por Luiz Carlos Azenha
Acho que foi no caderno Paladar, do Estadão, no ano passado, que li simpática reportagem sobre a produção de alimentos orgânicos nos Estados Unidos, repleta de elogios à produção em pequena escala, de gente tão ou mais preocupada com a comunidade e a saúde dos consumidores que com o lucro.
Small, como em agricultura familiar, is beautiful.
Pensei comigo: nos Estados Unidos, pode!
Irônico imaginar o texto num jornal que representa o agronegócio e sustenta que o MST é uma relíquia do tempo da Guerra Fria e que não há problema no campo brasileiro que justifique sua existência.
Hoje, no caderno Comida, da Folha, leio — outra vez surpreso — A redenção das uvas nativas, na qual Cristiana Couto e Alexandra Corvo falam de iniciativas europeias para “recuperar uvas próximas do desaparecimento” e produzir “vinhos com mais identidade”.
“Uma das vantagens de recuperar castas autóctones é que elas já estão adaptadas ao seu lugar de origem”, diz o texto a certa altura.
“O principal motivo que move os produtores é a consciência de preservar um patrimônio genético e histórico”, continua.
“‘Esse movimento não é apenas uma tendência’, ressalta Jancis Robinson [inglesa, autora do livro Wine Grapes]. Está em sintonia com a atenção à comida local e com nossa consciência cada vez maior da importância da biodiversidade'”.
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De novo, pensei: na França, na Itália e em Portugal, pode!
Sim, porque defender a biodiversidade é uma das principais propostas do MST. Por que, afinal, o movimento se volta contra o uso extensivo dos agrotóxicos e das sementes transgênicas e defende a agroecologia?
Na verdade, o MST faz parte de um despertar global para questões que dizem respeito diretamente à nossa saúde e ao nosso prazer, à preservação cultural e ao desperdício de água e recursos, como em “nova-iorquino come morangos frescos 12 meses por ano”.
Não são, certamente, firulas ideológicas, mas questões de vida ou morte.
Certa vez, a prêmio Nobel queniana Wangari Maathai nos deu uma excelente entrevista falando da importância de trazer de volta o sorgo a regiões da África onde a agricultura voltada para exportação já o havia substituído por plantas que consumiam uma quantidade muito maior de água, com o risco de desviar água de populações inteiras para a irrigação.
Não há nada mais contemporâneo, portanto, que a pauta do MST. Quanto aos jornais que acusam o movimento de ser algo ultrapassado, aparentemente o futuro deles repousa nos cadernos de Culinária.
Apreciem quatro sugestões de vídeo para os que estão chegando agora ao tema:
Wangari Maathai (13) from Luiz Carlos Azenha on Vimeo.
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Comentários
Lenine
Já não era sem tempo. Depois de décadas de subsídios, muitos deles jogados fora, era hora de produzirem alguma coisa além de baderna no campo.
abolicionista
Isso, ao contrário do agronegócio que já produziu milhares de tipos de câncer no Brasil e no mundo, e tudo na mais santa paz. Espero que você não venha reclamar quando algo do tipo acontecer com você ou alguém de sua família e apenas descanse em paz, sem revolta, sem baderna, para dormir o sono dos justos.
Jane Oliveira
Exato, companheiro. E, o suco que os companheiros do MST finalmente conseguiram produzir e colocar no mercado, contra todas as espectativas da direita golpista ligada ao agronegócio, está garantido que foi – e sempre será – produzido de forma orgânica, sem agrotóxicos e sem as sementes transgêncas.
Espero que essa iniciativa cresça, a ponto da nova empresa ganhar market-share e fazer frente às multinacionais do setor, que disseminam o câncer pelo mundo.
Maria Silva e Heloisa Helena se venderam às multinacionais.
Rodolfo Machado
Futuronomia do alimento
vandana shiva
Do site “Articulação Nacional de Agroecologia”
http://www.agroecologia.org.br/index.php/noticias/405-futuronomia-do-alimento
Vandana Shiva participa de evento da Articulação Nacional de Agroecologia na Cúpula dos Povos | Rio, junho de 2012
Artigo de Vandana Shiva, publicado no Guardian, 09/01/2013. Tradução: Bruno Prado
A crise econômica, a crise ecológica e a crise alimentar são todas reflexo de um paradigma econômico ultrapassado e fossilizado – um paradigma que surgiu da mobilização de recursos para a guerra criando a categoria do ‘crescimento’ e um paradigma que está enraizado na era do petróleo e dos combustíveis fósseis. Ele é fossilizado porque é obsoleto e porque é um produto da era dos combustíveis fósseis. Precisamos ir para além desse paradigma fossilizado se quisermos responder às crises econômica e ecológica atuais.
Economia e ecologia têm a mesma raiz, oikos, uma palavra do grego antigo que significa ‘casa’ – tanto nosso lar planetário, a Terra, quanto o lar onde vivemos nossas vidas cotidianas em família e comunidade.
Mas a economia extraviou-se da ecologia, esqueceu o lar e ficou focada no mercado. Um ‘índice de produção’ artificial foi criado para medir o Produto Interno Bruto (PIB). Este índice definiu o trabalho e a produção para autossustentação como ‘não produção’ e ‘não trabalho’, entendendo que, se você produz o que consome, você não produz. Numa derrubada cruel, o trabalho da Natureza como fornecimento de bens e serviços desapareceu. A produção e o trabalho das economias de sustentação desapareceram e, com eles, em particular, o trabalho das mulheres.
À falsa medida de crescimento é adicionada, então, uma falsa medida de ‘produtividade’. A produtividade é o resultado em relação aos fatores de produção unitários. Na agricultura, isso deveria envolver todos os produtos dos agroecossistemas biodiversos – adubos, energia e alimentos provenientes da criação de animais; o combustível, forragens e frutas das agroflorestas; os diversos produtos das diferentes colheitas. Quando medidas honestamente em termos de resultado total, pequenas unidades produtivas biodiversas produzem mais e são mais produtivas.
Os fatores de produção devem incluir todos os insumos – capital, sementes, químicos, maquinário, combustíveis fósseis, mão de obra, terra e água. Mas a falsa medida da produtividade seleciona apenas um resultado entre os diversos resultados: a única mercadoria que será produzida para o mercado; e somente um insumo entre os diversos insumos: a mão de obra.
Dessa forma, as monoculturas industriais com baixos resultados e utilização de um índice elevado de insumos químicos – que, na verdade, têm uma produtividade negativa – são artificialmente tornadas mais produtivas que as pequenas unidades de produção biodiversas e ecológicas. E isso está na raiz da falsa suposição de que as pequenas unidades produtivas devem agora ser substituídas pelas grandes fazendas industriais.
Essa medida de produtividade falsa e fossilizada está na raiz das múltiplas crises que enfrentamos na agricultura e na alimentação. Ela está na raiz da fome e desnutrição porque, enquanto as commodities aumentam, a alimentação e a nutrição desaparecem do sistema agrícola. O ‘rendimento agrícola’ mede o resultado de uma única mercadoria, não a produção dos alimentos e da nutrição.
E essa medida de produtividade também está na raiz da crise agrária. Quando os custos dos insumos continuam aumentando, mas não são contados na medição da produtividade, pequenos agricultores à margem são levados a um modelo agrícola de alto custo que resulta em dívidas e, em casos extremos, na epidemia de suicídios de agricultores que temos testemunhado.
Também está na raiz da crise do desemprego. Quando as pessoas são substituídas por escravos de energiai devido à falsa medida da produtividade baseada somente na mão de obra disponível, a destruição de modos de vida e trabalho é resultado inevitável.
Também está na raiz da crise ecológica. Quando se aumentam insumos como os recursos naturais, combustíveis fósseis e insumos químicos, mas estes não entram na contabilidade, mais água e terra são desperdiçados, mais químicos tóxicos são utilizados, mais combustíveis fósseis tornam-se necessários. Em termos de produtividade dos recursos, a agricultura industrial é altamente ineficiente. Ela usa 10 unidades de energia para produzir apenas uma unidade de alimento. Ela é responsável por 75% do uso da água, 75% do desaparecimento da diversidade de espécies, 75% da degradação do solo e da terra e 40% das emissões de gás de efeito estufa que estão desestabilizando o clima. E, de acordo com um relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) recentemente lançado, eventos extremos devidos a um clima instável causam um custo anual de, em média, 80 bilhões de dólares.
Precisamos abandonar esses indicadores falsos e fossilizados para utilizarmos indicadores reais que refletem a saúde verdadeira da Natureza e o bem-estar real da economia.
Na alimentação e na agricultura, devemos transcender a falsa produtividade de um paradigma fossilizado e abandonar o foco limitado sobre a produtividade da monocultura como único resultado e do trabalho humano como único insumo. Ao invés de destruir os pequenos agricultores e suas unidades produtivas, nós, do movimento Navdanya na Índia, estamos trabalhando para protegê-los porque são mais produtivos em termos reais. Ao invés de destruir a biodiversidade, estamos trabalhando para intensificá-la, pois ela fornece mais alimento e melhor nutrição.
A futuronomia, a economia do futuro, é baseada nas pessoas e na biodiversidade, não nos combustíveis fósseis, nos escravos da energia, nos químicos tóxicos e nas monoculturas. O paradigma fossilizado da alimentação e da agricultura nos traz deslocamento, privação, doença e destruição ecológica. Ele nos deu os suicídios dos agricultores e uma epidemia de fome e desnutrição. Um paradigma que roubou as vidas de 250.000 agricultores e milhões de modos de vida na Índia é evidentemente disfuncional. Ele leva ao crescimento do fluxo monetário e dos lucros das corporações, mas ele diminui a vida e o bem-estar de nossos povos. O novo paradigma que estamos criando nas bases e nas nossas mentes enriquece os modos de vida, a saúde das pessoas e todos os ecossistemas e culturas.
Leia sobre a participação de Vandana Shiva no relatório do Seminário Tempos de Agir, promovido pela ANA durante a Cúpula dos Povos.
(*) Artigo reproduzido do Em pratos limpos.
Movimento protesta contra financiador da Vila Isabel « Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] As uvas do MST estão maduras […]
jaime
Se você imaginar que a imprensa tradicional está a serviço dos seus patrões lá de fora, tudo vai se encaixar, vai fazer sentido. Pode até ser que recebam verba pra isso, pode ser que não, mas de qualquer forma, o alvo é manter a casa grande e a senzala, o país submisso para gáudio e glória da “elite”. Sem senzala não há elite; e se não houver senzala, no mínimo eles podem se identificar com os “sábios” da Europa e dos Estados Unidos. É uma questão emocional, além de material, econômica. Observem as notícias inúteis que enchem os telejornais, ocupando um espaço caríssimo nesse horário: a Coréia do Norte testou mais um foguete de longo alcance. É. E eu com isso? É o tipo da notícia que pode interessar aos norte americanos – e eles mandaram dizer isso. Faz de conta que o interesse deles e o nosso é o mesmo. Estamos alinhados à “maior democracia do mundo”.
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