Fernanda Magano: Atribuir o suicídio a apenas causas individuais e transtornos mentais é simplista demais

Tempo de leitura: 3 min
Fotos: CNS

Consolidar um diálogo sobre tentativas de suicídio justificados apenas em causas individuais e transtornos psiquiátricos, é simplista demais

Por Fernanda Lou Sans Magano*

É fundamental desvelarmos este tema sem preconceitos e amplificarmos na saúde pública ações de prevenção e cuidado.

Este deve ser um movimento cotidiano, todavia foi criado um “Dia Mundial da Prevenção do Suicídio” celebrado em 10 de setembro e referendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). A data remete a um compromisso global para chamar atenção para a prevenção.

Segundo a OMS, o suicídio continua sendo uma das principais causas de morte no mundo, sendo responsável por uma em cada 100 mortes, e se configura como um problema de saúde pública.

É um fenômeno complexo, multifacetado e de múltiplas determinações, que pode afetar indivíduos de diferentes origens, classes sociais, idades, orientações sexuais e identidades de gênero.

Os índices de violência LGBTI+fóbica colocam o nosso país no primeiro lugar no ranking de assassinatos à população LGBTI+ em todo o mundo.

O racismo estrutural gera danos que impactam estados psíquicos através da humilhação racial e a subsequente ação de tentativa de apagamento das consequências do sofrimento psíquico entre a população negra.

Preocupa, e deve ser melhor estudada, a taxa de mortalidade por suicídio entre povos indígenas no Brasil ser três vezes maior que a da população em geral.

É preciso buscar formas de intervenção e cuidado da saúde mental desta população, respeitando suas concepções de vida, de morte, sua organização social e política, além de relações de parentesco diferenciadas e cosmologias e sistemas de crença específicos.

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Minha provocação aqui é dirimir a afirmação direta de que as tentativas de suicídio estão associadas somente e diretamente a transtornos mentais, como a depressão e ao abuso de substâncias psicoativas. A questão é para além disto.

Nos efeitos da sociedade capitalista brasileira, que hoje está ainda mais profundamente marcada pelas desigualdades sociais e pela opressão, além das questões da competitividade e disputas com efeitos da fragilidade dos vínculos trabalhistas, as condições de trabalho e dificuldades socioeconômicas pioram a cada dia e a volta das populações abaixo da linha da miséria e com fome são cada vez mais visíveis.

Sem falar do inegável e descarado desmonte das políticas públicas e da política de austeridade fiscal, como a Emenda Constitucional 95, que apresentam efeitos cada vez mais nocivos.

Precisamos abrir este debate na sociedade, especialmente no Controle Social da Saúde, porque isto significa derrubar estigmas.

Para isso, é fundamental dar eco à discussão do fortalecimento e financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) como um sistema público, potente e suficiente para oferecer nas redes de atenção psicossocial estruturadas, o caminho mais indicado e justo para a prevenção ao suicídio.

Consolidar um diálogo sobre ideações, verbalizações, tentativas e suicídios consumados, apenas justificando em causas individuais e em transtornos psiquiátricos, é simplista demais.

Principalmente por estarmos ainda sob os efeitos da sindemia/pandemia da Covid-19, aonde ficou escancarado que o acesso a saúde pública é uma necessidade e um direito humano.

É preciso prevenção, detecção e resposta, e sobretudo uma discussão aberta sobre saúde mental também nas casas, nas escolas e nos locais de trabalho.

Um movimento voltado para a população em geral e grupos de risco, facilitando a conscientização e rompendo com as barreiras para a busca de ajuda, destacando que a maioria das tentativas ou dos suicídios concretizados, manifestam sinais verbais ou comportamentais, que funcionam com alertas.

É preciso enfrentar os estigmas, discuti-los, criar fatores de proteção, promovendo a conscientização, retomando o planejamento e a adoção de políticas de redução danos.

As ações de saúde nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) devem ocorrer incluindo abordagem multiprofissional, com profissionais da Psicologia, Enfermagem, Medicina, Terapia Ocupacional, Serviço Social, entre outros.

É preciso ampliar a sensibilidade nas intervenções nas UPAs 24H, no SAMU 192, nos pronto-socorros e nos hospitais, assim como as parcerias das ligações para o Centro de Valorização da Vida (CVV) com o SUS, por meio do número 188, e o suporte social dentro de serviços em Rede com a Educação e Sistema Único de Assistência Social (Suas).

Temos que enfrentar falácias e buscar compreender as perdas e sofrimentos, as vivências com violências, as histórias de vida com traumas repetidos, as situações de abuso, violência doméstica, assédio moral, assédio sexual, humilhações e constrangimentos e tantas outras formas de sofrimentos invisíveis.

Para garantir saúde mental e prevenir o suicídio é fundamental que os direitos sociais sejam garantidos, fazer valer e cumprir os preceitos do Artigo 6º da Constituição Federal, que define e enumera quais são os direitos sociais: à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à Previdência Social, à proteção à maternidade e à infância e promover assistência aos desamparados.

*Fernanda Lou Sans Magano é psicóloga, conselheira nacional de saúde e integrante da mesa diretora do Conselho Nacional de Saúde (CNS)

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Comentários

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Ibsen Marques.

É interessante que uma sociedade que defende a total liberdade do indivíduo tente impedi-lo de forma tão autoritária de por fim ao seu sofrimento, como se para essa sociedade capitalista neoliberal a vida das pessoas tivesse algum valor que não o da mão de obra barata. Ocorre que tratamentos medicamentosos ou terapêuticos movimentam um montante estratosférico de recursos financeiros. A grande verdade é que para muitos a vida não faz sentido algum; é sofrimento do acordar ao adormecer. É só apontar a lente de aumento para as estatísticas sobre suicídio para entender que as causas são muito mais sociais do que individuais. Eu sou contra essas campanhas contra o suicídio porque elas não estão nem aí para as reais causas do problema e ainda acabam por estigmatizar quem já sofre pra mais do que o suficiente. Como em todo nessa sociedade capitalista vivemos a mercantilização do suicídio e do sofrimento humano. Nada nessa vida pode escapar das leis do mercado, nem mesmo o sofrimento humano. Estou convicto de que o suicídio é uma solução plenamente aceitável para por fim a essa não vida que vivemos. O suicida é o são internado num hospício chamado sociedade humana.

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