Ângela Carrato: Por que o Grupo Globo quer derrubar o artigo 19 do Marco Civil da Internet?
Tempo de leitura: 4 minPor Ângela Carrato*
Desde a última quarta-feira, 27 de novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
Chama a atenção a investida do Grupo Globo, da família Marinho, para controlar a opinião pública brasileira.
Pioneira legislação brasileira envolvendo o ciberespaço, em especial os provedores, ela teve tramitação demorada e só foi aprovada no contexto das revelações de Edward Snowden, funcionário da Agência de Segurança dos Estados Unidos, que divulgou para jornalistas uma série de documentos sigilosos que comprovavam atos de espionagem praticados pelo governo do seu país contra cidadãos comuns e lideranças internacionais, entre elas a presidente Dilma Rousseff.
O artigo 19, que o Grupo Globo quer agora extinguir, estipula que os provedores, as plataformas na internet, não são responsáveis pelo conteúdo nelas veiculados.
O princípio adotado por este Marco é o mesmo que rege a legislação sobre correios.
Já pensou se os correios passassem a ser responsáveis pelo conteúdo das cartas, telegramas e pacotes que entrega?
A responsabilidade por qualquer ilegalidade é de quem envia. Dito de outra forma, o mensageiro não pode ser responsável pela mensagem.
Essa é a compreensão em todo o mundo civilizado.
Deixando a metáfora de lado, algo semelhante deve ser mantido em relação às plataformas digitais, as chamadas big techs.
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É nelas que estão alojados os veículos da mídia independente, aquela desde sempre sem espaço no modelo comercial de rádio e de TV em vigor no país (veja PS do Viomundo).
As pós-TVs, como são chamadas, têm tido fundamental importância para divulgar o contraditório que a mídia corporativa brasileira sempre procurou e procura esconder.
Foram essas pós-TVs, por exemplo, que desmontaram a farsa do impeachment, dando-lhe o verdadeiro nome: golpe.
Foram elas que desmascararam a Operação Lava Jato e a ilegalidade da prisão de Lula.
Às vésperas de um novo ano que promete ser crucial para o governo Lula 3, mas também para o futuro da nossa democracia, o que o Grupo Globo pretende é calar uma importante parcela da mídia independente, sob o rótulo de combate às fake news.
Ninguém, em sã consciência, pode se colocar contra a proliferação de mentiras, a começar pelas divulgadas pela mídia corporativa.
Mas o suposto combate às fake news não pode se dar à custa da censura ou da destruição de veículos da mídia independente.
A relação de uma coisa com a outra talvez não seja visível à primeira vista, mas fica perceptível quando se observa que a supressão do artigo 19 jogará toda a responsabilidade pelas fake news não em quem as divulga, mas nos provedores e plataformas. Vale dizer: o mensageiro será o responsável.
Quais plataformas, empresas privadas internacionais que são, assumiriam o ônus de, elas mesmas, retirarem conteúdos considerados suspeitos ou polêmicos de seus espaços?
Hoje isso está a cargo da Justiça e deve permanecer. Foi assim, por exemplo, com os discursos de ódio e fake news retirados do X e que acabaram levando à suspensão desta rede social no Brasil até que se adequasse à nossa legislação.
Agindo assim, a Justiça brasileira mostrou para o mundo a solidez de nossas leis.
Transferir a responsabilidade para as plataformas significaria a Justiça abrir mão de sua tarefa.
Significa o risco de as plataformas suprimirem o jornalismo independente, preferindo dar espaço apenas a assuntos amenos, que tratem de lazer, diversão, bichinhos, turismo e esportes.
Se o artigo 19 não estivesse em vigor, certamente as plataformas teriam derrubado as matérias sobre o golpe contra Dilma ou as que mostravam a arbitrariedade da prisão de Lula, que destoavam da narrativa dominante e eram tachadas de “mentirosas”.
Dito de outra forma, o que o Grupo Globo pretende é voltar a controlar a narrativa.
Retomar ao passado, quando não havia pós-TVs, algumas agora com mais de um milhão de inscritos e programação jornalística 24 horas por dia.
Para os que argumentam que além do Grupo Globo é possível se informar por outras emissoras de rádio e TV, lembro que todas fazem parte do “andar de cima” e se estão caladas, é porque preferem aguardar que o mais forte faça o serviço.
A favor da derrubada do artigo 19 do Marco Civil da Internet, o jornal O Globo já publicou, só nos últimos meses, mais de uma dezena de editoriais e a TV Globo já levou ao ar inúmeras reportagens.
O detalhe é que nunca dizem que a mídia corporativa segue funcionando sem qualquer regulação.
Mais do que nunca vale lembrar a frase lapidar do ex-governador Leonel Brizola. “Se a Globo é a favor, devemos ser contra”.
O STF tem todas as condições para não cair neste engodo patrocinado pelo Grupo Globo.
Caso contrário, estará preparando a corda para se enforcar.
*Ângela Carrato é jornalista. Professora da UFMG. Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
PS do Viomundo: A televisão e o rádio tradicionais usam as ondas eletromagnéticas para emitir imagens e sons.
Já as pós-TVs, para fazerem o mesmo, se valem das ondas da internet, que navegam no cyberespaço.
São chamadas de pós-TVs porque vieram depois.
Na internet, estão as grandes empresas dessa área – as chamadas big techs.
As big techs, por sua vez, alojam/hospedam as suas próprias plataformas e outras.
É nessas outras plataformas que se alojam as pós-TVs.
Todos os veículos da mídia alternativa, independente, que usam a televisão na internet, são pós-TVs.
“Quando a Globo fala que tem que ir pra cima das plataformas digitais, não é por estar preocupada com o discurso de ódio’’, alerta a jornalista Ângela Carrato.
“Na verdade, a Globo quer atingir a imprensa que está na pós-TV e hoje começa a incomodá-la, a disputar a narrativa com ela”.
*Ângela Carrato é jornalista. Professora da UFMG. Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
Leia também
Ângela Carrato: A mídia e o mercado juntam-se em prol dos ricos, contra os pobres, e a sorte
Comentários
Zé Maria
https://digital.futurecom.com.br/conectividade/o-uso-do-5g-para-transmissoes-ao-vivo-no-brasil/
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https://www.ic.unicamp.br/~edmundo/MC822/mc822/MO655/Semin%C3%A1rio%20-%20Network%20Slicing%20Guilhermes%20Lopes.pdf
https://digital.futurecom.com.br/tecnologia/tv-30-o-proximo-passo-da-tv-digital/
https://digital.futurecom.com.br/artigos/tv-aberta-no-brasil-passado-presente-e-o-futuro-da-tv-30/
Zé Maria
Marco Civil da Internet
“Relator Considera Inconstitucional Exigência
de Ordem Judicial para Retirada de Conteúdos
de Terceiros, Admitindo a Possibilidade de
Remoção de Material Ofensivo a Pedido dos
Ofendidos por Notificação Extra-Judicial”
“Em Relação aos Blogs,o Ministro Toffoli defendeu que
sejam Submetidos à Lei 13.188/2015, que trata do Direito
de Resposta Aplicado às Empresas Jornalísticas, e
Não ao Marco Civil da Internet.”
Notícias STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) continuou a julgar, na quarta-feira (4),
os Recursos Extraordinários (REs) 1037396 e 1057258, que tratam da
responsabilidade civil das plataformas da internet por conteúdos de
terceiros e a possibilidade de remoção de material ofensivo, a pedido
dos ofendidos, sem a necessidade de ordem judicial.
A controvérsia é sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que exige ordem judicial prévia e específica de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil de provedores, websites e gestores de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros.
Riscos Sistêmicos
Dando continuidade a seu voto, iniciado na sessão de 28/11, o ministro Dias Toffoli [Relator no RE 1037396] afirmou que esse modelo de responsabilidade é inconstitucional pois, desde sua edição, foi incapaz de oferecer proteção efetiva aos direitos fundamentais em ambientes virtuais.
Além disso, a seu ver, a norma não está apta a enfrentar os riscos sistêmicos surgidos nesses ambientes a partir de novas tecnologias e modelos de negócios e de seus impactos nas relações econômicas, sociais e culturais.
O relator reiterou seu entendimento de que a regra atual dá imunidade às empresas, que somente podem ser responsabilizadas civilmente se descumprirem uma ordem judicial para retirada de conteúdo. Para ele, a responsabilização é um importante mecanismo de desestímulo de condutas ilícitas.
“Vivemos em um mundo de violência digital que o artigo 19 acoberta”,
afirmou.
Toffoli afirmou que, caso seu voto prevaleça, a responsabilização das plataformas por conteúdos de terceiros deverá se basear no artigo 21 do Marco Civil, que prevê a retirada do conteúdo após simples notificação.
Em relação aos blogs, Toffoli defendeu que eles sejam submetidos à Lei 13.188/2015, que trata do direito de resposta aplicado às empresas jornalísticas, e não ao Marco Civil da Internet.
Anúncios Falsos
O ministro considera que as plataformas de busca devem ser responsabilizadas inclusive por anúncios falsos que, segundo ele, aparecem com mais destaque que os das empresas verdadeiras.
Em seu entendimento, da mesma forma que conseguem identificar as preferências dos consumidores, as plataformas poderiam identificar publicidade falsa e contribuir para reduzir fraudes.
Segundo Toffoli, a violência na internet ultrapassa o mundo virtual e produz efeitos no mundo real.
Ele destacou que diversos ataques a escolas, com vítimas fatais, e à democracia, como os atos golpistas de 8/1, foram previamente anunciados em redes sociais ou em grupos públicos e canais abertos de mensagem “sem que nenhum desses serviços tomasse alguma atitude para bloquear”.
Após a continuidade do voto do Relator, o julgamento foi suspenso e ainda deverá prosseguir para que o ministro Toffoli conclua seu voto. Em seguida,
o ministro Luiz Fux, relator do RE 1057258, apresentará seu voto.
RE 1037396: (https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5160549)
https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/marco-civil-da-internet-relator-considera-inconstitucional-exigencia-de-ordem-judicial-para-retirada-de-conteudo/
.
Zé Maria
Os Executivos das Big Techs do Vale do Algoritmo
são, no mínimo, Responsáveis Solidários nos Crimes
Contra a Honra (Calúnia, Injúria e Difamação) Cometidos
pelos Usuários das Redes Sociais, semelhante ao que ocorre
quando a Ofensa decorre de Jornais e Veículos de Radiodifusão
(Rádio e Televisão) dos Grupos Empresariais de Comunicação;
e inclusive em Eventuais Indenizações de Natureza Civil.
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