Francisco Funcia: Bolsonaro não dá dinheiro à Saúde para combater o coronavírus

Tempo de leitura: 5 min
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcello Casal/Agência Brasil

A tática da retranca: até quando?

por Francisco R. Funcia*, especial para o Blog da Saúde

A análise técnica do financiamento federal do SUS está fortemente condicionada pela crise político-institucional do país no contexto do coronavírus, envolvendo as seguintes situações:

I. Presidente da República versus Ministro da Saúde.

II. Presidente da República versus Presidente da Câmara dos Deputados e Presidente do Senado Federal.

III. Presidente  da República versus Governadores dos Estados e Prefeitos dos Municípios.

IV. Repercussão internacional negativa, inclusive em termos econômicos, da postura adotada pelo Presidente da República em contradizer as orientações de distanciamento social preconizadas pelo Ministério da Saúde e pelos organismos nacionais e internacionais científicos da área da saúde.

Na primeira situação, além de desautorizar diversas vezes as orientações do Ministro da Saúde, não houve (até 1º de abril, portanto passados 60 dias desde o conhecimento público da pandemia no mundo e no Brasil), nenhum ato do Presidente da República para autorizar de abertura de crédito adicional, suplementar ou extraordinário, para aumentar as dotações orçamentárias do Ministério da Saúde para financiar as despesas emergenciais de combate ao coronavírus.

Houve, até o momento, apenas um simples remanejamento orçamentário para criação da ação específica para as despesas decorrentes dessa pandemia no Ministério da Saúde de pouco mais de R$ 5,0 bilhões, dos quais R$ 4,8 bilhões mediante a retirada de recursos das dotações da subfunção “Atenção Básica” e da subfunção “Assistência Hospitalar e Ambulatorial” – ainda que estivessem vinculadas originalmente para as emendas parlamentares, seriam recursos para outras necessidades de saúde anteriores à chegada do coronavírus no Brasil.

Esse remanejamento foi necessário para garantir com urgência os recursos iniciais para enfrentar a pandemia, mas também revelador do atraso da área econômica em adotar as medidas necessárias e emergenciais de rompimento da política econômica de austeridade fiscal

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Em outros termos, esse remanejamento orçamentário é similar “à troca que um técnico faz de um jogador por outro num jogo de futebol”, sem mudar a tática de jogar na retranca.

Neste caso, recursos das ações de saúde programadas tecnicamente em 2019 (algumas inclusive pactuadas na Comissão Intergestores Tripartite para transferências fundo a fundo para os Estados, Distrito Federal e Municípios) – quando não se imaginava a pandemia – para constar no orçamento de 2020 do Ministério da Saúde visando ao atendimento das necessidades de saúde da população foram trocados para financiar uma nova ação de combate ao coronavírus.

É como se as necessidades de saúde da população que seriam atendidas por meio daquelas ações tivessem “magicamente” desaparecido.

E, pior, mantendo a “tática da retranca” (isto é, a lógica da austeridade fiscal).

Em tempos de coronavírus, e do necessário distanciamento social para toda a população (que parece se estenderá, no mínimo, até meados do mês de maio), o presidente da República tinha a obrigação de alocar recursos adicionais não somente ao Ministério da Saúde, mas para todos os demais ministérios envolvidos com medidas para compensar os efeitos da queda da atividade econômica para a população, cuja fonte de financiamento imediata deveria ser a venda de títulos da dívida pública, emissão de moeda e/ou utilização parcial do superávit financeiro do Tesouro Nacional.

Sem recursos adicionais no orçamento para a adoção das medidas de combate ao coronavírus e de proteção dos trabalhadores de saúde, o Ministério da Saúde fica de “mãos atadas” para coordenar e operar as ações necessárias, o que pode caracterizar uma espécie de “pressão presidencial” para que o ministro e sua equipe peçam demissão, considerando a postura observada pelo presidente da República ao longo do mês de março.

Essa situação se relaciona com o item II diante da proposta da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do “orçamento paralelo” ou “orçamento de guerra” que o Presidente da Câmara dos Deputados está capitaneando.

De um lado, a postura do presidente da República pode servir de justificativa para a tramitação rápida dessa PEC.

Mas, de outro lado, pode ser do interesse da área econômica do governo, pois flexibiliza a execução orçamentária e contém outros dispositivos que podem servir de referência para viabilizar a outra PEC em tramitação desde novembro de 2019, que trata da desvinculação do orçamento em geral, e dos pisos da Saúde e Educação em especial, mantendo o teto das despesas primárias para o período após a pandemia.

É oportuno lembrar que, hoje, a saúde (e o SUS) é quase uma unanimidade nacional para alocação e execução de recursos orçamentários e financeiros, mas não será assim quando os efeitos negativos da pandemia se reduzirem ao mínimo.

É oportuno alertar que haverá uma demanda represada de ações de saúde para a população a serem atendidas, como, por exemplo, as cirurgias eletivas que foram adiadas, além do combate à dengue, à gripe H1N1, entre outras, o que exigirá a alocação de recursos adicionais agora e no futuro.

Somente em 2 de abril, por meio da Medida Provisória 940, que o Ministério da Saúde recebeu um acréscimo no seu orçamento de 2020: R$ 9,444 bilhões.

Esse valor representa apenas cerca de 8% do total programado para o Ministério da Saúde em 2020 antes da existência do coronavírus, além de insuficiente diante dos cálculos preliminares extraoficiais de acréscimos de despesas para o combate à pandemia que tem sido divulgados pela mídia (entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões).

Vale lembrar que Emenda Constitucional 95/2016 tem sido responsável pela redução estimada de recursos federais para o SUS de R$ 22,5 bilhões desde 2018, além de aumentar o estoque de restos a pagar do Ministério da Saúde para o patamar de cerca de R$ 20,0 bilhões desde 2017.

Manter a regra de cálculo do piso federal do SUS e o teto de despesas primárias da União conforme estabelecido pela EC 95/2016 após o final dessa pandemia é repetir o erro que impediu tanto a retomada do crescimento econômico após a recessão de 2015 e 2016, como a estruturação do Sistema Único de Saúde mediante o fortalecimento do acesso universal por meio da estruturação da rede de atenção à saúde a partir da atenção básica e da valorização dos profissionais de saúde conforme preconizado pelo Conselho Nacional de Saúde.

E, como diz o ditado popular, errar é humano, mas persistir no erro revela o poder dos interesses econômicos dentro e fora do Estado em torno da política de austeridade fiscal.

Os itens III e IV estão inter-relacionados.

Se houver aprofundamento da crise do presidente da República com governadores e prefeitos, pode entrar explicitamente em cena a pressão do capital financeiro internacional para o impeachment de Jair Bolsonaro em aliança com os partidos de oposição e outros segmentos da sociedade brasileira.

Mas, é sempre bom lembrar  que essa pressão do capital financeiro internacional sobre o presidente da República pode ser considerada  uma espécie de chantagem para acelerar o processo de internacionalização do setor bancário no Brasil (que está presente no receituário da visão dominante da área econômica do governo).

Sobre isso, é interessante observar o crescimento das críticas ao presidente da República na imprensa internacional.

Este é o momento das forças progressistas entrarem em cena de forma firme e articulada, como ocorreu no processo das “Diretas Já”.

Só que devidamente “vacinadas” contra a tentação de acordos pragmáticos com quem respeita os interesses dos grandes grupos econômicos nacionais e internacionais.

É preciso defender com vigor os interesses populares visando à construção de uma sociedade sem desigualdade socioeconômica.

Os próximos capítulos dessa crise serão decisivos.

*Francisco R. Funcia é economista, professor da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e consultor técnico do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Observação: Trata-se de  opinião pessoal do autor; não representa um posicionamento das instituições em que atua profissionalmente

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Comentários

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Zé Maria

Até hoje Guedes não conseguiu viabilizar sequer os R$ 600 às pessoas na faixa da pobreza. Ontem, ao mesmo estilo Rolando Lero (o inesquecível personagem de Chico Anísio) explicou que a liberação dos recursos dependia de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição).

Imediatamente foi desmentido por Bruno Dantas, Ministro do TCU (Tribunal de Contas da União): “Usar a “regra de ouro” – escrita na Constituição para tempos de normalidade – como pretexto para atrasar a destinação emergencial de renda mínima já aprovada pelo Congresso de R$600 a idosos, pessoas com deficiência e trabalhadores informais não é simples omissão. É ação. E grave”.

Também foi desmentido por Felipe Saito, diretor-executivo da IFI BR (Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado): “Guedes está errado. Não se precisa de PEC para pagar o benefício de R$ 600, mas de uma MP. Fonte: dívida. Se a regra de ouro for rompida, um PL para que o Congresso autorize o rompimento. Vale lembrar: a regra de ouro já vem sendo rompida com autorização do Congresso há 2 anos”.

Até o pronunciamento de Bolsonaro, à noite, o estímulo para as pessoas voltarem ao trabalho era uma maneira de ocultar a incompetência do governo em fazer o dinheiro chegar às mãos dos desassistidos.

As explicações de Guedes escancararam a rotunda incompetência da área econômica em administrar a crise. Ainda não definiram uma fórmula minimamente eficiente para estimular a oferta de crédito dos bancos. Jogaram dinheiro nos bancos, com liberação do compulsório, mas não reduziram o risco de crédito até agora. O dinheiro ficará empoçado.

Na mesma coletiva, Guedes só foi superado por Sérgio Moro. Anunciou medidas pífias, de isolamento de presos. E garantiu que não há nenhuma vítima do coronavirus nos presídios. Só quando os corpos começarem a amontoar nas galerias dará o braço a torcer …
P
Jornalista Luís Nassif, no GGN

Íntegra em:
https://jornalggn.com.br/a-grande-crise/xadrez-do-inicio-do-jogo-pos-bolsonaro-por-luis-nassif/

Zé Maria

Quando terminar a Votação, consulte o Resultado do Acordão aqui:
https://www.camara.leg.br/presenca-comissoes/votacao-portal?reuniao=59543&itemVotacao=28621

Zé Maria

https://youtu.be/ECilVCKyxuo

Partido da Globo propõe PEC do Estrangulamento do Serviço Público.

Está em Votação, neste momento, em Primeiro Turno na Câmara, a PEC
denominada do ‘Orçamento de Guerra’ apresentada pelo Partido ‘Novo’.

Os Ultraliberais precisam de 308 votos na Sessão de hoje, para aprová-la.

E nada do desgoverno pagar os R$ 600,00 pro pobre desempregado.
Cobrar imposto de Grandes Fortunas e sobre Juros e Dividendos nunca.
.
“Para auditores do TCU, PEC do ‘orçamento de guerra’ é desnecessária”

Por Rosana Hessel, na Coluna do Repórter Vicente Nunes, no Correio Braziliense

O governo está fazendo uma série de confusões para evitar ter responsabilidade sobre a demora na liberação dos recursos para os mais pobres e estados e municípios para agirem no combate à crise provocada pela pandemia da Covid-19, causada pelo novo coronavírus. O ministro da Economia, Paulo Guedes, passou defender agora mudança na Constituição para agir com mais rapidez e botou a culpa no Congresso, que já aprovou os recursos emergenciais a toque de caixa. Parece que ele esquece que até o Supremo Tribunal Federal (STF), deu aval para ele agir, flexibilizando a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Enquanto isso, o governo está deixando de socorrer, na velocidade esperada e desejada, os mais pobres e ainda provoca desconfiança sobre o real motivo desse novo discurso. Na avaliação da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU) não há necessidade de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do chamado “orçamento de guerra” para permitir a emissão de dívida pública para cobrir despesas correntes, como quer o ministro, para cumprir a regra de ouro.
O maior problema se isso ocorrer, segundo a AUD-TCU, será o retrocesso no arcabouço para que o governo administre o dinheiro público com responsabilidade.

Pela regra de ouro, o governo não pode emitir títulos para cobrir despesas correntes acima dos gastos com investimentos e capital.
Vale lembrar que o presidente Jair Bolsonaro já descumpriu essa norma no no ano passado e teve autorização do Congresso para isso e, inclusive, durante janeiro e junho do ano passado, quando o aval foi concedido, gastou como nunca acima do permitido na regra e não sofreu sanções porque a norma só considera os gastos no fim do ano e, neste ano, o Orçamento já prevê um buraco de mais de R$ 340 bilhões para o cumprimento neste ano.
E ele poderá ser maior ainda, pelas estimativas do Tesouro Nacional.

“A Constituição já prevê uma janela para o descumprimento da regra de ouro. Tanto que, no ano passado, mesmo sem calamidade, o governo descumpriu a norma e gastou R$ 185 bilhões a mais, com autorização do Congresso.
Ele só precisa pedir autorização novamente e, para isso, não é preciso uma PEC”,resumiu a presidente da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU), Lucieni Pereira.

Em Nota Técnica enviada ao TCU e aos parlamentares, a associação criticou a PEC do “orçamento de guerra” e considerou a medida desnecessária no momento atual.
“A proposta flexibiliza normas de finanças públicas e institui um regime extraordinário fiscal e de contratações para atender às medidas emergenciais de combate ao coronavírus.
Além disso, a proposta restabelece o orçamento monetário que vigeu na década 1970, o que acarreta descrédito do Orçamento Geral da União”, pontuou o documento.

Lucieni contou que os técnicos da entidade analisaram ponto a ponto da proposta da PEC e a conclusão é que não há necessidade da aprovação.
Além disso, a votação só vai fazer o Congresso perder tempo precioso
em matérias mais urgentes.
“O governo não precisa de PEC para gastar mais.
Tudo isso dá para resolver por meio de lei complementar.
Analisamos item por item do projeto”, destacou.

“Não há necessidade de PEC para nenhum desses pontos.
O governo está num jogo de que não pode fazer nada enquanto não tiver PEC.
E não precisa de PEC. Basta uma lei complementar ou lei ordinária”, explicou.
“A área econômica está dizendo que precisa de emenda constitucional para fazer
as coisas e não precisa”, emendou.

A PEC foi apresentada por meio da Minuta de Proposição Legislativa (MIP) 1/2020.
Após a aprovação da referida MIP, também na noite de ontem, o texto do ‘orçamento de guerra’ foi efetivamente convertido em Proposta de Emenda à Constituição nº 10, de 2020 (PEC nº 10/2020).

Distorção
A nova PEC, na avaliação de Lucieni, ainda distorce a função do Banco Central,
permitindo a compra de “títulos podres” de empresas privadas, em vez de
capitalizar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
para que ele emprestasse às empresas a juros e condições compatíveis com a
crise sanitária mundial.
“É preciso tomar muito cuidado com essas propostas que vão na contramão
da responsabilidade fiscal”, alertou.

Economistas especializados em contas públicas também não poupam críticas
à obsessão de Guedes em tentar mudar a Constituição, assim como regras
de responsabilidade fiscal na atual conjuntura, sem necessidade, provocando
o chamado “apagão das canetas”.

Lucieni lembrou ainda que o Partido Novo apresentou emenda à PEC nº 10, de 2020, com proposta o confisco temporário de 26% a 50% da remuneração e dos subsídios em período de calamidade pública ou calamidade financeira, medida criticada pela a presidente da entidade.
“A proposta de confisco, como a AUD-TCU já comprovou em Nota Técnica, tem fato gerador de empréstimo compulsório que não pode se restringir a servidores públicos”, destacou.
“Isso vai provocar um movimento de aposentadorias no serviço público
que poderá prejudicar o atendimento de alguns setores à população
na atual conjuntura”, alertou.
(Colaborou Sarah Teófilo)

http://blogs.correiobraziliense.com.br/vicente/para-auditores-do-tcu-pec-do-orcamento-de-guerra-e-desnecessaria/

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