André Siqueira: Imposto pago não é dinheiro roubado

Tempo de leitura: 3 min

15 de setembro de 2011

Imposto pago não é dinheiro roubado

Vende-se, por estas bandas, a ideia de que dinheiro de imposto é dinheiro subtraído da sociedade. Um argumento tão repetido pela mídia (e pela oposição ao governo) que, para muitos, se tornou uma verdade.

André Siqueira – Subeditor de Economia de CartaCapital, sugerido pelo Fernando Rossas

O Brasil é mesmo um país de contradições. Na manhã da terça-feira 13, um grupo de pessoas acompanhou a contagem do Impostômetro, o marcador gigante instalado pela Associação Comercial de São Paulo no centro da cidade para medir a arrecadação do governo. Neste ano, diz a entidade, atingimos a marca de 1 trilhão de reais 35 dias mais cedo do que em 2010. A cifra foi acompanhada por vaias do grupo de pessoas aglomerado diante do display. Não as culpo. Vende-se, por estas bandas, a ideia de que dinheiro de imposto é dinheiro subtraído da sociedade. Um argumento tão repetido pela mídia (e pela oposição ao governo) que, para muitos, se tornou uma verdade.

Virou quase lugar-comum dizer que o Brasil é um dos campeões mundiais em impostos, e comparar nosso pacote de serviços públicos com os oferecidos por países com carga tributária igual ou maior. Esses argumentos deixam de lado dois detalhes importantes: somos também destaque mundial em desigualdade social, e temos uma massa de desassistidos comparável apenas a países como China e Índia. Ou seja, sai caro, muito caro, para uma nação com tal perfil, oferecer, mesmo precariamente, uma estrutura de amparo universal.

Logo, uma alta arrecadação é algo a ser comemorado, e não lamentado. É sinal de que o governo eleito democraticamente dispõe de mais recursos para atender às necessidades da população que o elegeu. Como alguém em sã consciência pode reclamar da saúde e da educação públicas e querer ir às ruas protestar por menos impostos? Exigir das autoridades o melhor uso possível dos recursos do orçamento é um dever cívico em qualquer país, assim como cobrar o combate permanente à corrupção. Mas imaginar que um governo será capaz de, com menos dinheiro, sustentar a máquina estatal, fazer os investimentos necessários (para ontem) em infraestrutura e melhorar o pacote de serviços à população é simplesmente absurdo!

Em um brilhante artigo publicado recentemente no Valor Econômico, o presidente do Ipea, Marcio Pochmann, mostrou que a desigualdade social, medida pelo índice Gini, caiu 9,5% entre 2003 e 2009. Sem os gastos em programas de transferência de renda realizados na última década, a melhora teria sido de apenas 1,5%. No mesmo texto, Pochmann levanta uma questão que tem méritos de sobra para tirar o sono dos brasileiros: por que os ricos pagam, proporcionalmente, tão menos impostos?

A reforma tributária pela qual nossos formadores de opinião deveriam se empenhar passa, necessariamente, pela troca de impostos que recaem sobre o consumo – e penalizam os consumidores indistintamente – por uma estrutura mais progressiva. É possível, sim, criar novas (e mais altas) alíquotas de IR para faixas de rendimento mais elevadas, elevar os encargos sobre itens supérfluos e de luxo, taxar grandes fortunas (a exemplo do que faz a Inglaterra e outros países desenvolvidos) e aparelhar melhor a equipe da Receita Federal até que ninguém consiga passar um fim de semana tranquilo em sua mansão no Guarujá sem a certeza de estar em dia com o Leão.

A estrutura social brasileira é perversa sobretudo porque dá àqueles que deixam a base da pirâmide a sensação de estar muito acima da maioria. Ainda que continue a anos-luz de distância do topo, parte da classe média é mortalmente tentada a comprar um discurso que interessa apenas a quem está lá em cima.

Não se iludam: um cofre público mais gordo revela que a economia está em crescimento, e que a inclusão social trouxe mais gente para dividir o fardo de sustentar o País. A alta na arrecadação também pode indicar avanços do Fisco no combate à sonegação – um mal tão danoso à sociedade quanto a corrupção. O combate à evasão tributária deveria ser festejado sobretudo por quem tem sua fatia descontada diretamente no salário, e não conta com recursos de “engenharia financeira” para pagar fugir às obrigações, nem remete recursos a paraísos fiscais…

PS do Viomundo: Este site recomenda fortemente que nossos leitores assinem a CartaCapital, aqui.

Apoie o VIOMUNDO

Leia também:

Justiça derruba lei da dupla porta nos hospitais públicos

Cremesp condena os fura-fila no SUS

Hospitais públicos gerenciados por OSs têm rombo de R$ 147,18 milhões

Arthur Chioro: “Planos de saúde vão economizar e paulistas pagarão a conta”

Mário Scheffer: “Lei da Dupla Porta é o maior ataque ao SUS desde o PAS, do Maluf”

Ministro Padilha, até quando vai dar dinheiro do SUS para São Paulo entregar aos planos privados de saúde?

Secretaria reconhece que lei cria vagas para planos privados em hospitais públicos

Apoie o VIOMUNDO


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

JOSE DANTAS

Claro que a saúde no Brasil precisa melhorar muito, agora não dá pra negar que já não melhorou bastante nos últimos anos. A começar pela assistência à população que é oferecida pelos postos do PSF onde praticamente todas as mulheres hoje em dia fazem um pré-natal e após o parto os filhos se submetem a acompanhamento com direito a verificação de ganho de peso e vacinação, evitanto assim uma série de complicações na saúde tanto das mães como dos filhos. O SAMU presta um grande serviço a população, mesmo recebendo milhares de trotes por dia justamente da parte daqueles que em seguida a ligação podem precisar de uma viatura. Os programas de distribuição de medicamentos e as próprias farmácias populares ajudam bastante. Agora tudo isso vai a zero diante de uma reportagem em cima de um ponto fraco, que é justamente o ponto forte de uma mídia interessada em derrubar um governo, com o apoio de boa parte de uma povo portador de amnésia crônica.

fernandoeudonatelo

Para isso, é importante diferenciar dois conceitos: Carga Tributária Bruta e Carga Tributária Líquida.
A carga tributária bruta é definida pela soma de todas as receitas recebidas pelos governos (Federal, Estadual, Municipal), dividida pelo PIB. Esse é o número que muitos “analistas” consideram alto.

No conceito “líquido”, entretanto, retira-se da carga tributária todas as transferências ( pagamento de Juros, Subsídios, Incentivo Fiscal, transferências), ou seja, retira-se todos os pagamentos do Governo que voltam diretamente para a sociedade.
Dessa maneira, obtém-se apenas o que fica com o Governo para realizar seus gastos.

De acordo com o Ipea, em 2008, a carga tributária líquida per capita do Brasil era de US$ 1.580,00. Numa lista de 18 países, esse montante era o menor. No Canadá, por exemplo, a carga líquida per capita foi de US$ 8.816,00, enquanto que na Polônia, o valor era de US$ 3.094,00.

O pacote de serviços públicos, é subfinanciado.

Lousan

o problema é que quem esta la em cima paga menos do que teria que pagar e quem ta la embaixo está recebendo mais e contribuindo com menos…quem esta no meio, paga a conta dos que estão em cima e embaixo e ainda recebe serviços precarios…ou se mata pra pagar e não ter os serviços precarios, enriquecendo os que estão la em cima e nessa arquitetura, o mecanismo muda muito pouco: os ricos continuam felizes, os pobres ficaram felizes, e ao invés de maior parcela estar na batalha pra ficar rico, está na verdade lutando pra nao ficar pobre…

cronopio

Onde foi parar a discussão do imposto sobre grandes fortunas?

    Raphael Tsavkko

    O PT e Dilma enterraram. Não vão desagradar os "companheiros" ricos, né?

Nelson

O pedágio é, na prática, um imposto que não entra no impostometro dos empresários paulistas. Quem paga é o povo assalariado lá na ponta da corda. O beneficiário do pedágio são os donos das concessionárias que circulam na corte tucana.

Ze Augusto

E tem sempre os "de esquerda" que são bem atendidos no serviço de saúde que usam. Impressionante.
Se "o outro" – prefiro não citar o nome – tivesse ganhado a eleição desconfio que seria óbvio outro discurso. Esse tipo de "honestidade" da nossa "esquerda" é …comovente.

Ze Augusto

Só faltou defender um aumento na carga tributária para "melhorar ainda mais a vida dos brasileiros necessitados". hehehe O mais incrível é que ficou por aí mesmo. Nem um adendo , um "PS" ou um "porém"… Nadinha. Ele realmente acredita no que escreve. Até aí tudo bem, mas como eu disse , nem os "eleitores de esquerda" de Lula e Dilma caem nessa.

Ze Augusto

"É sinal de que o governo eleito democraticamente dispõe de mais recursos para atender às necessidades da população que o elegeu."

hehehehe

Prefiro não comentar. Se o colunista prefere entender assim e se satisfaz com a premissa, que bom. Esse é feliz. Mas duvido muito que essa tese consiga convencer muita gente. Uns aqui e ali, talvez. Mas é cada coisa que se lê…

André Siqueira: Imposto pago não é dinheiro roubado | OCOMPRIMIDO.COM

[…] Por André Siqueira – Subeditor de Economia de CartaCapital. Via Viomundo. […]

marcos

Minha irmã trabalha pra uma familia de fazendeiros e olha só que interessante:

ela ganha por volta de 2500,00 por mês e paga imposto de renda, já o patrao dela recebe mais de meio milhao por mês sobre um arrendamento de cana e quem diz que ele precisa pagar imposto sobre esse dinheiro, nem quando se declara pro IR ele tem que pagar alguma coisa ( afinal a renda dele não é necessariamente um "salario" por isso eu até entendo a dificuldade do estado em cobrar, mas na epoca do IR quando ele declara o montante total deveria ser pago imposto sobre isso) e tudo isso sem sonegar nada

Marcio H Silva

O blog, tijolaço, tras uma matéria postada por Fernando Brito, interessante:__José Antonio Meira da Rocha, leitor deste blog e autor do blog O Homem que Calculava nos traz uma belíssima contribuição sobre a discussão sobre carga tributária brasileira, que nossa imprensa quase sempre trata como um escândalo, mas jamais no que ela mais tem de escandaloso, que é estar concentrada na parcela mais pobre da população.__Bem, o José Antonio compilou os dados da Heritage, uma fundação americana, sobre impostos e PIB e fez uma tabela que eu transformei em gráfico, aí ao lado, com países selecionados, para você comparar. No blog O Homem que Calculava – como o Malba Tahan faz falta aos nossos jornalistas! – você verá ainda que o Brasil, que é o 31º na relação tributos/PIB é o 51º primeiro se essa proporção é entre PIB per capita e arracadação tributária.

    Marcio H Silva

    continuaçaõ;
    O pessoal do “Cansei”, recomenda o José Antonio, que fala tanto em corrupção, deveria se tocar da sonegação que, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) relativas a 2008, desvia do Tesouro, anualmente, cerca de 200 bilhões de reais. Tá na Veja mas, é claro, nunca dá capa.
    Taí uma idéia: porque, ao lado do impostômetro, os “cansados” não criam o “sonegômetro”.

Raphael Tsavkko

Pagamos demais para não receber nada. Serviços públicos são péssimos. Nesta perspectiva somos, sim, roubados. Aliá,s nossos impostos alimentam corrupção, superfaturamentos, salários de magnatas de políticos e juízes…

Claro que temos de pagar impsotos, claro que é bom o governo ter dinheir em caixa. MAs é melhor ainda que este dinheiro retorne em benefícios pro povo. E não volta.

    Daniel

    Já fui aqui no posto de saúde da minha cidade umas 3 vezes, e minha mulher nem sei quantas, sempre fui bem atendido, quantas vezes você já usou o serviço público? Conheço gente que repete "meu Deus a saúde está um caos!" mas nunca pisou num hospital público, sempre usando plano médico particular. Detalhe: tenho plano médico privado, uso quando eu quero.

    Julio_De_Bem

    Eu paguei R$ 1250,00 de IPVA e meu carro que ainda estou pagando (inclusive os impostos ja incididos na compra)esta na concessionária reparando o amortecedor que quebrou em um buraco em uma movimentada rua de porto alegre (que está constantemente esburacada – assis brasil-). Para me dirigir até o aeroclube onde estudo, pago R$ 7,50 de pedágio em uma viagem que dura 20 minutos. Daí você me diz que o IPVA não serve pra consertar estradas, serve pra juntar grana para o governo investir nisso. Balela. com o tanto de carro novo rodando a arrecadação é monstruosa. Só nao chega até a população pq essa grana vai indo pros bolsos corruptos que temos por aqui. Vide os 40 milhoes roubados pela gangue escolhida pela Yeda do DETRAN.

    cronopio

    As rodovias privatizadas pelo estado de São Paulo taparam os buracos com a carteira dos usuários. Cuidado com o que você deseja, pode tornar-se realidade.

    Raphael Tsavkko

    O que eu desejo, e imagino que ele também, é que o dinheiro que pagamos em impostos sejam USADOS para sua finalidade. O Estado tme dinheiro de sobra pra pavimentar quantas ruas e estradas quiser, mas não usa. O federal usa pra pagar dívidas que nós não fizemos e pra corrupção e os estaduais a mesma coisa.

    Julio_De_Bem

    Minha resposta não apareceu na integra.

    Relatei o caso do meu amigo que se cortou e ficou sangrando no corredor do Hosp. Cristo Redentor e só foi atendido quando desmaiou.
    Relatei tbm o caso da minha namorada que, grávida de 3 meses, teve um sangramento e fiquei com ela das 21h até as 2am no Hospital Conceição em Porto Alegre, quando finalmente foi atendida. Perdemos o bebê.

    Por isso que digo, não espero mais pelo estado no quesito saúde. Prefiro pagar um plano privado e garantir o atendimento do que entregar ao SUS a saúde da minha família.

    Paixão política e ideologia é muito bom, desde que não cause cegueira nas pessoas…

    Duvido que nossa Presidenta queira um povo alienado e que não cobre o retorno dos impostos.

    Raphael Tsavkko

    Tem um posto de saúde atrás do meu prédio. Filas imensas, lugar caindo aos pedaços… Existem lugares em que o serviço funciona melhor? Sem duvida. MAs em geral as coisas não são assim. Vá ser atendido nas Clínicas em São Paulo, ou naRestauração, no Recife! Dezenas de doentes nos corredores, sem qualquer amparo, sem espaço… NEgar que a situação da saúde é um caos é olha pro umbigo.

multiplus

"Vende-se, por estas bandas, a ideia de que dinheiro de imposto é dinheiro subtraído da sociedade. Um argumento tão repetido pela mídia (e pela oposição ao governo) que, para muitos, se tornou uma verdade."

faltou só dizer q o "argumento" é repetido por qualquer oposição a qualquer governo!

basta lembrar do PT na oposição fazendo o mesmo discurso e sendo contra, por exemplo, a CPMF…

todo politico, na oposição, é a favor da "desoneração" da carga tributária…

todo politico, no governo, defende a necessidade de aumentar a arrecadação do Estado…

o texto seria mais honesto se reconhecesse q esse "argumento" não é de agora!

Fabio_Passos

Para a mídia-lixo-corporativa – rede globo / veja / estadão / fsp – é inadmissível cobrar imposto da ricaiada branquicela.
A nossa "elite" e sua mídia-corrupta acham que imposto é coisa para cobrar de pobre.

    Julio_De_Bem

    O que de fato acontece, não é verdade?

    ines

    A mídia aproveita a brecha que o governo deixa, bobeou, dancou! Desde o governo Lula e agora com Dilma a comunicacao do governo com o povo é inexistente, vide a invisibilidade da tv e radio publica que seriam os orientadores naturais dessa materia e de todas as outras, o trabalho de mostrar a carga tributaria do país, o tamanho da SONEGACAO que bate 200 bilhoes por ano é tarefa do governo atraves da tv, do radio publico, dos horarios institucionais que o governo tem direito, do uso da internet se o governo TIVESSE gente competente para tal, mas o que vemos é o contrario, gente completamente inepta para a funcao da comunicacao do governo continua lá com certeza ganhando muito bem pra fazer de conta que está trabalhando. Pra mim é muito bem feito que o governo apanhe todo dia da midia e daqueles que ela convence, pois quem nao se mostra e defende seu trabalho merece apanhar mesmo de chicote!

Rios

Se não houve aumento de alíquota, aumento de arrecadação significa aumento da economia. Os jornalões devieriam ficar satisfeitos… mas ai já é pedir demais…

Sergio Luis

Absolutamente correto! O problema da carga tributária no Brasil não é o seu montante mas sim como ele é estruturada. Um pobre que compre um quilo de arroz paga a mesma carga tributária que um rico, ou seja, para o rico o tributo é infinitamente menos pesado do que para o pobre. O consumo e a produção devem ser desonerados da carga tributária e aumentada a tributação sobre a renda, principalmente das classes mais altas. É um absurdo quem recebe 4.000 reais pagar a mesma alíquota de quem aufere rendimentos de 100, 200 mil reais. Nos países desenvolvidos a alíquota do IRPF chega até a 50% para os mais ricos, enquanto no Brasil o máximo é 27,5% englobando a classe média brasileira. Quem diz que a carga tributária no Brasil é elevada não entende nada de finanças públicas! O que precisa ser corrigido é a arrecadação deficiente e a estrutura deformada.

    Fabio_Passos

    Exato.

    Os pobres pagam imposto.

    A "elite" branca e rica paga pouco. Quando paga.

    Tá na hora de taxar aqueles que tem muito e desonerar aqueles que ganham pouco.

    Distribuição de renda na veia.

Deixe seu comentário

Leia também