Covid-19: Vacinação de povos indígenas da Amazônia está com índices muito baixos

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Para representantes indígenas, a imunização precisa ser acelerada. Foto: Coiab

Vacinação contra COVID-19: Sete distritos de saúde indígena da Amazônia estão com índices muito baixos

Levantamento da COIAB mostra como está a vacinação em diferentes pontos da Amazônia

COIAB (veja PS)

Um levantamento interno produzido pela COIAB mostra que sete dos 25 Distritos de Saúde Especial Indígenas (DSEIs) da Amazônia estão com índices muito baixos de vacinação contra a COVID-19 – mesmo dois meses após o início da vacinação em nosso país.

Os dados foram compilados pela COIAB, vindos do painel “Imunização Indígena” da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) e se referem às vacinas aplicadas até o dia 22 de março (veja tabela com dados completos).

Dados referem-se à realidade da vacinação registrada até o dia 22 de março; DSEIs do Alto Rio Juruá (AC) e Yanomami (RR) ainda não divulgaram informações sobre a segunda dose em sua população assistida

Os Distritos Especiais de Saúde Indígena (DSEIs) são unidades do Ministério da Saúde que operacionalizam os trabalhos do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS).

Na prática, são eles que levam até os povos indígenas, em seus territórios, serviços como fornecimento de remédios, tratamentos preventivos, consultas de rotina e vacinação. Existem 34 DSEIs no Brasil inteiro – na Amazônia, eles somam 25.

Situação preocupante

Segundo o levantamento da COIAB, as situações mais preocupantes se encontram nos DSEIs Alto Rio Juruá, no Acre; e no DSEI Yanomami, em Roraima.

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Eles apresentam números muito baixos de vacinação e ainda não iniciaram a aplicação (ou não estão alimentando os dados) da segunda dose de Coronavac nas populações às quais atendem.

O DSEI Alto Rio Juruá fica em Cruzeiro do Sul, no Acre, e presta assistência em saúde a uma população dividida em 159 aldeias.

Até a última segunda-feira, havia sido vacinado apenas 23,1% de seu público-alvo – 2.219 pessoas num universo de 9.596 indígenas. Esta porcentagem refere-se apenas à primeira dose da vacina.

Parte desse atraso se explica por conta da cheia do Rio Juruá, que castigou seriamente a cidade de Cruzeiro do Sul, onde fica o DSEI.

Em 2 de fevereiro, o rio atingiu a marca de 14,24 metros. A cheia histórica alagou a cidade e prejudicou quase 30 mil pessoas, segundo o governo do Acre. Ainda hoje a cidade convive com as consequências dessa alagação.

O DSEI Yanomami atende no total mais de 28 mil pessoas, divididos em 371 aldeias.

Até segunda-feira 22, no entanto, o DSEI havia vacinado apenas 33,1% de seu público-alvo pretendido com a vacinação, o equivalente a 4.053 pessoas de um grupo de mais de 12 mil indivíduos.

A região Yanomami possui uma extensa área e as acessibilidades são obstáculos nessa área. A falta de informação atualizada também prejudica a vigilância em saúde dessa região, principalmente para quem trabalha com planejamento de saúde pública.

Merecem atenção

Além desses dois, outro DSEI merece atenção: é o DSEI Kaiapó do Pará.

Até esta segunda-feira, apenas 33% de seu público-alvo havia sido vacinado com a primeira dose da Coronavac e meros 11% havia recebido a segunda dose; somando um total de 875 e 314 vacinados em cada condição, respectivamente.

O DSEI Kaiapó do Pará, no entanto, precisa vacinar 2.888 indígenas.

Quatro outros DSEIs apresentam menos de 30% de sua população vacinada com a segunda dose e por isso também merecem atenção das autoridades, segundo os profissionais da COIAB.

São eles: DSEI Alto Rio Negro (AM), com 20,9%; Kaiapó do Mato Grosso (MT) com 20,4%; Rio Tapajós (PA), com 13,1%; e DSEI Leste Roraima, com 20,2%.

Vacinação devagar

De acordo com o técnico de projetos da COIAB, Luiz Tukano, é preciso entender melhor a realidade de cada DSEI, já que eles estão em territórios diferentes e possuem dinâmicas distintas, dependendo dos povos que atendem e do tamanho da área que precisam cobrir.

No entanto, as lideranças são unânimes em afirmar um ponto: de maneira geral, a vacinação dos povos indígenas da Amazônia está muito devagar.

“Ainda ouvimos muitos relatos de parentes que estão com dificuldades para se vacinar ou de vacinas que não chegaram. Estamos num momento de pandemia, então não há tempo a perder. Precisamos garantir a vacinação de todos”, disse.

Notícias falsas

Luiz contou ainda que a inserção dos dados da vacinação nos sistemas do Ministério da Saúde também é um desafio para os profissionais que atuam nos DSEIs – que geralmente ficam em lugares afastados dos grandes centros.

“O monitoramento da vacinação em tempo real tem esse obstáculo que prejudica a leitura dos dados e a vigilância. Isso não é de agora – é um desafio antigo dos DSEIs que precisa ser resolvido, principalmente neste momento grave que estamos vivendo”, afirmou o técnico de projetos.

As notícias falsas são outro problema que tem dificultado a vacinação dos indígenas amazônicos.

“O que chega até nós, na capital, é que movimentos religiosos têm manipulado informações e emitido mensagens que são contrárias às vacinas. Isso faz com que nossos parentes tenham dúvidas. Há aldeias completas que tem se recusado a tomar a vacina. Isso dificulta ainda mais o trabalho das equipes multidisciplinares de saúde indígena”, disse Luiz.

Racismo estrutural

Vale lembrar que os números com os quais o Ministério da Saúde vem trabalhando não se referem ao total da população indígena da Amazônia – mas sim aos maiores de 18 anos residentes em Terras Indígenas homologadas, conforme preconiza o Plano Nacional de Imunização (PNI) estabelecido pelo Governo Federal no final do ano passado.

Assim, indígenas que vivem em contextos urbanos, áreas de conflitos ou terras não homologadas não poderiam ter acesso à vacina contra a COVID-19.

Segundo especialistas, cerca de um quarto dos indígenas brasileiros, um universo de quase 200 mil indivíduos, foi excluído do direito à vacinação.

Porém, semana passada uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso definiu que esses públicos fossem incluídos.

A decisão do ministro foi uma reação a uma provocação da sociedade civil organizada, incluindo a COIAB, que demandou que todos os indígenas do Brasil fossem considerados público prioritário da vacinação.

Líderes da Rede COIAB e especialistas em saúde pública afirmam que esse episódio foi mais uma tentativa de assimilação cultural e uma amostra do racismo estrutural com os quais os povos indígenas brasileiros lidam cotidianamente.

Durante este ano de pandemia, a Região Norte foi especialmente castigada pela COVID-19.

O monitoramento comunitário da COIAB registrou, até 17 de março, 35.872 casos confirmados de coronavírus entre indígenas da Amazônia brasileira, com 866 falecimentos registrados, atingindo 146 povos

PS do Viomundo: COIAB é a sigla de Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira. Fundada em 19 abril de 1989, é a maior organização indígena regional do Brasil. Surgiu por iniciativa de lideranças de organizações indígenas existentes na época. Foi resultado do processo de luta política dos povos indígenas pelo reconhecimento e exercício de seus direitos, em um cenário de transformações sociais e políticas ocorridas no Brasil após a Constituição Federal de 1988.

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