Entidades entram na Justiça contra prescrição da indenização por tortura a Luiz Eduardo Merlino

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Em 15 de julho de 1971, o jornalista Luiz Eduardo Merlino, então com 23 anos, foi preso na casa de sua mãe, na cidade de Santos (SP), e levado para o DOI-Codi, na capital, onde foi torturado pelo coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra. Em 19 de julho de 1971, morreu em decorrência da tortura sofrida. Fotos: Memorial da Democracia e reprodução

Organizações de direitos humanos entram na Justiça contra prescrição de indenização por tortura sofrida por jornalista na ditadura militar

Pedido de “amicus curiae” apoia recurso do STJ para que familiares de Luiz Eduardo Merlino recebam indenização por danos morais da família do coronel do DOI-Codi Carlos Alberto Brilhante Ustra

Por Comissão Arns

Na sexta-feira, 14/06, Comissão Arns, Conectas, Instituto Vladimir Herzog, Clínica de Direitos Humanos Unifesp e Núcleo de Acesso à Justiça da Faculdade de Direito FGV ingressaram no Superior Tribunal de Justiça (STJ) com pedido de amicus curiae para apoiar o recurso contra a prescrição da ação de indenização por danos morais ajuizada pela família do jornalista Luiz Eduardo Merlino.

Em 15 de julho de 1971, Merlino, então com 23 anos, foi preso na casa de sua mãe, na cidade de Santos (SP), e levado para o DOI-Codi, na capital, onde foi torturado pelo coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra. Em 19 de julho de 1971, ele morreu em decorrência da tortura.

Em 29 de novembro de 2023, a Quarta Turma do STJ, em uma primeira decisão no caso, foi contrária à demanda da família de Merlino, por maioria de votos.

Os advogados de Angela Maria Mendes de Almeida e Regina Maria Merlino de Almeida, respectivamente companheira e irmã da vítima, apontaram falhas no julgamento e pediram sua modificação.

De acordo com as organizações, neste processo, “está em questão uma possibilidade de retrocesso em face do que há de mais avançado na jurisprudência do STJ matéria de violações graves de direitos humanos praticadas durante a ditadura militar: o reconhecimento de que as ações civis de reparação por essas violações são imprescritíveis, ou seja, de que não há prazo limite para o seu ajuizamento”.

O pedido de amicus curiae traz resultados de estudos para contribuir com a análise do tribunal no julgamento desses embargos de declaração. Entre os principais pontos citados no documento, estão:

1. As ações de reparação por violações graves de direitos humanos são imprescritíveis, de acordo com o direito internacional dos direitos humanos, conforme levantamento de documentos internacionais e, especificamente, da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

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Além disso a imprescritibilidade da responsabilidade civil em casos de violações graves de direitos humanos praticadas durante a ditadura é um entendimento firmado e sumulado pelo próprio STJ em ações movidas contra o Estado.

Não há justificativa para se deixar de aplicar o entendimento sumulado pelo STJ em casos de ações movidas contra o Estado para os casos de ações movidas contra os agentes da repressão.

2. Neste mesmo caso, o Supremo Tribunal Federal decidiu, contrariamente ao entendimento que prevaleceu no julgamento da Quarta Turma do STJ, que sua interpretação sobre a Lei de Anistia registrada na ADPF 153 não impede a demanda da família de Luiz Eduardo Merlino.

3. Ao contrário do que afirmou o entendimento vencedor no julgamento do STJ, a decisão do Supremo Tribunal Federal em repercussão geral, segundo a qual as ações de reparação por danos provocados por agentes de Estado devem ser movidas contra o Estado, cabendo a esse acionar o agente público em regresso, diz respeito a situações ordinárias da atuação da Administração Pública e não a casos de violações graves de direitos humanos, conforme pesquisa desenvolvida pela Clínica de Direitos Humanos da Unifesp na jurisprudência do STF.

O STF não teve vista ações judiciais pela prática de tortura, pois tortura em nenhuma hipótese faz parte de função administrativa a ser protegida, e não se pode imaginar qualquer situação em que seja justificado o objetivo de resguardar agente público de medidas de responsabilização pela prática de tortura ou outra prática que viole gravemente direitos humanos.

O caso Luiz Eduardo Merlino

Em 15 de julho de 1971, Luiz Eduardo Merlino, com apenas 23 anos, foi preso na casa de sua mãe, na cidade de Santos.

Havia retornado há poucos dias da França, onde denunciou a violência política e a tortura praticadas pelo regime militar brasileiro, publicando o livro coletivo “Pau de Arara: La violence militaire au Brésil”.

Na França, Merlino ainda deixou a sua companheira, a também militante Angela Mendes de Almeida.

O jornalista foi levado ao DOI-Codi, na cidade de São Paulo e, de acordo com depoimentos de presos políticos sobreviventes, naquele local foi submetido a sessões de tortura comandadas por Ustra que perduraram cerca de 24 horas e debilitaram suas pernas a ponto de gangrenarem.

Merlino foi levado ao Hospital do Exército, mas não sobreviveu porque foi privado de procedimentos médicos, especificamente a amputação dos membros gangrenados.

Segundo relatos das testemunhas, funcionários do Hospital telefonaram ao DOI-CODI para solicitar o contato dos familiares do jovem para que autorizassem o procedimento que poderia ter salvado sua vida, no entanto, Ustra optou por deixar Merlino morrer.

A notícia da morte chegou até os familiares apenas no dia 20 de julho de 1971 à noite por meio de um telefonema.

Iniciaram-se, então, as buscas pelo corpo de Luiz Eduardo, o qual somente foi identificado no Instituto Médico Legal, porque o marido de sua irmã Regina trabalhava como Delegado de Polícia e mobilizou esforços para localizá-lo.

A mobilização das mulheres da família Merlino por justiça, verdade, memória e reparação perdura desde então.

*****

Assinam o pedido de amicus curiae ao Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Eloisa Machado, advogada e representante da Comissão Arns

Fábio Konder Comparato, advogado e representante da Comissão Arns

Gabriel de Carvalho Sampaio, diretor de Incidência e Litigância da Conectas 

Caroline Leal Machado, advogada em Litígio Estratégico da Conectas 

Carolina Toledo Diniz, coordenadora do Programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas 

André Luiz de Carvalho Matheus, representante do Instituto Vladimir Herzog

Carla Osmo, representante da Clínica de Direitos Humanos da Unifesp

Maria Cecília de Araujo Asperti, representante do Núcleo de Acesso à Justiça e Meios de Solução de Conflito da Direito FGV SP

Luisa Mozetic Plastino, representante da Clínica de Direitos Humanos da Unifesp

Abaixo, a íntegra da manifestação ao STJ

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