por Luiz Carlos Azenha
Minha carreira começou no esporte. Eu ainda era menino quando assinava uma coluna, chamada Síntese, no Jornal da Cidade de Bauru. Era um resumo dos resultados de competições que não cabiam na página principal de esportes: campeonato internacional de xadrez (nos tempos de Karpov e Mequinho), de automobilismo (Carlos Reutemann e Emerson Fittipaldi), de tênis (Martina Navratilova, Thomas Koch e Bjorn Borg). Meu grande prazer, nesta época, era entrar no quarto escuro para revelar as radiofotos que chegavam via United Press International. Era inacreditável ver aquelas imagens feitas algumas horas antes em Nova York, Moscou ou Berlim.
Experimentei na pele o desprezo dos “jornalistas sérios” em relação aos assim chamados “cronistas esportivos”. Voltei a atuar no ramo bem mais tarde, como repórter da Fórmula Indy, viajando o mundo. Reconheço que é uma luta evitar o lugar comum e que me rendi muitas vezes à cobertura esquemática, aquela em que você confunde o esporte com as emoções pessoais dos competidores, um truque conveniente quando se trata de atrair o público. É o que chamo de “personagismo”.
Ao olhar em retrospectiva, no entanto, fico pasmo de ver a longevidade de alguns destes lugares comuns da chamada “crônica esportiva”. Essa história de que camisa ganha jogo, por exemplo. Ouço isso desde a Copa do Mundo do México, em 1970, quando ainda não trabalhava no jornal. Ouvi isso nas copas que cobri pessoal ou indiretamente (1990, na Itália; 1994, nos Estados Unidos; 1998, na França; 2002, com reportagens especiais na Índia, Serra Leoa, El Salvador e Honduras; e 2006, em Gana).
Diz-se que esta ou aquela seleção ganha jogo por conta meramente da tradição. Do peso da camisa. Um lugar comum derrotado espetacularmente na Copa da África do Sul, quando a campeã mundial e a vice foram eliminadas ainda na primeira fase.
Aceito que existam “escolas de futebol” distintas e que a força destas escolas seja maior ou menor, dependendo da geração de jogadores. Há escolas, como a do Uruguai, que às vezes mergulham em sono profundo, para renascer mais adiante. Há escolas que surgem e se consolidam, como parece ser o caso agora dos Estados Unidos e do Japão.
Mas a ideia de que uma simples camisa ganha jogo é tão absurda que deveria pertencer à categoria do “sobrenatural de almeida”, o personagem de Nelson Rodrigues que salvava goleiros, defendia pênaltis e fazia gols no Maracanã. Só aceitamos este absurdo porque estamos anestesiados pela quantidade de idiotices e lugares comuns que nos são servidos cotidianamente sob o rótulo de “jornalismo esportivo”. Pelo menos lá atrás, no tempo do Nelson Rodrigues, os cronistas e narradores edulcoravam suficientemente os jogos a ponto de fazer um Juventus x Noroeste parecer um confronto de titãs na rua Javari.
A televisão acabou com os gols espetaculares, os dribles mágicos e os ataques infernais narrados pelo Fiori Gigliotti (“Conhaque Presidente, uma bebida quente, uma dilícia de conhaque”) e nos deu, em troca, estatísticas sobre quantas vezes o jogador cospe em campo. O lugar comum, este é o mesmo desde quando o Noroeste era escalado assim: Roque, China, Tecão, Araújo e Dé; Lorico e Zé Mário; Jáder, Zé Rubens, Rodrigues e Julinho. Se tradição ganhasse jogo o Noroeste, que é de 1910, seria campeão brasileiro.
Comentários
Alex
se serve de consolo, perdemos para uma seleção que é finalista e também é uma escola de futebol já faz algum tempo (quem não lembra da reedição da Laranja Mecânica com Gullit, Van Basten Rijkard???))…poxa, se o Brasil tivesse sido eliminado pelo Chile, vá lá…o grande pecado do Dunga foi cair nas oitavas, se tivesse levado a seleção até as semifinais teria garantido mais duas transmissões da Globo com a seleção, todos os patrocinadores estariam satisfeitos e ganhar ou perder seria colateral…aliás, essa talvez tenha sido a Copa mais politizada dos últimos tempos, já entrou pra Histõria o Dia Sem Globo e tantos outros debates acalorados surgidos no decorrer do certame
Filipe
Pergunta pros ganeses se não ganha…
Leandro Braga
Na verdade, tradição no futebol significa, como diz o Azenha, escolas consolidadas ou emergentes. O caso do Brasil, é um bom exemplo da mistura de "um jeito" característico e difundido de praticar e ensinar futebol pelos campos do país com o seu enraizamento cultural, indiscutível . E é claro, da profissionalização do esporte, sem a qual tínhamos ficado pra trás. Por isso estamos sempre nas cabeças. E por estarmos sempre nas cabeças, nossa "camisa" tem peso. Alemanha, Itália e Argentina são outros exemplos verdadeiros. França e Inglaterra, nem tanto.
Agora, é justamente a profissionalização e a mercantilizaçã do futebol pelos quatros cantos do mundo que o tornou mais equilibrado, relativizando o tal "peso da camisa".
Não há nada místico. Mas não se pode negar que uma linguagem um tanto espiritual e romântica sempre caiu muito bem na crônica do esporte.
Gerson Carneiro
Houve um tempo em que camisa ganhava jogo.
Foi quando existia o "Camisa 10".
» Azenha e o lugar-comum
[…] muito esse texto do Luiz Carlos Azenha. Foi originalmente publicado aqui. Reproduzo-o no caldeirão, devidamente autorizada (o/) pelo autor. Mas vou voltar à questão […]
Manedentista
Pode até não ganhar, mas algumas são bonitas pra danar! No Rio de Janeiro, existe uma tricolor (tricolor, não é de 3 cores como outras por aí) nas cores branca, grená e verde, que dá gosto de ver! Vai ser bonita assim, sô!
Hans Bintje
Azenha:
Camisa ganha jogo, sim. Acho impossível discordar de Assis Valente e sua "Camisa Listrada":
Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí
Em vez de tomar chá com torrada ele bebeu parati
Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega leão
Tirou o anel de doutor para não dar o que falar
E saiu dizendo eu quero mamar
Mamãe eu quero mamar, mamãe eu quero mamar
Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega leão
Levou meu saco de água quente pra fazer chupeta
Rompeu minha cortina de veludo pra fazer uma saia
Abriu o guarda-roupa e arrancou minha combinação
E até do cabo de vassoura ele fez um estandarte
Para seu cordão
Agora a batucada já vai começando não deixo e não consinto
O meu querido debochar de mim
Porque ele pega as minhas coisas vai dar o que falar
Se fantasia de Antonieta e vai dançar no Bola Preta
Até o sol raiar
Carlos F.
Azenha,
Na Copa do Mundo camisa ganha jogo sim senhor. Brasil, Itália e Alemanha somam 12 títulos. O dobro da soma de todos os títulos das demais seleções que também venceram.
Polengo
Camisa não ganha jogo, e logo logo, quantas cusparadas o meliante deu em campo não ganhará mais audiência.
Giovani Montagner
exato, está copa derrubou mitos. é notória a mudança do, digamos, "eixo futebolistico", a dominação das seleções européias decresceu fortemente e vemos a consolidação da coletividade sobre a individualidade.
critico a padronização do estilo de jogo, não existe mais mais a maneira de jogar daquela ou dessa seleção, a exceção do méxio e da holanda, como também a falta de criatividade e técnica das equipes, possivelmente seja reflexo da ascensão do futebol de resultados e da padronização dos jogadores para o mercado europeu, como já disseste em postagem anterior.
Gilberto Rozzoline
Minha conclusão: a TV tirou o encanto do rádio…
Dunga acaba de tirar o encanto da TV…
Não teremos mais reportagens dentro do ônibus da seleção, nem nos quartos dos jogadores.
Acabou o mundo encantado da Globo.
Jairo_Beraldo
Acabou nada. O Império vai Contra Atacar….espere só para ver!
Cáustico;)
E pq tu em vez de assistir o jogo na TV nao ouve no rádio? rsrsrs
Dil
Itália volta pra casa. Algum problema, Calazans?
2010: No melhor jogo da Copa do Mundo, Eslováquia vence de 3×2 e manda a Itália de volta pra casa!
É senhores doutores analistas da bola, não tem jeito, definitivamente vocês terão que sair da acomodação e rever seus conceitos sobre esse esporte que, diga-se de passagem, já estão atrasados em pelo menos 30 anos,…Pra alguns acho que é tarde demais.
Mc_SimplesAssim
Camisa pode não ganhar jogo, mas impõe respeito.
Ou será que o Japão ou EUA ganharia uma final do Brasil?
Acho difícil.
Apesar que hoje em dia o futebol anda homogeneamente ruim.
Joao
não ganham porque não tem futibol para tanto, apenas isso. Pelo Brasil que joga não são as "amarelinhas" mas sim Kaka, Robinho e os demais. Pega onze caras no meio da rua, veste as "amarelinhas" bota em campo e ve quem joga se os caras ou as "amarelinhas.
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