Relator da ONU: Violência policial e marco temporal são repetição de crimes da ditadura contra os povos indígenas

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Relator da ONU trata violência policial e marco temporal como repetição de crimes da Ditadura Militar contra os povos indígenas

Observações preliminares foram divulgadas pelo relator Bernard Duhaime nesta segunda-feira, 7, com especial atenção à questão indígena

Por Assessoria de Comunicação – Cimi

O relator Especial da ONU para a Promoção da Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de Não Repetição, Bernard Duhaime, divulgou suas observações preliminares a respeito da visita que fez ao Brasil entre o último dia 30 de abril e esta segunda-feira, 7. 

O objetivo da visita foi avaliar as medidas tomadas pelas autoridades para enfrentar as graves violações de direitos humanos cometidas durante a Ditadura Militar (1964-1985).  O relator recomendou a revisão da Lei da Anistia (1979).

Para o relator, a violência policial e o marco temporal são repetições de crimes da Ditadura Militar contra os povos indígenas.

“A reforma das instituições envolvidas em violações de direitos humanos durante a ditadura é um princípio crucial da justiça de transição que visa prevenir a recorrência da violência”, enfatiza o relator.

Na 60ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em setembro, a 59ª ocorrerá em junho, Duhaime apresentará o relatório definitivo propondo a adoção de um processo abrangente de justiça de transição com recomendações específicas dirigidas às autoridades brasileiras.

Marco temporal: repetição de crimes

Duhaime prestou especial atenção à questão indígena e se reuniu com o Fórum de Memória, Verdade, Reparação Integral, Não Repetição e Justiça para os Povos Indígenas. Deste encontro, entre outros, levou observações ao seu relatório preliminar.

Conforme o relator, o atual marco legal que afeta os direitos das terras indígenas, o marco temporal e a Lei 14701/23, omite levar em conta que a ditadura já havia expulsado muitas comunidades de suas terras até o final do regime em 1985 e exige evidências de ocupação de terras indígenas em 1988.

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“A natureza dos danos sofridos por setores específicos da sociedade não foi totalmente documentada nem foi objeto de ações estatais contextualizadas de forma adequada”, conclui Duhaime.

Nega Pataxó foi assassinada por miliciano que acompanhava ataque policial a uma retomada no sul da Bahia. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Violência policial, miliciana e paramilitar

Além do histórico de perseguição aos povos indígenas durante o regime ditatorial com prisões, torturas, cerceamento da liberdade de associação, práticas de genocídio e até bombardeios contra aldeias na Amazônia, Duhaime observa a persistência da natureza desses crimes.

“Ouvi depoimentos de uma ampla gama de setores da sociedade sobre a persistência da violência do Estado nas mãos das forças policiais e armadas. Execuções sumárias, tortura e detenções arbitrárias continuam a permear a sociedade brasileira em taxas alarmantes, afetando particularmente povos indígenas, camponeses e pessoas afrodescendentes. A responsabilização por tais crimes raramente é perseguida, o que encoraja e perpetua ainda mais tais práticas”, diz no relatório.

“As ações criminosas de milícias ou grupos paramilitares contra as populações mais afetadas também não são adequadamente prevenidas ou processadas”, observa.

Para o relator, é preciso, principalmente, uma reforma na segurança pública.

A principal preocupação é em relação às operações violentas conduzidas pela polícia militar e outras agências estaduais de aplicação da lei e policiamento, com relatos de aquiescência e, às vezes, conluio de autoridades oficiais.

Entre os povos indígenas, os Avá Guarani, Guarani e Kaiowá e Pataxó são os povos que recentemente mais têm sofrido sob fogo de milícias e iniciativas paramilitares.

A Tropa de Choque da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul faz a segurança da reforma de uma ponte na Fazenda Barra, Terra Indígena Nhanderu Marangatu, retomada pelos Guarani e Kaiowá. Foto: Renato Santana/Cimi

Abordagem mais ampla sobre os crimes

Na análise do relator, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e a Comissão Nacional da Verdade (CNV) se concentraram principalmente em crimes cometidos por agências de segurança contra indivíduos por causa de suas atividades políticas, em vez de abordar todos os crimes patrocinados pelos Estados, independentemente de seus motivos ou das atividades das vítimas.

É o caso da maioria dos abusos cometidos pelo Estado contra povos e comunidades indígenas não envolvidos na resistência política contra o regime ditatorial.

“De fato, embora a Comissão Nacional da Verdade tenha fornecido um número aproximado de mais de 8.300 vítimas indígenas da repressão do Estado, com base em um número limitado de situações examinadas, isso é apenas a ponta do iceberg, como indicado por muitos interlocutores, mas também em inúmeros outros relatórios, incluindo o relatório Figueredo”, aponta Duhaime.

Além de alegações críveis de inúmeros massacres, o relator aponta os deslocamentos em massa de comunidades indígenas, grilagem de terras, tortura, desaparecimentos forçados de crianças e trabalho forçado, cometidos por agentes do Estado ou não estatais com a colaboração ou conluio de autoridades do Estado.

“Muitas dessas graves violações de direitos humanos ocorreram no contexto da expansão das fronteiras agrícolas, de grandes obras de infraestrutura, como estradas e barragens, ou como resultado da extração de indústrias extrativistas”, segue o relatório.

Grande parte dessas violações está exaustivamente documentada nos arquivos do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Cena do filme ”Arara”, de Jesco Von Puttmaker, onde desfile militar mostra indígena preso a forma de tortura comum durante a Ditadura Militar, o chamado “pau de arara”

Ditadura militar nunca mais!

De 1964 a 1985, o Brasil foi governado por uma ditadura militar. Durante as quase duas décadas de governo ditatorial, a oposição política foi suprimida, os direitos e liberdades fundamentais foram anulados.

Grupos vulneráveis foram ainda mais marginalizados e graves violações dos direitos humanos, incluindo execuções extrajudiciais, tortura, desaparecimentos forçados, violência sexual e detenção arbitrária foram cometidas contra uma variedade de grupos sociais que se opunham à ditadura.

Nisto se incluem opositores políticos, sindicalistas e outros trabalhadores, estudantes, jornalistas, camponeses, povos indígenas e pessoas afrodescendentes.

Violações de direitos econômicos, trabalhistas, sociais e culturais, incluindo o direito de acesso à terra e aos recursos naturais, sustentaram o processo. A repressão estatal foi, em muitos casos, alimentada pelo apoio político e material de atores econômicos e empresas privadas.

O Alto Comando das Forças Armadas e o Ministério da Defesa se negaram a se reunir com o relator durante a visita, “limitando insights sobre o status destas reformas internas”.

Os órgãos poderão enviar informações por escrito até o final de abril de 2025.

*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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