Camisa do Flamengo que Bolsonaro deu a Xi vai custar caro ao motorista brasileiro
Tempo de leitura: 8 minPor Luiz Carlos Azenha
Em meio ao julgamento da prisão em segunda instância no Supremo Tribunal Federal (STF), o fracasso do chamado megaleilão do pré-sal ficou em segundo plano.
O governo Bolsonaro arrecadou R$ 69 bilhões, quando esperava arrecadar R$ 106 bi.
Vendeu apenas dois dos quatro campos oferecidos na bacia de Santos. Ambos, “coincidentemente”, para a Petrobras.
Só duas empresas estrangeiras participaram: ambas estatais chinesas, a CNODC e a CNOOC, que ficaram juntas com 10% de um dos campos, o maior de todos, Búzios.
Pode ter sido resultado da recente visita do presidente Jair Bolsonaro a Xi Jiping. Os chineses vão entrar com R$ 6,8 bi em bônus de assinatura.
Em troca, ficam com petróleo estimado em 315 milhões de barris.
A Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET) publicou uma nota em que colocou o fracasso do leilão entre aspas:
Em reação ao resultado do Leilão dos Excedentes da Cessão Onerosa, onde arrecadou menos do que esperava, o governo discute mudanças nas regras para os leilões para exploração de petróleo nas áreas do pré-sal, e não descarta a revogação do regime de partilha, com a adoção do regime de concessão para todas as áreas a serem leiloadas.
Apoie o VIOMUNDO
A ideia também foi defendida pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmando que pretende trabalhar com o governo para corrigir eventuais ajustes para leilões futuros. Segundo ele, “o sistema de partilha tende a atrapalhar” nos certames.
Para o presidente da AEPET, Felipe Coutinho, “as multinacionais privadas e o governo querem acabar com o regime de partilha e a preferência de operação da Petrobrás. Querem acabar com a definição do polígono do pré-sal. Querem tudo no regime de Concessão no qual ganha quem paga com mais papel pintado de verde.”
“Trata-se da agenda das multinacionais privadas e estrangeiras do petróleo — controladas pelo sistema financeiro — que foi adotada desde o governo Temer”, concluiu Coutinho.
Há uma explicação que vai mais fundo.
O radialista e sindicalista Jerry de Oliveira escreveu em sua página do Facebook que o megaleilão foi uma “pedalada fiscal” do governo Bolsonaro, uma forma de transferir dinheiro dos cofres da Petrobras para o Tesouro antes da privatização.
De bônus de assinatura, a Petrobrás vai pagar mais de R$ 60 bi. Parte chegará efetivamente à União, estados e municípios.
No que realmente interessa, a Petrobras tem acesso garantido ao gigantesco poço de Búzios, de onde espera tirar com os chineses 3,15 bilhões de barris. Quase 70% de toda a oferta do leilão.
Mamão com açúcar precedendo uma futura privatização.
Agora, o “fracasso” do leilão pode ser usado como argumento não só para tentar privatizar a empresa, mas para cumprir a promessa feita pelo senador José Serra à Chevron durante a campanha eleitoral de 2010, quando o tucano se candidatou ao Planalto pelo PSDB.
Coincidentemente, logo depois do “fracasso” do leilão, o ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, passou a vociferar contra o regime de partilha, atribuindo a ele a falta de interesse de empresas estrangeiras.
No Brasil, elas se reúnem num lobby chamado IBP, o Instituto Brasileiro de Petróleo.
Relembrando o vazamento do Wikileaks, foi de um telegrama da embaixada dos Estados Unidos a diversos organismos do governo norte-americano, então sob Barack Obama.
A mensagem relatava a oposição de José Serra, provável candidato do PSDB ao Planalto, ao projeto que criou o regime de partilha, sancionado pelo ex-presidente Lula em 22 de dezembro de 2010.
Pré-candidato, Serra disse a Patrícia Pradal, executiva da Chevron e hoje vice-presidente de exploração e produção do Instituto Brasileiro de Petróleo Gás e Biocombustíveis, o lobby das petroleiras:
“Deixe os caras do PT fazer o que quiserem. Não haverá ofertas e então vamos mostrar que o velho modelo funcionava… e vamos mudá-lo de volta [para o regime de concessão]”.
Serra foi autor do projeto sancionado em 29 de novembro de 2016 que tirou da Petrobrás o direito de preferência e participação mínima obrigatória de 30% nos blocos leiloados no regime de partilha.
Como se sabe, o senador José Serra sempre defendeu que a Petrobrás se concentrasse na exploração de petróleo — deixando de lado o refino e a distribuição, por exemplo — diferentemente do que fazem as empresas que se inscreveram no megaleilão do pré-sal mas não deram lances: a britânica BP, as norte-americanas Chevron e ExxonMobil, a anglo-holandesa Shell, a francesa Total e a estatal Petronas, da Malásia, empresas integradas que investem em tecnologia de ponta, dentro e fora do setor de energia.
Uma empresa que investe do poço à bomba aumenta imensamente sua margem de lucro e sua capacidade de investir em novas tecnologias, beneficiando seus acionistas privados ou, no caso das estatais, permitindo a seus governos que financiem políticas públicas.
Além das chinesas, que estão interessadas em regular os preços internacionais do petróleo, abastecer o imenso mercado chinês, aprender a tecnologia do pré sal e fazer a política externa de Xi, estão no Brasil empresas estratais como a Equinor (ex-Statoil), da Noruega, e a Petronas, da Malásia.
Será que algumas empresas trocaram sinais de fumaça e decidiram juntas não participar do leilão?
Se fizeram isso, foi através dos contatos estabelecidos dentro do IBP?
Em setembro de 2015, o consultor legislativo Paulo César Ribeiro fez um estudo sobre os regimes de partilha e concessão para instruir o andamento de um projeto do deputado Mendonça Filho, do DEM, que acabou sendo substituído pelo de Serra.
Mendonça, à época, propunha extinguir a partilha, pura e simplesmente.
Paulo César escreveu no estudo (íntegra abaixo):
Desde que o governo Temer assumiu, a Petrobras reduziu o ritmo de produção em suas refinarias, que pretende privatizar.
Passou a importar gasolina e óleo diesel dos Estados Unidos.
E a cobrar, nas bombas, dos brasileiros, preços do diesel e da gasolina que flutuam de acordo com o mercado internacional, cotado em dólar, embora o salário aqui seja pago em real.
Pelo regime de concessão que Serra, Paulo Guedes e as petroleiras querem adotar, o que realmente importa é que o ritmo de produção será ditado fora do Brasil.
Brasília não vai apitar quase nada na formação do preço da energia produzida em massa na costa brasileira.
Isso é bom para os grandes consumidores internacionais de petróleo, dentre os quais a China e os Estados Unidos, que podem adotar um ritmo de produção de acordo com seus interesses, desconsiderando os do Brasil.
Isso é bom para as grandes empresas estatais e privadas estrangeiras, que terão acesso a reservas comprovadamente existentes, cujo custo de prospecção foi bancado pelo Tesouro brasileiro desde que Getúlio Vargas criou a Petrobras.
Operadoras gigantes como a Halliburton, com fortes conexões com serviços de inteligência, podem ter tido acesso a informações sigilosas da Petrobras através da espionagem da National Security Agency (NSA), revelada pelos documentos vazados por Edward Snowden.
Agora, podem perfeitamente dispensar a expertise da Petrobrás ou transformar a empresa brasileira numa prestadora de serviços de luxo, uma furadora de poços devidamente esquartejada (sem refinarias, sem distribuidora).
A espionagem dos EUA comprovadamente grampeou não apenas a presidenta Dilma Rousseff, mas embaixadores e assessores econômicos dela em 2011, deixando claro tratar-se de arapongagem que não tinha relação com o combate ao terrorismo, mas de caráter comercial.
Um dos focos da espionagem de então teria sido o megacampo de Libra, descoberto em 2010, hoje operado pela Petrobras (40%) com participação da Shell (20%), Total (20%) e das duas empresas chinesas (20%).
Como se vê, as gigantes norte-americanas ficaram fora do consórcio.
Além disso, não se sabe por quanto tempo a NSA monitorou os computadores da Petrobras.
“A Petrobras é a [empresa] número um no mundo em explorar petróleo no mar. E o pré-sal existe em qualquer lugar do mundo: na África, no Golfo americano, no Mar do Norte. Então, se eu detenho essa tecnologia, posso tirar [petróleo do] do pré-sal onde eu quiser”, afirmou à época Adriano Pires, sócio-fundador do Instituto Brasileiro de Infraestrutura.
A teoria de que o “fracasso” do leilão merece aspas ganha forças com a reação da economista Míriam Leitão, do Grupo Globo, cujos proprietários militam pela privatização do pré-sal.
Num podcast do diário direitista carioca O Globo, Míriam afirmou textualmente que “tudo na lei de partilha é mais complicado do que no regime de concessão”.
A comentarista previu que os dois campos que não foram leiloados, os de Sépia e Atapu, na bacia de Santos, serão vendidos numa próxima rodada, prevista para 2020, no regime de concessão.
Sépia poderá produzir até 2036, segundo a Agência Nacional do Petróleo, com estimativa de 115 milhões de metros cúbicos de gás e 5 bilhões de barris de petróleo.
Os campos pelos quais a Petrobrás não se interessou, por coincidência, são justamente aqueles em que os brasileiros teriam maior participação futura na partilha do petróleo: mesmo assim, míseros 26,23% e 27,88%.
Se forem leiloados pelo regime de concessão, o dono estrangeiro ficará com todo o petróleo de Sépia ou Atapu, pagando uma “entrada” ao Brasil.
Toma uma espelhinho, me dá o petróleo.
Isso beneficia o governo de turno, que reforça o caixa, mas prejudica o Brasil a longo prazo.
Hoje, cerca de 40% dos acionistas da Petrobras são estrangeiros. Esta fatia dos acionistas seria grandemente beneficiada pela privatização da empresa, especialmente agora que ela detém o mega campo de Búzios.
A queda imediata no preço das ações, atribuída ao medo dos investidores com o “endividamento” da Petrobras, por causa do compromisso assumido no leilão, é um argumento adicional dos que advogam pelo esquartejamento e privatização da companhia.
Um argumento falacioso, que vem sendo usado para fazer o desmanche da empresa — se Trump, falido, conseguiu dinheiro de banco usando apenas o nome, por que a Petrobras não conseguiria tendo trilhões de barris de petróleo para dar em garantia?
Porém, como José Serra não teve força política interna para acabar com a partilha já em 2016, Bolsonaro pode não alcançar este objetivo, o da privatização, em seu primeiro mandato.
Não é “coincidência” que o ataque ao pré-sal aconteça neste momento, nem que Bolsonaro seja veículo dele.
A previsão de um estudo da Empresa de Pesquisa Energética é de que o grande campo de Buzios e o pré-sal “amadureçam” por volta de 2025, quando o Brasil terá um excedente de mais de 2,5 milhões de barris diários para exportar.
Além disso, há a questão do gás natural.
Hoje o gás boliviano abastece a preços módicos todo o PIB paulista. Por isso Bolsonaro se revolta contra Alberto Fernandez, o presidente eleito da Argentina, mas não dá um pio contra Evo Morales.
O gás das reservas marítimas do Brasil, bem mais caro de tirar e transportar que o da Bolívia, cuja infraestrutura já está pronta, pode ser comercialmente mais lucrativo no futuro.
As margens de lucro, que já são grandes, passarão a ser gigantescas.
Basta olhar os gráficos da evolução da produção para constatar.
Serão tão atraentes quanto as do minério de ferro quando a estatal Vale do Rio Doce foi privatizada, em 1997, por Fernando Henrique Cardoso, o parceiro de José Serra: naquela época, a industrialização da China com capital estrangeiro amadurecia.
A China só entrou na Organização Mundial do Comércio em 2001, dois anos depois de assinar acordo comercial com os Estados Unidos, em 1999.
O minério de ferro do Pará forjou o aço da China e deu um gás à acumulação de capital, de dólares, dos endinheirados do planeta.
Diz-se, por isso, que Carajás contruiu Xangai e fez o aço das rodovias, ferrovias e arranha-céus que vieram com a globalização.
Hoje os chineses seguram Trump pelo bolso, na forma de trilhões de dólares em reservas em papéis do Tesouro dos Estados Unidos.
Agora, o pré-sal brasileiro vai garantir uma dose relativamente grande e internacional de energia barata, regulando para baixo os preços do petróleo contra os produtores cartelizados da Organização dos Produtores e Exportadores de Petróleo, a OPEP, da qual o Brasil não faz parte — mas cobrando diesel e gasolina em dólar do brasileiro, que recebe salário em real.
Venezuela e Irã fazem parte da OPEP e não por acaso são demonizados pelos Estados Unidos, pois trabalham sempre para aumentar o preço do petróleo, em choque com a Arábia Saudita, aliada histórica dos EUA que tem maior peso no cartel.
Seja como for, a longo prazo aquele uniforme do Flamengo que Bolsonaro deu a Xi Jinping, o secretário-geral do Partido Comunista da China, em troca da injeção de R$ 6 bi no leilão do pré-sal, vai custar caro ao motorista brasileiro e ao consumidor brasileiro que usa transporte público ou compra mercadoria transportada por caminhão.
Ou seja, o povão.
Não por acaso, Xi já confirmou que virá ao Brasil encontrar Bolsonaro na próxima reunião dos BRICs.
Comentários
Zé Maria
Na Globo News Jair Bolsonaro já é EX-Presidente !
https://twitter.com/i/status/1192921594315837447
Zé Maria
https://jornalggn.com.br/politica/eleicoes-politica/wikileaks-as-conversas-de-serra-com-a-chevron-sobre-o-pre-sal/
Olha o Serra cumprindo a Promessa
que fez pra Patricia Pradal (Chevron):
“Governo admitiu publicamente mudar de estratégia e
tentar trocar o regime de partilha pelo regime de concessão,
que seria mais do agrado das companhias estrangeiras.”
Jornalista Kennedy Alencar
https://www.blogdokennedy.com.br/vaza-jato-foi-fundamental-para-fim-da-prisao-em-2a-instancia/
.
Deixe seu comentário