“Pandemia se soma a graves problemas já enfrentados pelos povos indígenas e profissionais que cuidam deles”
Tempo de leitura: 4 minA pandemia é um problema sanitário grave que se soma a outros problemas cotidianos dos povos indígenas
por Carmen Pankararu e Antônio Alves de Souza*
Os índios do Brasil viveram séculos na invisibilidade. Apesar de terem atravessado caminhos de mortes e de cicatrizes não curadas, pouco se fala na história de vida real desses povos, que foram dizimados por doenças introduzidas pelos invasores portugueses e outros: dentre elas, gripe, varíola, sarampo.
Com o coronavírus (Covid-19) não está sendo diferente.
Faltam aos povos indígenas o essencial: sistemas de saneamento básico nas aldeias, com oferta de água potável em quantidade e qualidade, um dos itens mais importantes para a prevenção do coronavírus.
Falta também a garantia da produção de alimentos saudáveis nas aldeias, que, em contraponto, vem sendo substituída pela distribuição de cestas básicas, que nem sempre contêm os itens de primeira necessidade, tampouco respeitam os costumes alimentares das diferentes etnias.
A distribuição dessas cestas por pessoas estranhas às comunidades aumenta os riscos de contaminação.
Um outro fator determinante são as características das moradias, cuja maioria não apresenta condições adequadas para o acolhimento de uma pessoa que necessite permanecer em isolamento social.
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Na prática, as moradias são coletivas, com poucas estruturas, a maioria sem divisão em cômodos, com cozinhas coletivas, uso de redes e do fogo como forma de aquecimento.
Isso dificulta a diferenciação entre sintomas respiratórios de uma síndrome gripal e daqueles produzidos pela fumaça, as quais também são usadas nos rituais de cura, considerando a vida, os costumes e as tradições.
A pandemia de Covid-19 é um problema sanitário grave que vem se somar a outros problemas cotidianos.
Na atual situação, o que poderia amenizar o adoecimento dos povos indígenas seria a adoção de medidas de isolamento social nas aldeias, apoiadas pelo governo federal, com a formação de barreiras sanitárias, com a participação dos profissionais de saúde, funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) e com participação de lideranças indígenas e do controle social, inclusive com a presença de órgãos de segurança federais e estaduais, para impedir as visitas clandestinas e indesejadas de invasores das terras indígenas.
Outra medida importante é a adoção do processo de quarentena para as pessoas que se deslocam de outras áreas para as aldeias, incluindo os moradores da própria aldeia ou os trabalhadores e as trabalhadoras da saúde indígena ou de outras áreas.
Para essa medida ser efetivada, é importante que as estruturas de uso coletivo nas aldeias, sejam elas postos de saúde, escolas, igrejas, casas de rezas, estejam submetidas a um processo de desinfecção, servindo, inclusive, para isolamento de pacientes contaminados.
É importante ressaltar o crescimento da contaminação nas aldeias devido ao deslocamento para a área urbana em busca do saque do auxílio emergencial.
O governo precisa adotar estratégias para pagamento dos benefícios diretamente nas comunidades ou em locais mais próximos delas para evitar o fluxo para as zonas urbanas, situação que vem se agravando porque famílias inteiras permanecem nas cidades aguardando o beneficio, favorecendo a propagação do vírus, que vem vitimando principalmente os anciãos detentores dos conhecimentos tradicionais.
Além disso, as medidas que exigem o afastamento de uma pessoa portadora de Covid-19 da aldeia muitas vezes faz com que ela tenha que ficar isolada nas cidades, sem o acompanhamento familiar, contrariando os costumes da convivência em grupo.
A situação se agrava quando o indígena vem a óbito e não pode retornar para sua aldeia, onde tradicionalmente são realizados os rituais de passagem.
A aldeia espera o retorno do corpo que não volta, gerando sofrimento prolongado, sem justificativa com fundamentos na cultura ancestral.
A saúde física e psicológica dos trabalhadores e trabalhadoras da Saúde Indígena também está afetada, pois estamos sem as devidas condições de trabalho para fazerem o enfrentamento à pandemia.
A insegurança dos profissionais passa inclusive pela ausência de políticas de contratação estável dos recursos humanos para a saúde indígena, ainda contratados de forma precarizada por meio de convênios do Ministério da Saúde com ONGs; pela ausência de testes para coronavírus, adoecimentos, hospitalizações e mortes, principalmente daqueles que estão nas áreas de difícil acesso, sem comunicação, sem energia elétrica, com deslocamentos desgastantes devido a uma logística inadequada e inapropriada que se dá por vias aéreas, fluviais e terrestres.
Nesse processo, não há garantia de acesso às ações de média e alta complexidades como exames, internações e UTI quando necessitam.
Ainda não foi possível se fazer um levantamento da real situação dos trabalhadores e das trabalhadoras da Saúde Indígena.
Além disso, o sindicato não sabe como estão sendo feitas as substituições nas equipes nas ausências dos trabalhadores afastados das suas atividades devido à Covid-19.
Por causa dessa ausência de dados, o Sindicopsi buscou parceria com a Universidade de Brasília (UnB) para realizar uma pesquisa específica que objetiva conhecer a realidade da segurança e da saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras da saúde indígena nos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) e na Casa de Saúde Indígena (Casai/DF) frente à Covid-19.
Estamos lutando para fortalecer os processos de educação em saúde nas aldeias, utilizando material informativo adequado para os povos indígenas, com objetivo de sensibilizá-los para as medidas de prevenção, incluindo o não compartilhamento de objetos de uso pessoal ou os usados nos rituais, exigindo a distribuição e manutenção de equipamentos de proteção individual como as máscaras, não somente para os trabalhadores, mas também para serem usadas pelas comunidades nos casos de suspeição de contaminação pelo coronavírus.
* Carmen Pankararu é conselheira do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Antônio Alves de Souza, do Sindicato dos Profissionais e Trabalhadores da Saúde Indígena (Sindicopsi)
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