Cimi denuncia: Operação policial leva terror a terras indígenas Pataxó, extremo sul da Bahia
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Policiais civis e militares levam terror a aldeias e retomadas Pataxó da TI Barra Velha, no extremo-sul da Bahia
Operação deflagrada na manhã desta quinta (20) deixou um rastro de medo, detenções e violência nas retomadas da TI Barra Velha. Conselho Pataxó pede socorro federal
Por Assessoria de Comunicação – Cimi
O povo Pataxó amanheceu sob ataque do Estado. Doze mandados de prisão e sete mandados de busca e apreensão foram cumpridos no município de Prado, no extremo-sul da Bahia, nesta quinta-feira (20).
A operação acontece dias depois de mobilizações dos Pataxó em Brasília (DF) e na região pela regularização dos territórios reivindicados.
A Polícia Civil, que contou com o apoio da Polícia Militar, declarou à imprensa que os mandados foram expedidos devido a investigações acerca de indígenas que têm ameaçado “proprietários de terras” na região.
Conforme imagens gravadas pelos Pataxó, é possível ver policiais militares e civis nas aldeias, revistando casas e efetuando disparos.
“Policial atirando, atirando nas mulheres, crianças. Criança passando mal. Vão atacar dentro da aldeia! Dentro da aldeia!”, diz um Pataxó em um dos vídeos (na página do Instagram abaixo).
A Terra Indígena (TI) Barra Velha esteve no foco da ação policial. Helicópteros, ao menos 20 viaturas e policiais sem identificação ou trajando uniforme, usando máscaras, todos fortemente armados, fizeram uma espécie de varredura, sobretudo em áreas retomadas no entorno do Monte Pascoal.
Os indígenas chegaram a identificar fazendeiros e pistoleiros entre os policiais. Ainda conforme a apuração, policiais invadiram casas sem apresentar mandado ou qualquer sinal de respeito, tratando os indígenas como bandidos, e usaram bombas e spray de pimenta.
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Conselho de Caciques aciona órgãos federais
O Conselho de Caciques Pataxó acionou a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública Estadual (DPE).
Em manifestação extraoficial, o Conselho alertou todas as terras indígenas Pataxó de que o povo está sob ataque. Também destacou que se trata de mais uma manifestação anti-indígena do governo da Bahia e de aliança aos invasores das terras tradicionais Pataxó.
Por sua vez, o governo da Bahia anunciou nesta quarta-feira (19) a criação de um grupo de trabalho para tratar do que chama de “conflito” entre indígenas e os invasores das terras tradicionais.
Além dos representantes da gestão estadual, o grupo contará com integrantes da Federação da Agricultura da Bahia (FAEB) e das organizações indígenas.
Ocorre que antes do anúncio da criação do grupo, reuniões vinham sendo realizadas entre as polícias estaduais para a execução da operação deflagrada na manhã desta quinta.
“Isso demonstra que o governo toma medidas de fachada, mas nos bastidores articula ataques ao nosso povo. Se esse grupo realmente fosse para boa intenção do governo, a invasão das nossas comunidades pela polícia não teria ocorrido”, destacou uma liderança que não será identificada por motivos de segurança.

Vitor Braz foi morto com disparos de arma de fogo durante um ataque contra uma comunidade Pataxó da TI Barra Velha do Monte Pascoal. Foto: Povo Pataxó
Violência impune
Apenas nas duas últimas semanas, um Pataxó foi assassinado na TI Barra Velha de Monte Pascoal, em Porto Seguro, uma casa foi incendiada na TI Comexatiba, em Prado, e diversas ameaças de morte foram dirigidas aos pataxós nas áreas de retomadas.
Como em outras situações, os crimes seguem à espera das medidas corretas de investigação do Estado, com o envolvimento da Polícia Federal e MPF, para a punição dos envolvidos.
Nesta quarta-feira (19), a relatora da ONU sobre Defensores de Direitos Humanos Mary Lawlor se manifestou em suas redes sociais cobrando a “responsabilização” dos envolvidos no assassinato de Vitor Braz Pataxó, morto a tiros no último dia 10 na TI Barra Velha do Monte Pascoal.
“Muito triste ao saber do assassinato do indígena Pataxó Vitor Braz no sul da Bahia, Brasil. Visitei uma comunidade Pataxó na área durante minha visita ao país. Vitor fazia parte da retomada da terra de seu povo, que aguarda demarcação. Deve haver responsabilização”, escreveu Mary em três perfis de redes sociais.

Casa foi queimada na manhã do dia 11/03/2025. No mesmo horário, indígenas Pataxó e Tupinambá participavam de audiência pública sobre demarcações em Brasília (DF). Foto: povo Pataxó
Histórico recente
A TI Barra Velha aguarda há mais de uma década a emissão da portaria declaratória, atribuição do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O procurador da República Ramiro Rockenbach, do MPF, ressaltou em Audiência Pública, ocorrida semana passada, em Brasília, que não há impedimento jurídico e administrativo para a declaração da área.
Cansados de esperar pela conclusão do procedimento e a retirada dos ocupantes não indígenas, desde 2022 os Pataxó decidiram retomar áreas que estão dentro do perímetro a ser declarado por portaria como terra indígena.
“Senhor presidente da República, determine que haja as portarias declaratórias. E que fique claro, estamos aqui como parceiros. Pode convocar a equipe técnica que quiser. Reunidos aqui, demonstraremos que não há, repito, nenhum obstáculo técnico ou jurídico – o que não significa que haverá descontentamento de muitos setores”, garantiu o procurador durante a Audiência Pública.
“Não estamos aqui pedindo. É um direito nosso ter o nosso território sagrado demarcado e homologado. Hoje, estamos sendo mortos, os corpos das nossas mulheres e das nossas crianças sendo expostos, dentro do território, por invasores que falam que são donos da terra. Os donos somos nós”, reivindicou durante a Audiência Pública Uruba Pataxó, vice-cacica da aldeia-mãe Barra Velha e secretária do Conselho de Caciques de Barra Velha.

Cápsulas de fuzil deflagradas por pistoleiros e coletadas após ataque contra retomada Pataxó na TI Barra Velha, em janeiro de 2023. Foto: Tiago Miotto/Cimi
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