Por Tânia Mandarino
Por Tânia Mandarino
Você não sente, nem vê, mas eu não posso deixar de dizer, minha amiga/meu amigo.
Não é segredo para ninguém que, nas eleições municipais que se aproximam, muitas capitais foram tratoradas por decisões impostas pela Executiva Nacional do PT, que escolheu o candidato a ser apoiado pelo partido interditando debates e contrariando as bases partidárias.
É o caso, por exemplo, de Curitiba, cidade onde vivo, na qual o PT está apoiando Luciano Ducci (PSB) à prefeitura.
Tenho acompanhado uma discussão sobre se os militantes poderiam ou não, do ponto de vista legal, deixar de votar no candidato indicado pelo partido.
Alguns ligados à direção majoritária prometem inclusive pedir a abertura de comissão de ética contra filiados que declararem voto em outro candidato e candidatas/os à vereança que aparecem em eventos com outros candidatos à prefeitura.
Lançam mão ainda de argumentos irracionais do tipo ”se o candidato da situação ganhar, a culpa será dos que não estão apoiando” o candidato imposto pela majoritária.
É importante relembrar que, em 2012, o referido candidato (estava na prefeitura de Curitiba quando Beto Richa, de quem era vice, foi eleito governador do Paraná) foi derrotado nas urnas pelo candidato apoiado pelo PT, que teve uma vice-prefeita petista.
Segundo relatos de quem trabalhava na Fundação de Ação Social (FAS), no dia 9 de janeiro de 2013, em retaliação à derrota sofrida, o referido candidato deixou a Assistência Social sem recursos nos acolhimentos de crianças e adolescentes, que ficaram sem comida.
Também é preciso relembrar que o candidato apoiado pelo PT em 2024 à prefeitura de Curitiba:
Apoie o VIOMUNDO
1. De 2006 a 2010, além de vice-prefeito, acumulou o cargo de Secretário Municipal da Saúde. Sua administração foi caótica.
2. Quando assumiu a prefeitura, em 2010, os funcionários da saúde municipal nunca foram tão desprestigiados: além dos péssimos vencimentos, Ducci conseguiu proibir manifestações pacíficas da categoria na frente da sua residência.
3. No mesmo sentido, pediu a CENSURA do blog do Professor Tarso Cabral Violin, que publicara em seu blog que a preferência de seus visitantes era pelo outro candidato em 2012.
4. Gastou quase 85 MILHÕES DE REAIS para construir uma ponte estaiada que não serve absolutamente para nada, dizendo que poderia ter valor turístico. Com esse valor, 20 viadutos comuns poderiam ser construídos.
5. Em seu programa eleitoral de 2012, utilizou imagens de uma escola particular em Curitiba como se fosse uma escola pública, justificando que não poderia utilizar espaços públicos, mas, em outra ocasião, usou sem qualquer remorso imagens de hospitais públicos nas suas filmagens.
6. Na mesma campanha, se declarou “IMIGRANTE LEGÍTIMO E CURITIBANO DA GEMA”. Um discurso xenófobo, preconceituoso e contrário aos ideais de diversidade e tolerância que devem respaldar o crescimento de Curitiba
7. Como deputado federal, disse ”SIM’‘ à abertura do processo de impeachment da Presidente Dilma na Câmara, naquele nefasto 17 de abril de 2016.
8. Ainda na condição de parlamentar, declarou que “Lula era o comandante máximo do esquema de corrupção”, em 14 de setembro de 2016.
9. Em maio de 2023, votou contra o governo Lula, posicionando-se a favor do marco temporal juntamente com Beto Richa, Deltan Dallagnol e outros deputados paranaenses de direita e extrema-direita.
10. Mais recentemente, em maio de 2024, se ausentou da votação que derrotou o veto de Lula à restrição da “saidinha” de presos em feriados.
11. Se ausentou, igualmente, na votação do veto do ex-presidente Jair Bolsonaro a dispositivo que criminalizava a disseminação de fake news em eleições.
Pois bem, diante da biografia política de Luciano Ducci e da forma como a direção majoritária interditou o debate pela candidatura própria em Curitiba, para a qual, aliás, se disponibilizaram ao menos dois nomes de projeção nacional (Carol Dartora e Zeca Dirceu), é natural que parte da militância não queira fazer campanha para o candidato apoiado pelo PT.
Assim como é natural que parte dos militantes filiados se recuse a votar no referido candidato do PSB, cujo vice é do PDT– partido que também não compõe a Federação junto com o PT.
Por conta disso, há um grande número de filiados que apoia candidaturas à vereança do PT e outras candidaturas de pessoas ou partidos de esquerda à prefeitura de Curitiba.
Muitos o fazem de forma velada, com o temor de estar cometendo uma espécie de “crime partidário”.
Já outros assumem publicamente que estão apoiando e votarão, por exemplo, em Roberto Requião (recém-saído do PT para o Mobiliza) e em Andréa Caldas (ex-PT, hoje PSOL).
Para tais ”demônios” parece já estar se formando um “Santo Ofício” que os levará a comissões inquisitórias seguidas das fogueiras da expulsão, pois seriam os verdadeiros responsáveis pelo voto do candidato, atualmente apoiado pelo PT, em favor do impeachment de Dilma Rousseff em 2016 (!).
Sim, eu tenho ouvido irracionalidades como estas:
1. ”Pior que Ducci, foi muitos dos nossos, que em 2014 saíram nas ruas pelo ‘NAO VAI TER COPA’. Foi ali que tudo começou. Se muitos dos nossos não tivessem colaborado, o Ducci não teria votado pelo Impeachment, porque o pedido não teria chegado na Câmara e no Senado”.
2. ”O discurso contra a Dilma iniciou por alguns ‘iluminados’ do partido, que começaram criticando sua política econômica”.
Ou seja, mais uma vez, a culpa é do Petê. Só que agora petistas da linha majoritária acusam as esquerdas petistas de serem culpadas pelo candidato imposto de cima para baixo ter votado a favor do impeachment em 2016. É mais que irracional: é surreal!
Um dos fundamentos utilizados pelo “Santo Ofício” para levar à Comissão de Ética os filiados que apoiarem outro candidato seria cometimento de “infidelidade partidária”.
Vejamos o que diz o Glossário Eleitoral do TSE sobre o que é infidelidade partidária:
A infidelidade partidária se dá quando um político não observa as diretrizes da agremiação à qual é filiado ou abandona o partido sem justificativa. A fidelidade partidária, por sua vez, é uma característica medida pela obediência do filiado ao programa, às diretrizes e aos deveres definidos pela sigla, ou ainda pela migração de um partido para outro.
O TSE entende que, por vigorar no Brasil o sistema representativo, o mandato eletivo pertence ao partido. Além disso, a Lei dos Partidos Políticos prevê, no artigo 22-A, que perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, da sigla pela qual foi eleito.
Ou seja, o fundamento da infidelidade partidária para queimar na fogueira quem votar em outro candidato é, portanto, uma fake news, já que o conceito usado por alguns filiados para aterrorizar outros se refere objetivamente a parlamentares que trocam de partido no exercício de seus mandatos.
O mesmo Glossário Eleitoral do TSE segue informando (grifo meu):
O parágrafo único do mesmo artigo, contudo, considera como justa causa para a desfiliação as seguintes três hipóteses: mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; grave discriminação política pessoal; e mudança de partido efetuada durante o período de 30 dias – a chamada “janela partidária” – que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.
Repise-se que o candidato apoiado e seu vice sequer são filiados ao PT ou a partidos da Federação Partidária na qual está o PT.
Do esboço da biografia política sintetizada mais acima é possível extrair uma boa discussão sobre mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário.
Assim, para os que, num exercício gigantesco de extensividade ou analogia, insistirem em usar o fundamento da infidelidade partidária para expulsar ou pedir expulsões, é preciso dizer que, igualmente, a resposta se encontra no parágrafo primeiro do artigo 22-A da Lei dos Partidos Políticos: justa causa.
Além de poder configurar justa causa votar em outro candidato que não o imposto pela majoritária, tenho para mim (ainda num exercício de analogia que não fui eu quem começou) que no ordenamento jurídico brasileiro vigora a determinação de que ordem manifestamente ilegal não se cumpre.
Isso está também no artigo 22 do Código Penal que tem a rubrica de “Coação irresistível e obediência hierárquica” e assim preceitua: “Se o fato é cometido sob coação moral irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”.
O que pode ser mais bem compreendido nos termos de um entendimento jurisprudencial muito conhecido de pessoas que atuam com o Direito, mas cuja leitura é de fácil compreensão também para quem não opera o Direito cotidianamente: “Ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal, ou a ela se submeter, ainda que emanada de autoridade judicial. Mais: é dever de cidadania opor-se à ordem ilegal; caso contrário, nega-se o Estado de Direito”.
Obviamente que o caso em questão não demanda judicialidades e tampouco quem quiser votar no candidato apoiado oficialmente pelo PT em Curitiba estaria cometendo qualquer ilegalidade.
Assim como, evidentemente, o filiado que optar por não votar no referido candidato não deve ser aterrorizado com a promessa de uma fogueira inquisitória.
A questão é política e se situa, portanto, na esfera principiológica, ética e, por que não dizer?, em camadas da esfera moral.
Ainda que haja quem defenda que fazer campanha ou votar em Luciano Ducci para prefeito de Curitiba não seja uma obrigação política, mas que, mesmo assim, a decisão majoritária vincula todos os filiados, eu ouso questionar e desobedecer.
Ninguém é obrigado a ter vínculo com uma decisão partidária que implica em apoiar candidatura que reflita mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário.
Maiores e mais profundas discussões a respeito de como chegamos a este momento de aparência irracional, devem ser entabuladas em momento oportuno de avaliação partidária, posterior ao pleito municipal de 2024, em plenária ampla e aberta à toda a militância, pois o PT é o conjunto de todos os seus filiados, e não apenas a sua direção majoritária.
Este entendimento não expressa qualquer posição no âmbito da tendência política que integro dentro do Partido dos Trabalhadores. É minha compreensão pessoal.
E, tal como cantava o genial Belchior em ”Como o Diabo Gosta”: Sempre desobedecer, nunca reverenciar!
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
Leia também
VÍDEOS: Petistas evangélicos mostram como conciliar fé e luta política; cinco depoimentos
Tânia Mandarino
Advogada; integra o Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (CAAD).
Comentários
Zé Maria
Leinel Brizola chuta o caixão, enquanto a neta dele,
em Porto Alegre, coligada com o União braZil do Moro,
recebe apoio formal do desgovernador Tucanalha
e ajuda a reeleger desprefeito corrupto e incompetente.
Zé Maria
Pesquisa Real Time Big Data:
“Melo se aproxima de vencer no 1º turno.
Prefeito dePorto Alegre, chegou a 44%
das intenções de voto, enquanto disputa
pelo segundo lugar registra empate técnico
entre Maria do Rosário 13 [Coligação PT/PSOL]
e Juliana Brizola [Coligação PDT/União braZil].”
https://bsky.app/profile/sul21.com.br/post/3l5fczzd6fu24
Na Capital Gaúcha, parece que mais uma vez “o Lombo Votará no Relho”.
https://bsky.app/profile/guilhermens.bsky.social/post/3l5fltehblr2h
Zé Maria
É Domingo que vem!
Faltam 6 Dias para elegermos
os Candidatos do PSOL (50) e
do PT (13), Sem Medo de Errar!
.
Zé Maria
.
Votando 13 ou 50, nas Eleições,
inclusive à Câmara de Vereadores,
nenhum(a) Eleitor(a) perde seu Voto.
.
Bernardo
O PT tem história e experiência suficientes para refletir e renovar seus caminhos. O legado do partido para o Brasil é muito grande e não pode se perder por qualquer tipo de imposição vida das cúpulas. Essas têm que direcionar os debates internos e daí surgirem as decisões. Isso vale para todos os estados. aliás é hora das esquerdas repensaram seu papel e acabar com querelas desnecessárias; enquanto não fazem isso a direita cresce com sua bagagem de ódio e terrorismo patriótico.
Zé Maria
.
“Na hora de votar, lembre-se:
Lugar de militar é pintando meio fio;
lugar de pastor é explorando os fiéis; e
lugar de Bolsonarista é no pasto.”
https://bsky.app/profile/marcovalverde.bsky.social/post/3l5dbpwgzfn2s
.
Zé Maria
“Soco na Democracia”
O LEGADO DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS
PARA A DISPUTA PRESIDENCIAL EM 2026
Violência política na campanha eleitoral é o ápice da aliança
entre o fascismo e o neoliberalismo e demanda uma ampla
reflexão na sociedade e no campo progressista
Por Plínio Teodoro, na Edição Nº 130 da Revista Fórum
Pouco menos de dois anos após sofrer o mais duro golpe
desde a redemocratização, com ataques da horda de
apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) às sedes dos Três
Poderes em Brasília no fatídico dia 8 de janeiro de 2023,
a democracia brasileira recebeu um soco que prenuncia
que o passado violento e golpista da burguesia financista,
atrelada aos interesses do sistema financeiro transnacional,
será projetado em um novo round nas eleições presidenciais
em 2026.
Após Bolsonaro calçar o coturno e levar o Brasil a revisitar
uma página infeliz de nossa história, o fascismo neoliberal
ganhou uma nova face, ainda mais violenta e inescrupulosa,
nas eleições à Prefeitura de São Paulo, em que Pablo Marçal
está herdando a liderança da ala mais radical do bolsonarismo,
que lhe tem garantido cerca de 20% do eleitorado da maior cidade
da América Latina.
Ceivado pelo ódio de Bolsonaro, essa parcela da população agora
se alimenta da violência política disseminada pelo ex-coach e
a facção que o acompanha — parte dos assessores têm ligação
direta com o crime organizado — nas redes, nas ruas e nos debates.
Foi assim na última segunda-feira (23), quando, ao ser expulso por
Carlos Tramontina, faltando 10 segundos para o fim do debate no
Flow, o ex-coach olhou para os assessores e, em um gesto de
consentimento com a cabeça, deu aval para que o sócio e videomaker
Nahuel Medina desferisse um soco no rosto de Duda Lima, marqueteiro
de Ricardo Nunes (MDB) e remanescente da condução da campanha
de Bolsonaro em 2022.
Procuradora regional da República e membro da Academia Brasileira de
Direito Eleitoral e Político (Abradep), Silvana Batini afirma que a violência
física levada à campanha por Marçal, que tem sido aceita por um índice
considerável da sociedade, é a mais nova “surpresa” para a Justiça Eleitoral,
que precisa criar novas leis para que se evite e se punam exemplarmente
todos os envolvidos.
“A violência em contextos políticos,
historicamente, era resultado do
acirramento das disputas.
As eleições de 2024 mostram
candidatos que usam a violência
– seja ela verbal, psicológica ou física –
como estratégia de campanha.
A Justiça Eleitoral tem o dever
de impedir isso.”
“O emprego da violência como estratégia
de campanha tem que ser encarado como
abuso, e daí deve derivar a cassação do
registro e a inelegibilidade desses candidatos
e de quem colabora com eles”, diz.
“Eleições disputadas por membros e
simpatizantes do crime organizado de tipo
violento não podem ser consideradas eleições
normais. Porque essas candidaturas não
têm compromisso com as regras e isso
deixa os demais candidatos em situação de
desvantagem”, emenda.
Para a cientista política Rosemary Segurado, professora da PUCSP, a
penetração da performance cada vez mais radicalizada da extrema direita
em uma parcela considerável da sociedade é preocupante não só do ponto
de vista do processo eleitoral, mas de educação política.
“Esse comportamento é muito perigoso
e ele desperta ou reforça numa parcela
do eleitorado a visão de que é o valentão
quem vai resolver os problemas da cidade,
deslocando um pouco o mito do ‘messianismo’
para o valentão.
E a juventude tem sido muito atraída por esse
perfil”, analisa.
Doutor em geografia e especialista em análise da mídia, Francisco Fernandes Ladeira lembra que o recrudescimento da ultradireita neofascista, que nos trouxe ao fator Marçal em 2024, teve início
quando o debate político mudou de eixo e o campo progressista
foi, aos poucos, abandonando as críticas ao modelo neoliberal
para “morder a isca” da chamada “pauta de costumes” — que diz
respeito aos direitos e à inclusão — lançada pela direita que
começava a se radicalizar.
“Essa era a pauta da eleição presidencial de
2010, quando o PSDB [de José Serra x Dilma (PT)],
inclusive, escondeu seu viés privatista.
Oito anos depois, a extrema direita conseguiu
direcionar a pauta da eleição para o que
conhecemos como ‘pauta dos costumes’.
Consequentemente, puderam divulgar todo
tipo de fake news sobre uma provável vitória
do progressismo ‘ameaçar os tradicionais
valores da família cristã brasileira’.
A esquerda mordeu a isca”,
disse à Fórum.
Ladeira resgata ainda a máxima marxista que aponta ser o fascismo
a “carta na manga” que o sistema capitalista possui quando a democracia
burguesa já não é mais suficiente para manter os lucros dos grandes
capitalistas.
“Pablo Marçal é mais bolsonarista que o próprio Bolsonaro.
Diferentemente do ex-presidente, ele realmente representa
o slogan ‘liberal na economia, conservador nos costumes’.”
“Se Nietzsche dizia que o cristianismo é um platonismo vulgar
para as massas; podemos dizer que o ‘marçalismo’ é a racionalidade
neoliberal vulgar para as massas.
Nos discursos de Marçal estão presentes todas as ilusões difundidas
na atual fase do capitalismo, sobretudo a chamada ‘meritocracia’
(a responsabilização do indivíduo por sua situação econômica)”,
explica.
A posição é compartilhada pelo doutor em economia Paulo Kliass, membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental
do governo federal.
Segundo ele, o financismo tem preferência por candidaturas e programas
de sua confiança.
“O caso mais concreto foi em 2018,
na hora que o Paulo Guedes entrou
na campanha de Bolsonaro e as
alternativas da terceira via não se
viabilizaram eleitoralmente.
Eles caíram sem nenhuma dúvida,
a despeito do passado do Bolsonaro
de defesa da ditadura, da tortura:
‘não, ele está conosco porque o Paulo
Guedes é um cara nosso e nós achamos
que na política econômica vamos ter
influência.
O cara é branco neofascista, mas o que
interessa é que na política econômica
vamos estar bem seguros’”, rememora.
Para isso, o avanço da ultradireita contou com a atuação imprescindível
da mídia liberal que, embora mostre certa divergência com a ultradireita
na chamada “pauta de costumes”, coaduna com o modelo econômico
cunhado por Milton Friedman e imposto via Consenso de Washington
aos países periféricos com vista a aumentar o domínio e os lucros do
sistema financeiro internacional.
“A economia é um dos principais elos
entre os meios de comunicação
neoliberais e a ultradireita.
E essa relação é explícita.
Os caras abriram mão de quaisquer
pruridos na época do Bolsonaro,
porque tinham um apoio explícito
à política do Paulo Guedes”,
diz Kliass.
Fernandes Ladeira, no entanto, afirma que essa aliança entre a mídia liberal
e a ultradireita não se torna perceptível para uma determinada parcela da
população, que adota um discurso incongruente para defender “mitos”,
como Bolsonaro e Marçal, que propagam a narrativa de um falso
antagonismo.
“Apesar de inúmeras matérias denunciando
a ‘internacional fascista’, a GloboNews, por
exemplo, está longe de ser ‘antifascista’ (haja
vista seu apoio antecipado à candidatura do
‘bolsonarista moderado’ Tarcísio de Freitas
para a Presidência da República em 2026).
Há também certa conveniência nessa relação.
Mídia e neofascistas podem se aliar em
determinados momentos; e se afastar
um pouco em outros.
Ambos se retroalimentam quando estamos
falando em antipetismo, submissão à agenda
externa imperialista e menor atuação do Estado
na economia.
Na época dos noticiários inflamados sobre
a farsesca operação Lava Jato, os neofascistas,
começando a sair do armário, vibravam a cada
edição do Jornal Nacional.
Quando a Globo, que apoiou Bolsonaro em 2018,
ensaiou uma suposta oposição ao governo do
ex-capitão, virou ‘Globo lixo’”, lembra.
Para enganar o eleitorado sobre esse falso antagonismo, o neofascismo contou com as redes sociais, que foram manipuladas de forma inédita
por Pablo Marçal nas eleições atuais.
Ex-coach, o milionário montou uma estrutura de premiação em dinheiro
pago a milhares de integrantes de uma milícia digital aglutinada na
plataforma Discord, que buscam, assim como o líder, acumular fama
e fortuna como influenciadores digitais.
“Os algoritmos das redes sociais são
estruturados para prender a atenção,
premiando o alarmismo, informações
‘chocantes’ e teorias da conspiração.
Um prato cheio para a extrema direita,
que radicaliza cada vez mais o seu
discurso para gerar engajamento,
auxiliada pela lógica do lucro das
grandes plataformas”,
explica Edgard Piccino, analista de
redes sociais da Fórum.
“Meritocracia da Prosperidade”
Participando do jogo obscuro com a mídia liberal e impulsionado pelas redes,
Marçal dá um passo além do que foi feito por Carlos Bolsonaro (PL-RJ) no
chamado ‘Gabinete do Ódio’, desafiando a hegemonia do ex-presidente
no comando da ultradireita tupiniquim.
O ex-coach ainda adapta o discurso neoliberal em forma de pregação
para cooptar uma outra parcela do eleitorado bolsonarista:
os evangélicos ligados aos pastores midiáticos e a uma gama de igrejas
neopentecostais.
“A meritocracia marçalista casa muito bem
com a teologia da prosperidade, pois, em última
análise, elas só abençoam quem ‘merece’.
É o cara que se ‘esforçou’ equivalente ao que
‘foi fiel’ e Deus ‘honrou’ sua fidelidade.
No fundo, nas duas ideologias (marçalista e
prosperidade) o que vale é o ‘esforço humano’
para alcançar aquilo que, na verdade, só vem
para pouquíssimos (e eles sabem disso), mas
é uma lógica lotérica, de que, em milhões,
apenas um ganha.
E esse que ‘dá certo’ serve de exemplo para
fidelizar e manipular a massa, que faz o que
pode para ‘chegar a sua vez’.
É uma espécie de bet espiritual/mental.
Milhões apostam, milhões perdem, mas
os que ganham são os que são anunciados/
projetados, fazendo com que os outros ‘acreditem’.
Não há diferença entre o ‘eu sou a Universal’,
‘faz o M’ e o ‘profetize’ das bets”, diz o pastor
Zé Barbosa, teólogo, escritor, pós-graduado
em ciências políticas e pastor da Comunidade
de Jesus em Campina Grande (PB).
Pablo Marçal, condenado à prisão como membro de uma quadrilha que
dava golpes em correntistas de bancos pela internet e satirizado por
se perder em uma excursão com 32 doutrinados no Pico dos Marins
em janeiro de 2022, tornou-se o principal protagonista na nacionalizada eleição paulistana.
O caos levado pelo ex-coach ao pleito em São Paulo é, antes de tudo,
um convite para se refletir sobre o processo eleitoral e os rumos
da democracia, que vem sendo surrada com o recrudescimento
do neofascismo aliado ao projeto de acumulação neoliberal
— tema que, infelizmente, tem ficado cada dia mais à margem do
debate na política e na sociedade.
Para a procuradora Silvana Batini, o momento demanda ampliação
do debate para repensarmos os limites da autonomia partidária,
democracia interna dos partidos e modelos de responsabilização
objetiva para determinadas infrações graves de candidatos.
“Estamos, nestas eleições, todos estupefatos
com a escalada da violência e da vulgaridade
de determinados candidatos.
Mas ninguém vai aos partidos políticos perguntar
o que eles têm a dizer sobre essa deterioração do
ambiente eleitoral.
Partidos que têm o monopólio das candidaturas
e que detêm parcela enorme do orçamento público
precisam ser comprometidos com a restauração
da saúde do debate político.
São eles que arregimentam as lideranças e as
transformam em candidaturas”, diz.
Ex-ministro do Trabalho e da Previdência no primeiro mandato de Lula
e titular de outras três pastas no governo da presidente Dilma Rousseff, Ricardo Berzoini afirma que estas eleições oferecem ainda uma
oportunidade ao campo progressista para rever de forma urgente a estratégia não somente eleitoral, mas de atuação política.
“Creio que a maioria dos eleitores quer debater os
seus problemas cotidianos, a educação, a saúde,
a mobilidade, a segurança etc.
É um erro entrar na pauta da direita.
A desigualdade social, que é da natureza do capitalismo,
e acirrada pelo neoliberalismo, joga a maioria da população
para uma vida muito difícil, com carências extremas.
Cabe fazer política com essas questões o tempo todo,
para ter legitimidade de tratar disso no período eleitoral”,
disse à Fórum.
Berzoini ainda se mostra incrédulo como “todos tenham caído no debate
de interesse do Marçal” e defende que a pauta econômica volte para o
centro do debate político.
“A mídia empresarial e até os espaços do
campo popular ficam debatendo a cadeirada,
o soco.
Marçal quer exatamente isso.
Nós temos que mostrar que o modelo liberal-
financista está sacrificando a maioria da
população, que ferrou a saúde pública,
a educação, que joga milhares de jovens
a virarem escravos do iFood e do Uber
e que não permite acesso aos direitos
básicos”, enfatiza o ex-ministro.
Berzoini afirma também que caberá ao campo progressista rever hoje sua
atuação de forma séria para que o fator Marçal — que sairá vencedor
mesmo se não for ao segundo turno das eleições paulistanas — não desfira
mais um soco na democracia e no debate amplo de ideias, especialmente
sobre as causas da desigualdade social, dentro da própria esquerda.
“Que tal discutirmos nossas fraquezas,
a desorganização, a falta de um planejamento
estratégico e a natureza cada vez mais eleitoreira
da esquerda brasileira?
2026, nesse quadro, depende de “São Lula”,
nosso padroeiro das eleições impossíveis.
Se a esquerda quiser sobreviver ao pós-Lula,
precisa discutir sua realidade agora”, conclui.
https://semanal.revistaforum.com.br/wp-content/uploads/2024/09/Revista-Forum-130-27.9.2024.pdf
.
Deixe seu comentário