com o recesso de meio de ano se aproximando e as eleições municipais dominando praticamente todo o segundo semestre, o governo sabe que o período mais difícil está chegando ao fim.

Arthur Lira e suas pautas-bombas na Câmara dos Deputados estão desmoralizadas. Ele próprio virou um inimigo público, depois que tentou, sem sucesso, usar o absurdo projeto de lei que criminaliza as mulheres vítimas de aborto mais do que os próprios estupradores como moeda para indicar seu sucessor no cargo.

Outras investidas igualmente absurdas como a de privatizar as praias, tentar liberar o trabalho infantil aos 14 anos ou a anistia para partidos políticos que não cumpriram as cotas mínimas fixadas em eleições anteriores para candidaturas de mulheres também não foram em frente.

Dito de outra forma, o “reinado” de Lira está no fim e a partir do próximo ano, Câmara e Senado terão novos presidentes.

Também está no fim o controle de Campos Neto e da “Faria Lima” sobre as posições do Banco Central.
Ganhar ou perder faz parte da política.

No episódio da manutenção das taxas de juros em patamares estratosféricos, perdeu o povo brasileiro, não Lula e a sua política econômica, que vai bem apesar de todas as mentiras da mídia e os entraves deixados pelos golpistas.

*Ângela Carrato é  jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG. Integra o Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa — ABI.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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