
Nísia e o Boné do DR.
Por Roberto Mardem Soares Farias*
(Os negritos ao longo do artigo são do próprio autor)
O “DOUTOR” chegou para salvar a saúde pública (ou como desvalorizar uma socióloga e todos os outros profissionais de saúde em um slogan e um boné).
Ah, que alívio! Finalmente um médico, meu parça e de quem gosto muito, assumiu o Ministério da Saúde após o mandato de Nísia – uma mera socióloga especializada em políticas públicas, apenas ex- presidenta da Fiocruz, uma mera doutora e cientista aclamada (por uns cientistas em quem ninguém acredita).
Afinal, quem precisa de ciências sociais quando se pode resolver tudo com um estetoscópio e um boné personalizado que anuncia chegada do “doutor”? Quanto orgulho tenho eu dos meus colegas, na sua maioria de direita, anticiências e antipovo.
A cerimônia de posse de Alexandre Padilha não poderia ser mais simbólica: enquanto Nísia, a ex-ministra, deixava um legado de reconstrução de políticas de vacinação e atenção primária e do próprio Ministério, destruído na gestão do inelegível, o novo gestor chegou distribuindo leques e bonés com a mensagem subliminar de que ”agora sim as coisas vão funcionar”.
Porque, claro, competência técnica se mede pelo título acadêmico – não qualquer um, mas de doutor-médico (e pelo gênero?), não pelos resultados concretos, certo?
Ou a gestão da Nísia foi apenas de “achismos” sociológicos e só eu não percebi?
Agora tudo vai melhorar, pois afinal assume um dr. – médico. Quem são vocês, mulheres, para se achar as melhores?
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Só porque são a maioria a passarem nos vestibulares? Só porque são a maioria em qualquer concurso público? Só porque foram as melhores, como presidentas ou primeiras-ministras, na gestão da pandemia de Covid?
Assim como Lula melhora as condições do povo e da economia nacional por pura sorte, o mesmo se dá com vocês – pura sorte! Quero ver ser maioria no congresso e nos lugares de poder. Aí somos nós que mandamos. Ainda mais se somos Dr. Nem vem que não tem. Vão para lá com suas sociologias.
Lula precisa vencer a eleição em 2026 (embora eu ande muito pessimista). Precisa de muito marketing, pois mais que faça os jornalões e os Nikolas da vida conseguem colocar na cabeça do povo que está tudo muito ruim – parênteses: Esse Nikolas é muito esperto – chegará longe nesse país direitoso, misógino, racista, violento – a cara dele ou é ele que é a cara desse brasil. Mas o marketing poderia ter, pelo menos, a respeitado. Que horror.
Será que Sidônio se perguntou se a mensagem do “doutor chegou” não soa como uma violência simbólica? Como se dissesse: “Não se preocupem, pessoal! Enquanto a socióloga fazia teoria, nós trouxemos um profissional de verdade! Olha, aí – um médico.”
Combina com a fritação e queimação a que vinha sendo submetida há dias antes da sua demissão – por Lula e por outros membros do governo que deixavam ‘escapar’ que ela seria substituída porque não era competente e deixava a desejar.
Sim, deixava a desejar porque não agradava ao centrão – era rígida no controle das emendas, exigindo (como diz a legislação) projetos que os justificassem.
E se o centrão não conseguiu o cargo (ufa!), menos mal que foi para um médico que faz melhor política (negocia mais, se assim se pode dizer! – e olha que gosto do Padilha pessoalmente).
Fizeram muita gente acreditar que uma gestão exitosa (com alguns erros e problemas, claro), teria sido um fracasso. Ficaram procurando pelo em ovo.
Quase dá para esquecer que saúde pública depende mais de gestão intersetorial e coletiva do que de receituário individual.
Mas, ei, quem sou eu para questionar? Afinal, o boné é estiloso e combina perfeitamente com o ar de superioridade de quem acredita que um diploma de medicina é passe livre para apagar contribuições anteriores.
Só espero que, entre um leque e outro, o novo ministro não esqueça que saúde se faz com respeito às trajetórias – marketing é importante, mas não poderia ser feito de outros jeitos?
Nunca fui de pôr muita fé em governos – todos são problemáticos – alguns mais, alguns outros menos e alguns execráveis– nenhum perfeito (cada vez mais me torno anarquista-caviar).
O governo de Lula está entre os menos problemáticos para o povo brasileiro – mas, que merda: exploração de petróleo (a próxima a ser queimada é a Marina) e fatos como esse reforça a minha opinião de que estado, por melhor que seja, é sempre insuficiente.
*Roberto Mardem Soares Farias. Ex-Dr, aposentado pelo Ministério da Saúde e Prefeitura de Campinas.
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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