‘A Prefeitura foi negligente. Drenagem de Porto Alegre está entregue aos interesses comerciais’, denuncia engenheiro; vídeo
Tempo de leitura: 6 minO mesmo especialista que Ayrton Centeno, do Brasil de Fato-RS, entrevistou para a sua reportagem (leia abaixo).
Damiani é engenheiro aposentado, ex-diretor geral do DEP (Departamento de Esgotos Pluviais de Porto Alegre), ex-diretor geral do DMAE (Departamento Municipal de Águas e Esgoto), hidrólogo e mestre em Recursos Hídricos.
No vídeo acima, Damiani denuncia com todas as letras:
”A prefeitura foi negligente, deixou de atender as necessidades da cidade.
O grande culpado? A prefeitura porque é o prefeito que manda. Ele não deixa o DEMAE contratar os seus funcionários. No DMAE, faltam 2.000 servidores. Ou seja, o DMAE tem menos de 1/3 da capacidade operacional.
O DEMAE também não prioriza as drenagens.
Então junta: não tem gente, não tem drenagem, nada funciona.
Lamentável.
A drenagem de Porto Alegre, como a cidade, está entregue aos interesses comerciais, aos interesses das construtoras e sem nenhuma preocupação com o bem-estar da cidade”
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Falhas na manutenção do sistema de proteção teriam agravado a maior inundação da história
Especialista em drenagem urbana diz que deficiências da prefeitura ao lidar com o problema pioraram a situação
Por Ayrton Centeno, Brasil de Fato/Porto Alegre
Com 40 anos de experiência em drenagem urbana, o engenheiro Augusto Damiani tem algumas explicações para as cheias que conflagram Porto Alegre.
Uma delas é muito simples: crônica ausência de manutenção no sistema de proteção contra as cheias da Capital.
Ex-diretor do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) e do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE), ambos da prefeitura porto-alegrense, ele conhece por dentro a estrutura que colapsou e expôs a cidade à maior inundação da sua história.
Mestre em recursos hídricos e saneamento ambiental, ele deu sua interpretação para o fenômeno nesta conversa com Brasil de Fato RS.
Confira:
Brasil de Fato RS – Porque Porto Alegre colapsou diante da chuva, repetindo, em versão agravada, a enchente de 1941? Por qual razão o Centro Histórico ficou alagado como não se via desde a primeira metade do século passado? É culpa da natureza simplesmente?
Augusto Damiani – Em setembro de 2023, vi que o DMAE teve várias dificuldades para fechar as comportas, não achou os parafusos, não conseguiu colocar as borrachas, encontrou asfalto em trilhos, teve que usar uma retroescavadeira para fechar as comportas.
Agora, neste evento, os problemas se repetiram. Sei, por exemplo, que o DMAE tem no seu acervo técnico os projetos do DNOS (antigo Departamento Nacional de Obras e Saneamento) com o detalhamento sobre as comportas, as borrachas de vedação, os parafusos que garantem a estanqueidade das comportas. Poderá refazer um projeto com uma ensecadeira de melhor qualidade.
Acredito que esse evento seja um marco para o DMAE para repensar organizacionalmente como se faz a gestão da drenagem, que possa fazer a reforma das comportas, recompor as borrachas de vedação, usar os parafusos, para que, havendo outro evento desses, possa estar preparado.
Com os trilhos e com o motor de abertura e fechamento das comportas funcionando para que não se tenha que fazer ensecadeiras improvisadas com sacos de ferragem. Para que se possa ter tranquilidade e confiança.
BdFRS – O que aconteceu com o Departamento de Esgotos Pluviais, o DEP? O que a prefeitura fez com um órgão tão importante na prevenção das cheias?
Damiani – Em 2017, o então prefeito (Marchezan Junior) resolveu fazer uma reforma administrativa aos moldes do governo dele. Naquela época, o DEP foi (dividido) para duas secretarias.
O atual prefeito (Sebastião Melo, do MDB) resolveu transferir essas atribuições do DEP para o DMAE, cedendo seus funcionários para o DMAE sem que lá fossem criadas estruturas compatíveis. Logo, o DEP não existe mais. Existem as atribuições que agora são do DMAE…
BdFRS – E o que aconteceu com o DMAE, ao qual o DEP foi incorporado? Mais precisamente, que fim levou o seu corpo de funcionários?
Damiani – Nos últimos anos, o DMAE tem sofrido um enxugamento visando o projeto que está aí e que é a transferência da gestão da água para a iniciativa privada.
Para isso é fundamental desqualificar a imagem da instituição junto à população para que se tenha uma opinião pública favorável dizendo que o serviço público é ruim e que o privado é melhor.
Um dos modos de fazer isso é reduzindo a capacidade de investimento, o que acontece no DMAE.
Ele tem quase R$ 400 milhões em aplicações financeiras em vez de estar investindo, além do enxugamento do corpo técnico que vem perdendo servidores por aposentadoria, de tal forma que, hoje, temos apenas um terço do necessário (de funcionários) lá dentro. Isto faz com que fique difícil para o DMAE atender todas as coisas, inclusive a drenagem.
BdFRS – Impressiona que o que aconteceu no ano passado na Capital – com as comportas emperradas, tendo que ser tracionadas por retroescavadeira – esteja se repetindo agora. Sobrou ferrugem e faltou governo?
Damiani – Sempre me perguntam se o sistema de proteção de Porto Alegre está ultrapassado. Não. É um sistema seguro, clássico, eficiente. O que se precisa garantir é manutenção constante e alguma modernização quando necessária.
É lamentável que, em 2019, o então prefeito (Marchezan Junior) acabou perdendo R$ 100 milhões a fundo perdido que iriam modernizar 10 casas de bombas desse sistema.
BdFRS – Como é o funcionamento das chamadas comportas por gravidade, que ficam submersas nos poços das casas de bombas, e o que aconteceu com elas desta vez?
Damiani – As comportas por gravidade deram problema agora. O que são? As casas de bombas recebem a água das bocas de lobo e elevam essa água e descarregam num canal que vai por gravidade para o lago (Guaíba).
Só que, quando chega lá no lago, tem uma comporta, uma espécie de basculante. A água que vem da cidade empurra a basculante e passa. Quando o lago levanta o nível, ela fecha por pressão da água e a água não entra. Acontece que algumas peças estragaram, caíram, e não sido feita a devida manutenção.
Aquela casa de bombas 17, no Centro, ali perto da Igreja das Dores, que aparece agora em tudo que é reportagem, o que aconteceu ali? A comporta está danificada, a água voltou e transbordou para dentro da cidade. Isso poderia ter sido evitado.
Desde 2018, existe um processo administrativo que tramita dentro da prefeitura para consertar aquela comporta. Não se sabe porque passaram-se seis anos e ainda não foi consertada.
Mas ainda era possível fazer uma medida paliativa que, não sei porque, não fizeram.
Era colocar stop logs (elementos de controle de engenharia hidráulica usados em comportas para ajustar o nível de água) na saída da casa de bombas de tal forma que criasse uma barreira e a água não voltasse. Poderia ter sido feito e evitado esse transbordamento da cidade.
BdFRS – O que é preciso fazer agora para evitar que Porto Alegre fique debaixo d`água novamente o que, pelo que se viu, pode ocorrer a qualquer momento?
Damiani – A manutenção do sistema contra as cheias. A manutenção dos diques, com a verificação das suas cotas, a manutenção dos muros e de todas as casas de bombas.
A partir daí, buscar recursos para modernizar as casas de bombas com automação, com a melhoria do sistema de controles e das comportas, o aumento da capacidade de vazão.
Fazer também a manutenção periódica das tampas herméticas dos condutos forçados. Tudo para que o sistema esteja sempre pronto para responder a qualquer evento crítico.
Não dá para fazer buscas de recursos pontuais para trabalhar em um bairro. Tem que se trabalhar o sistema de proteção como um todo. Não dá para fazer uma melhora, por exemplo, no 4º Distrito (região Norte da Capital) sem uma ação no centro da cidade, o centro vai encher de água. E se o centro encher, o 4º Distrito também vai encher. E o contrário é verdadeiro.
Tem que se fazer manutenção e melhorias no sistema como um todo com manutenção de todas as casas de bombas, todos os condutos forçados para corrigir toda e qualquer anomalia.
Edição: Katia Marko
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