Professor de Minas diz que feministas são “muiezada” horrorosa e que negros não reagiram à escravidão; denunciado, recebeu apoio de alunos; ouça o áudio
Tempo de leitura: 9 minProfessor Fabiano Zica, Jair Bolsonaro e Olavo de Carvalho: amigos virtuais. Divulgação, Agência Brasil e reprodução You Tube
por Conceição Lemes
A Faculdade UNA Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, tem dois coletivos criados e tocados por estudantes bastante atuantes.
O Não Me Kahlo, cuja pauta são as questões LGBT, gênero e raça.
E o Não Ficará em Branco, voltado especificamente para as questões étnico-raciais.
São parceiros em várias atividades, como na quarta-feira da semana passada (22/08), quando denunciaram um professor da instituição.
Às 14h40, os dois coletivos postaram um áudio de 3min30s no canal do Não Me Kahlo no You Tube.
Nenhum nome é mencionado. Apenas pedem que se escute o que um professor da UNA diz durante a aula:
“Não haveria escravidão se o negro não consentisse com ela, nunca teve nada a ver com cor”
“Um amigo meu diz que Deus deu um castigo às feministas (…) Cuidado, viu, se a senhora intitula como tal! Coloca ’feminista’ no Google e coloca imagens. Você vai ver que ’muiezada’ horrorosa”
“Mulher não tem que se empoderar, o maior poder que a mulher tem é de gerar a vida”
“Do ponto de vista filosófico, o feminismo não faz o menor sentido porque a mulher é, de fato, diferente do homem”
“O feminismo que busca espaço pra mulher na sociedade…gente, a razão é muito simples, a mulher tem menos disponibilidade”
“Por que a mulher ganha menos no mercado de trabalho?! Porque ela tem menos disponibilidade”. Quem tem menos disponibilidade, ganha menos. C’est fini”
“‘ah, isso é culpa da sociedade patriarcal que faz a mulher cuidar dos seus filhos!’ Isso é característica”
“O mercado de trabalho valoriza características masculinas, homem não é ’mimimi’ […], mulher é ’mimimi’”
“A mulher ’mimimi’ não vai atingir cargos de gestão”
“O homem homossexual ’mimimi’ também não vai atingir cargos de gestão”
“Por que o homem homossexual acaba atingindo grandes cargos? Porque ele tem disponibilidade, o heterossexual vai ter família, vai ter filhos, isso tira disponibilidade, isso empobrece”
“Eu queria que alguém tivesse a ousadia de fazer a marcha dos ’gente’ […] dia da consciência humana”
“Você quer ver um negócio absolutamente preconceituoso? Feminicídio. Homicídio quer dizer matar um ser humano, então mulher não é ser humano?”
“Feminicídio. Lei do feminicídio. Matar uma mulher é pior do que matar outra pessoa? Isso é preconceituoso”
“O Brasil só prende 0,5% dos assassinatos, matar alguém vale a pena, pode matar alguém que a chance de ser preso é mínima”
Confira o vídeo abaixo.
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Às 16h40, o blog Esquerda Diário publicou: Professor da UNA Contagem dá uma “aula” cheia de machismo, racismo e LGBTfobia.
No post, identifica Fabiano Zica como o dono da voz no áudio.
Fabiano Zica leciona as disciplinas Gestão Tributária e Filosofia e Ética no curso de Administração da UNA Contagem.
Ele é advogado e membro da Comissão de Direito de Família da Ordem dos Advogados de Minas Gerais (OAB-MG).
Rapidamente, a direção da faculdade reagiu.
Às 17h36, divulgou nota oficial (na íntegra, ao lado) sobre o caso.
O professor se manifestou apenas no dia seguinte, 23 de agosto, por volta das 15h.
Ou seja, 24 horas após o áudio cair na web e 21 horas depois da UNA dizer em nota que não tolera qualquer tipo de discriminação em suas instalações e que já havia aberto processo administrativo para apurar a denúncia.
O professor fez uma longa postagem em sua página no Facebook e divulgou nota à imprensa (na íntegra, clique aqui), na qual se defende.
Ele diz, entre outras coisas, que ministrou uma aula de 1h30 sobre preconceito:
1 – Esta aula de 90 minutos foi resumida por um estudante em 14 frases que, para serem pronunciadas não tomam mais que 2 minutos e que, se olhadas em separado, causam desconforto até a mim mesmo.
2 – Estas frases soltas e tiradas do contexto não refletem a minha opinião como ser humano e muito menos como professor.
3 – As frases citadas foram ditas dentro do contexto de hipóteses usadas para justificar como o preconceito é muitas vezes verbalizado e não como ponto de vista próprio.
SEGUIDOR DE JAIR BOLSONARO, FILHO E OLAVO DE CARVALHO EM REDE SOCIAL
“Diz-me com quem andas, te direi quem és”, apregoa um antigo provérbio, ou “quem queres ser”, enuncia uma versão adaptada.
Basta rápida busca em redes sociais para descobrir que o professor Fabiano Zica é amigo virtual e seguidor de conhecidas pessoas de extrema-direita, como o filósofo Olavo de Carvalho, o deputado federal Jair Bolsonaro, candidato à Presidência da República, e o filho dele, o também deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL/RJ).
Automaticamente, vem a pergunta: o provérbio acima valeria para Zica?
Coincidência ou não, as falas denunciadas expressam o pensamento dos três amigos virtuais.
Assim como se casam com conteúdo do próprio professor ou compartilhado/curtido por ele em seu perfil de rede social.
Os prints abaixo, de diferentes datas, sugerem essa sintonia. Eles também nos permitem identificar o posicionamento ideológico do professor, claramente alinhado à direita.
O REPÚDIO ÀS FALAS DO PROFESSOR; OAB/MG CALADA ATÉ AGORA
As falas do professor Zica em sala de aula foram logo repudiadas por juristas renomados, como os professores Marcelo Cattoni, titular de Direito Constitucional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Gisele Cittadino, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).
“Na quarta à noite, dia 22, quando ouvi o áudio postado em alguns grupos de whatsaap, principalmente de professores, fiquei em choque com as violências ditas”, diz ao Viomundo a professora Isabela Corby, advogada apoiadora da Assessoria Popular Maria Felipa e doutoranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“Como não sou da UNA, procurei informar-me mais sobre o professor, contatei os alunos que fizeram a denúncia”, prossegue.
Na manhã do dia seguinte, 23 de agosto, Isabela e as também professoras Gabriela Moura, Bárbara Lobo e Maria Walquíria Cabral concluíram que era necessário um posicionamento público que exteriorizasse a gravidade do caso.
“É inconcebível um ensino, uma Educação que não tenha em sua base a defesa da diversidade de raça, classe e gênero, do pluralismo constitucional e do Estado Democrático de Direito, onde caibam todas e todos sem qualquer exclusão físicas e simbólicas”, argumenta Isabela.
Na própria manhã de 23 de agosto, as quatro começaram a redigir nota de repúdio às falas do professor Zica e apoio aos estudantes que fizeram a denúncia.
A nota teve a adesão de pessoas de todos os setores sociais (leia a íntegra clicando aqui).
No dia 24 de agosto, por volta das 18h, as professoras Isabela, Gabriela, Maria Walquíria e Bárbara divulgaram-na nas redes sociais, sob o título “Não são tempos de silêncios!” Os mais de 100 signatários exigem:
i) respeito às garantias constitucionais da ampla defesa e contraditório, convidamos o professor Fabiano Zica para que, em ato público e oral, explique os conceitos que tentou produzir em suas falas, dizendo quais os significados de feminismo, LGBTQI+ e população negra devem ser construídos em um país democrático, principalmente por estudantes de Direito, público a quem se direcionou
ii) que a instituição UNA, como resposta ao ocorrido realize atividade acadêmica, com ampla publicidade, sobre as temáticas abordadas pelo dito professor voltadas para esclarecimento e respeito da diversidade humana e tenha como prioridade no seu plano pedagógico uma formação transversal das lutas e conquistas de direitos das minorias sociais tanto para seu corpo docente e discente ;e
iii) posicionamento público da OAB/MG sobre o ocorrido, em especial por parte da Comissão de Família.
Detalhe: até o momento da postagem desta reportagem, a OAB/MG não havia se manifestado.
Os únicos que se posicionaram foram os advogados Willian Santos, presidente da Comissão de Direitos da OAB/MG, e Gilberto Silva, presidente da Comissão da Igualdade Racial.
Os dois estão entre os mais 100 signatários da nota contra as falas de Zica (veja os nomes de todos signatários, clicando aqui) .
MANIFESTAÇÕES DE ALUNOS CONTRA E A FAVOR DO PROFESSOR
A carta do professor Zica, reiteramos, foi divulgada no dia seguinte à denúncia, 23 de agosto, por volta 15h.
A essa altura, a polêmica corria solta nos corredores e salas de aula da faculdade.
Manifestações contra e a favor do professor já estavam sendo organizadas.
Nas redes sociais e no grupo de whatsapp do curso de Administração da UNA, o contingente dos que o defendem é bem maior.
Foi criada até hastag a favor: #ZicaTemMeuApoio
“Agora, é hora de defendermos o Zica”, diz um aluno no grupo de zap. “Reunião, hoje, galera, não faltem”.
Estes prints dão uma ideia do apoio.
O Viomundo teve acesso à íntegra do áudio (ouça logo abaixo), que os coletivos Não Me Kahlo e Não Ficará em Branco forneceram à direção da faculdade e reproduzimos abaixo.
Dura 32min59s.
Alguns detalhes chamam a atenção:
*Estudantes riem quando o professor solta falas homofóbicas, racistas, machistas, sugerindo possível concordância. Atente aos 10 minutos finais.
* Aparentemente professor e alunos se divertem com o achincalhe.
*Eles aceitam naturalmente as falas discriminatórias do professor.
* Publicamente, durante a aula, nenhum estudante contesta.
Confira o áudio.
— Por que esse tipo de reação, já que são jovens e a rigor teriam a cabeça mais aberta? – alguns já devem estar questionando.
Talvez por terem maior afinidade ideológica com o professor e rejeitarem pautas mais progressistas.
Estudantes de Administração — não é exclusividade da UNA – costumam ser mais conservadores.
A UNA é uma faculdade privada; a mensalidade do curso de Administração custa R$ 1.500.
Logo, para frequentá-lo, é preciso o estudante recorrer a financiamentos ou ser proveniente de família com melhor condição financeira, que também tende a ser mais conservadora.
A combinação dessas duas tendências conduz a uma terceira: a concordância (inicialmente) e agora a conivência (após a denúncia) de boa parte dos estudantes do curso de Administração com o professor Zica.
— Por que os alunos parecem aceitar naturalmente as agressões do professor?
Possivelmente por terem o mesmo perfil ideológico e rezarem pela cartilha do conservadorismo.
Pessoas mais à direita tendem a ser mais homofóbicas, racistas e machistas. Do contrário, não ririam. Esse é um dos termômetros de uma visão reacionária de mundo.
A essa altura, talvez alguns leitores questionem com base na conivência sentida no áudio ou no que leram no perfil de Fabiano Zica no Facebook:
— Por que nenhum estudante contesta publicamente o professor na aula?
— Por que dos 58 estudantes da classe só um reclamou?
De fato, apenas um aluno levou o caso à direção da UNA, mas isso não significa que os outros 57 sejam todos Zica.
Provavelmente há outros que discordam das falas discriminatórias.
Porém, por sentirem intimidados pelo fã clube do professor, se calam.
De qualquer forma, se a intenção da aula era combater os preconceitos, do jeito que o tema estava sendo ministrado pode produzir efeito oposto. Leia-se: naturalizar o preconceito, reforçando-o ou estimulando-o.
PROTESTO
No final da tarde de 23 de agosto houve protesto de estudantes contra o professor Zica.
Mas houve também manifestação a favor.
O grande apoio ao professor pode ser medido no vídeo abaixo, quando os dois grupos se “encontram”.
Os apoiadores vaiam das galerias; os contrários, pacificamente, encaram e prosseguem o protesto com palavras de ordem contra Zica, racismo, machismo e homofobia.
Para quem está de fora, há um momento hilário.
De repente, os apoiadores de Zica recorrem ao gingle contagiante das campanhas do presidente Lula: “Olê, olê, olê, olá…”
No finzinho, ops!, trocam Lula por Zica.
Confira no vídeo abaixo.
1ª DENÚNCIA É DE FEVEREIRO; PROFESSOR ESTÁ AFASTADO ATÉ O FINAL DO ANO
Os comentários mais frequentes entre apoiadores do professor são estes: 1)”Ah, mas foi um fato isolado”; 2) “O áudio foi editado e publicado fora do contexto”, reproduzindo a defesa de Zica.
“Não é a primeira vez que isso acontece”, afirma um integrante dos coletivos.
“Ele sempre se dirige assim aos estudantes em sala de aula. Infelizmente, nenhum aluno até agora o tinha enfrentado”, prossegue.
Os coletivos Não Me Kahlo e Não Ficará em Branco receberam a primeira denúncia contra Zica em fevereiro de 2018.
Era um áudio, no qual Zica fala do “mimimi:
“O mercado de trabalho valoriza características masculinas, homem não é ’mimimi’ […], mulher é ’mimimi’”
“A mulher ’mimimi’ não vai atingir cargos de gestão”.
“O homem homossexual ’mimimi’ também não vai atingir cargos de gestão”.
“Porque o homem homossexual acaba atingindo grandes cargos? Porque ele tem disponibilidade, o heterossexual vai ter família, vai ter filhos, isso tira disponibilidade, isso empobrece”.
“Sabíamos que é muito influente na UNA, querido por alunos; se não tivéssemos provas cabais, não teríamos credibilidade e o caso daria em nada”, observa.
“Daí, a nossa estratégia de acumular provas, inclusive gravando os áudios das aulas, e montar um dossiê”, frisa
São oito horas de aulas gravadas.
“Para aqueles que tentam desqualificar a nossa denúncia, aviso: não adulteramos NADA”.
Quanto ao áudio postado no You Tube em 22 de agosto, ele explica: “Juntamos o áudio da primeira denúncia [é este acima, de 21 de fevereiro de 2018] com um trecho da aula de 21 de agosto, onde ele fala sobre escravidão e feminicídio”.
Tudo isso está bem detalhado na nota de esclarecimento dos dois coletivos de estudantes, logo abaixo.
A propósito 1: eles entregaram à Comissão de Ética do Grupo Ânima (holding que gerencia a UNA e responsável por conduzir o processo administrativo contra Zica) todo o dossiê, inclusive as oito horas gravadas de áudio.
Na nota de esclarecimento, eles informam que além de enviar todos arquivos, deram uma sugestão ao conselho:
(…) sugerimos ao conselho, que durante a auditoria fosse realizado perícia técnica para atestar a fidedignidade dos áudios, com objetivo de sanar qualquer desconfiança de manipulação, recorte ou fraude dos áudios.
A propósito 2: sobre a situação do professor Zica, a direção da UNA, em nota ao Viomundo, informa:
O professor solicitou, de maneira espontânea, licença de suas atividades acadêmicas neste 2º semestre de 2018. O processo administrativo para apuração dos fatos está em andamento.
Porém, segundo os dois coletivos, a informação que receberam é a de que Fabiano Zica estaria suspenso
Insistimos com a assessoria de imprensa. A UNA repetiu a nota acima.
Leia aqui a íntegra da nota publicada pelos coletivos de estudantes da UNA.
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Comentários
Glaucia
Leis não mudam a cabeça das pessoas. A lei Maria da Penha e ótima e tem uma boa intenção. Mas é preciso muito mais que leis para mudar cabeças, e preciso educação. É preciso educar o povo.
E a educação no Brasil e de péssima qualidade tanto na família como na escola.
Falar o que desse professor, nada. Ele é só mais um de milhões de brasileiros que pensam igual a ele.
Basta olhar as cadeias que se constata isso.
Edgar Rocha
Os alunos dos coletivos estão de parabéns!!! Inaceitável que o meio universitário, independente do poder aquisitivo ou extrato social de seus alunos, aceite passivamente afirmações abusivas em sala de aula. A academia, por vezes, se acha acima do bem e do mal e conta com apoio de setores do meio estudantil. Há razões para isto: o fisiologismo de alunos, as prerrogativas institucionais oferecidas ao profissional, as ameaças, o apoio corporativo de colegas e superiores. Só discordo da afirmação que o conservadorismo tende a ser mais preconceituoso. Teríamos que acreditar que todo conservador se declara como tal, o que não é o caso. E mesmo que o dito cujo se declarasse de esquerda, não seria mais “bunitim” o que ele disse. Eis a questão.
ana s.
Parem o mundo que eu quero descer! Essa onda reacionária tá demais pra mim. Nunca pensei em testemunhar esse retrocesso no final da minha vida.
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