por Sarah Helena, sugerido por Camila Victor
Uma não tão breve explicação sobre alguns elementos da reestruturação do ensino que precisam ser relembrados.
A reestruturação (que é, na prática, o desmonte do ensino público paulista) começou em 1994. No ano anterior, eu e muitos outros estudantes, junto com professores e pais de alunos, estávamos escrevendo dossiês e comprando brigas homéricas e fazendo manifestação. Então assim, não achem que o Alckimin começou isso agora — e é por isso que ele não quer interromper o processo de reestruturação, porque ele está fazendo isso faz tempo. Largar o osso depois de décadas se esforçando para acabar com o ensino?
A história para boi dormir em 94 era a mesma de agora: vamos separar os ciclos.
Demonizou-se o adolescente dizendo que os adolescentes não podiam ficar junto com as crianças porque eram elementos perigosos (a diferença é a que opinião pública comprou essa ideia por completo e os adolescente que eramos nós ficamos perdidinhos sem saber como reagir — essa turma maravilhosa das ocupações podia ter uma TARDIS e ir ensinar a gente o que deviamos ter feito).
Diziam que nenhuma escola seria fechada, assim como hoje. E as escolas não só foram fechadas na época como continuaram sendo fechadas desde então, consequência ainda da reestruturação de 94.
Me lembro que eu, que estava na sexta série, hoje sétimo ano, pelo projeto de reestruturação deveria estudar A NOITE em um bairro que para chegar é preciso atravessar uma estrada e que não tinha ônibus que me levasse até lá — eu deveria andar, atravessar uma estrada, o caminho eram alguns quilômetros de subida, mas como eram “só” 5 quilômetros, eles consideravam totalmente aceitável isso. À noite. Sair da escola as 11 da noite, com 12 anos de idade.
O objetivo disso: que a escola onde eu estudava (uma escola gigantesca com mais de 3500 alunos) ficasse ociosa, apenas com salas de ensino médio (porque vai ter mais de 20 turmas de Ensino Médio a tarde, claro… que não).
Nós conseguimos barrar a reestruturação em muitas escolas. Essa onde eu estudava, inclusive.
Apoie o VIOMUNDO
Mas muitas escolas não conseguiram. As escolas que eles dizem estar ociosas são as escolas que passaram pela reestruturação em 94 e que como resultado da reestruturação foram desmontadas e esvaziadas.
Escolas foram feitas para pelo menos dois ciclos. A estrutura física escolar é essa. Quando você separa os ciclos, a escola que sobra com o ciclo menor, que são os três anos do Ensino Médio, fica esvaziada. Porque vai ficar superlotada de noite. Lotada de manhã. E vazia de tarde. Mas eles trabalham com média, não com realidade. E torcer os números para dizer que a escola vazia a tarde está vazia o tempo todo é muito fácil.
O outro aspecto é que quebrar a escola em ciclos, e forçar o aluno a mudar de escola a cada 4 anos tem o poder de quebrar os vínculos do aluno com a escola. Porque vou me importar com uma escola se só estou lá de passagem?
Eu vejo o estado mental dos meus alunos que estão saindo do quinto ano, antiga quarta série, “expulsos” da escola que até então os acolhia, e indo para lugares desconhecidos. O rompimento é brutal. O aluno perde a confiança na escola. A escola passa a ser um lugar para onde ele vai, mas não é parte dele.
Todo mundo da educação sabe que a passagem do quinto para o sexto ano, se tudo estiver em condições ideais, é traumática. Existe uma queda no aprendizado do aluno, que precisa reorganizar tudo que pensava sobre escola. E mudar de uma escola para outra APENAS PIORA ISSO.
E o governo sabe disso. É um dos objetivos dele. Porque gente quebrada não dá trabalho. Se os alunos não se importam com a escola, não vão reagir aos desmandos. Quando os professores precisarem lutar, os alunos vão ficar contra eles.
A reestruturação reforça a ideia de que professor e aluno são inimigos. Porque o professor está fixo na escola, é parte dela — e o aluno foi “jogado” lá depois de ser abandonado pela escola que confiava, e projeta essa quebra de confiança nos professores. Os professores (junto com a PM) são o primeiro rosto do Estado Opressor na cabeça dos alunos.
Então, quando se questionarem porque o Alckmin não vai negociar com os alunos, saibam que o PSDB está desde 94 colocando em prática esse projeto. E não sei, sinceramente, não sei como podemos parar isso.
Veja também:
Fátima Bernardes e os estudantes paulistas: “Momento de tensão”
Comentários
Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!
Deixe seu comentário