Vanessa Gonçalves* | 03/10/2012 14:00
Entre as áreas mais difíceis e incômodas para cobertura – sobretudo no jornalismo diário – está a editoria de polícia. Seja pelas pautas sempre áridas, seja pelo contato frequente com temas que, vira e mexe, acabam “desagradando” um ou outro lado. Não é raro que membros da polícia se sintam “ofendidos” por abordagens da imprensa, principalmente quando noticiados, por exemplo, casos de abusos de poder, violência sem justificativa e ações de milícias.
Recentemente, o jornalista André Caramante, da Folha de S.Paulo, que atua na área há 13 anos, tornou-se mais uma vítima desse imbróglio. Há cerca de três meses, o repórter vem recebendo ameaças – umas veladas, outras nem tanto – que partiriam de Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, ex-chefe das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) e candidato a vereador pela cidade de São Paulo pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), assim como de seus seguidores e eleitores.
Segundo Caramante, tudo começou quando, incomodado com a cobertura jornalística do repórter, o ex-chefe da Rota usou sua página pessoal no Facebook para expor sua opinião acerca do tema. “Resolvemos fazer um texto para falar sobre a página pessoal do Paulo Telhada, onde ele chamava suspeitos de vagabundos e dizia que tinham que morrer mesmo”, conta o jornalista.
A pressão sobre o jornalista começou ainda na internet, quando diversas pessoas reproduziram as palavras do ex-chefe da Rota. “Muitas pessoas abriram o eco pelo que ele havia escrito, com os mais variados comentários, como ‘bala nesses vagabundos mesmo e em quem defende vagabundo também’ ”. O repórter defende sua atuação como jornalista e reafirma não ter partidarismo para defender policiais ou criminosos. “Não estou aqui para defender A ou B. Defendo o cumprimento da lei.”
BODE EXPIATÓRIO
A partir de então, a paz para exercer seu ofício terminou. Toda e qualquer matéria de Caramante publicada no site da Folha era bombardeada por comentários ameaçadores e ofensivos. Em texto publicado no dia 7 de agosto de 2012, sob o título “Dois PMs são detidos após morte de suspeito de roubo em SP”, um leitor comenta: “Não estou rogando praga. Mas o nosso estimado ‘experiente foca’ ainda será vítima de um sequestro relâmpago e irá discar para o celular do Marcola.”
A situação ficou ainda mais grave quando o blog “Flit Paralisante”, ligado a policiais militares, divulgou uma foto de Sérgio Dávila, editor-executivo da Folha, como se fosse Caramante, com uma mensagem ainda mais ameaçadora do ex–juiz e advogado Ronaldo Tovani, citado em matéria por ter sido denunciado à Justiça por lavagem de dinheiro: “A palavra escrita, mentirosa e ferina, do jornalista André Caramante agora tem ‘cara’. A foto dele está estampada no ‘Flit’ e passou a ser do conhecimento de todos, inclusive dos policiais militares que ele tanto critica e ofende. Espero, contudo, que não apareça algum maluco querendo fazer justiça com as próprias mãos, quando se deparar com ele por aí”.
Para o jornalista, atitudes como essa não passam de intimidação para evitar que a Folha e o repórter cumpram sua função de informar.
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LIBERDADE DE IMPRENSA
Ao tomar conhecimento das ameaças contra Caramante, o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (SJSP) se posicionou, visando salvaguardar a integridade do repórter emitindo uma nota de repúdio, além de solicitar providências por parte do governador e do secretário da Segurança Pública de São Paulo. Além disso, também solicitou à Folha que fizesse cobertura total do caso, de forma a torná-lo público. Segundo José Augusto Camargo, presidente do SJSP, “a entidade sempre orienta o jornalista agredido a tornar o ato público, pois funciona como proteção à própria pessoa, uma vez que a falta de punição alimenta o agressor”.
Buscando zelar pelo jornalista, o sindicato também encaminhou ofício para diversos órgãos, entre eles a Ouvidoria das Polícias, Corregedoria da PM, Ministério Público do Estado de São Paulo e à Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, relatando a situação. Em razão disso, a ouvidoria da polícia pediu abertura de inquérito para averiguar se há irregularidade no comportamento do coronel Telhada. Até o fim da reportagem, não havia nenhuma conclusão sobre a investigação.
Na opinião do deputado Protógenes Pinheiro de Queiroz (PC do B /SP), autor do Projeto de Lei nº 1.078/11, que visa federalizar crimes contra jornalistas, a ameaça a André Caramante deve ser apurada, pois se trata de uma forma de censura à imprensa. “Em qualquer hipótese de ameaça à atividade de jornalista e dos profissionais de comunicação, o caso merece ser apurado no âmbito federal, pois representa uma ameaça à democracia e uma mordaça na voz do povo, que são os jornalistas em sua maioria”, revela.
CORONEL NEGA
Em entrevista exclusiva à IMPRENSA, Telhada começou afirmando não ter problema algum com o jornalista da Folha. “Eu sou um cara da paz. A pessoa fica falando da pessoa errada e depois não quer ouvir a verdade”, afirmou. “Eu acho uma grande covardia, uma grande falta de profissionalismo, o jornalista escrever o que ele pensa e depois se dizer vítima de ameaça”, completa.
Ainda assim, o coronel, mais uma vez pelo Facebook, mostrou seu descontentamento em relação ao trabalho do jornalista. Em 15 de julho de 2012, em resposta à matéria “Ex-chefe da Rota vira político e prega a violência no Facebook”, o coronel comentou em sua página pessoal. “Acho incrível que um jornal com a envergadura da Folha de S.Paulo mantenha em seu quadro de funcionários pessoas que defendem abertamente o crime, procurando tratar criminosos como suspeitos ou civis, enquanto a população sabe a verdade das coisas.” Após repercussão de suas palavras, o post foi apagado.
Ainda que as conversas não tenham acontecido pessoalmente, o jornalista garante já ter falado com o coronel por diversas vezes. “Realmente, nunca nos vimos, mas já nos falamos diversas vezes ao telefone, basta ver algumas matérias que têm aspas dele.”
O coronel afirma que jamais ameaçou o jornalista e que as reações aferidas pelo jornal e pelo repórter têm a ver com pessoas que se irritaram com as críticas à corporação, publicadas nas matérias. “Jamais fiz isso, não incentivei ninguém a fazer isso. A população se sentiu irritada com esse cidadão por causa das inverdades que ele vive dizendo e o criticou duramente. Eu não pedi, não incentivei isso e falei o seguinte: ‘As pessoas que se sentiram ofendidas que mandassem um e-mail à Folha de S.Paulo’. E foi o que foi feito. Se alguém o ameaçou, o ofendeu, pode ter certeza de que não fui eu”, completa.
O fato é que a situação se tonou insustentável. Em meados de setembro, a Folha de S.Paulo optou por enviar André Caramante, junto de sua família, para destino desconhecido para sua segurança. Ainda que temporariamente, calaram-se as denúncias.
*Com Luiz Vassallo
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Comentários
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Eduardo
A Policia Militar é o único órgão do governo que ainda funciona, acabe com ela e verá…
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RicardãoCarioca
Já que fundir as polícias Civil e Militar não é possível, vide a falta de vontade política – muito provavelmente devido ao forte lobby -, poderia se pensar em criar no Brasil uma terceira polícia, nos moldes mais modernos do mundo e não contratar mais ninguém para as duas atuais. Em 30, 40 anos no máximo, não existiriam mais as atuais.
francisco.latorre
estado policial.
fora de controle.
breu. do breu.
..
edson z
A Folha pelo amante (o governo do PSDB) resolveu fazer sacrificar os próprios filhos, no caso seu funcionario. Isso que chama a nova tragedia moderna!
Julio Silveira
Que nada meu caro, ele quer é evitar que a bala do “justiceiro” prevista no “vaticinio” do “Flit Paralizante” possa encontrar seu endereço, já que a casa em que servia o Jornalista lhe pertence. Nessas horas costuma acometer em alguns a necessidade daquele dialogo:
– Olha pessoal, eu não conheço ele viu, nunca tive nada com isso.
abolicionista
Caros, o problema não é a PM e o seu braço mais violento (a ROTA), mas a desigualdade, que só pode ser mantida com a ajuda de políticas de repressão como a que é praticada por essa instituição. São Paulo é uma das cidades mais desiguais do mundo. Cidades com um índice de desigualdade comparável ao nosso estão em guerra civil. Lutemos contra os assassinatos cometidos pela ROTA, mas lutemos com mais vigor para combater o abismo social que a torna um instrumento “necessário” (como os direitistas gostam de afirmar). A ROTA é necessária sim, mas apenas para a manutenção da injustiça e da desigualdade, para que poucos roubem todos os dias aquilo que pertence a todos.
Julio Silveira
O problema é que as instituições brasileiras estão tão desmoralizadas que qualquer coronel no Brasil vira interprete das leis a sua imagem e semelhança. Por que sabem que quem pode mais chora menos. E nada como ter o dominio das armas do estado para entender as proprias leis.
Hélio Pereira
O comportamento do Capitão Telhada é bem típico dos lideres de seu Partido.
Fazer ameaças,pedir a cabeça de Jornalista,ofender e depois se fazer de vitima é muito comum nas atitudes do atual Postulante ao cargo de Prefeito de SAMPA e este comportamento esta servindo de exemplo a pessoas do tipo deste Capitão Reformado da ROTA.
Já passou da hora de extinguir a PM e transformala em Policia Civil Fardada.
Um país Democratico não precisa de Policia Militar!
Gil Teixeira
Está mais que na hora de acabar com essa Polícia Militar que nada mais é que um bando de capitães do mato!
sandro
Geraldo Alckmin.
edson tadeu
muitas dessas ameaças foram cumpridas, militares nao fazem ameaças por fazer, é bom ele tomar cuidado,
J Souza
Chacinas, esquadrões da morte, incêndios em favelas, torturas em delegacias… É um preço muito alto pelo “progresso”, principalmente quando este “progresso” é extremamente discriminatório!
vinicius
Concordo plenamente.
Estamos pagando o preço do progresso discriminatório. A cada dia é mais evidente como é doloros esse tal “progresso”. Pena que poucos sejam capazes de perceber as mazelas.
Apavorado por Vírus e Bactérias
Que progresso? Isso é limpeza social. A Segurança Pública de SP não tem mais controle de nada. A culpa é do Chuchu. Ele é o chefete.
henilene
Mas o Chuchú não é OFFICE BOY do PCC subordinado diretamente ao MARCOLA?
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