Amianto: Retirada da pauta do STF e nova lei goiana inconstitucional causam indignação no exterior

Tempo de leitura: 7 min
Foto: Jane de Araújo /Agência Senado

Por Conceição Lemes

O Supremo Tribunal Federal (STF) deveria ter retomado na semana passada, em 14 de agosto, o julgamento da lei goiana nº. 20.514, que permite à Sama, do grupo Eternit,  extrair e beneficiar  o amianto para exportação.

O tema estava na pauta.

Tanto que ativistas e representantes de associações de vítimas da fibra assassina, bem como seus familiares grudados na TV Justiça e internet em todo o país, aguardavam ansiosos o tão esperado julgamento pelos ministros do STF.

O presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), João Eliezer de Souza, e a fundadora da entidade, a engenheira Fernanda Giannasi, se deslocaram até Brasília para acompanhar a sessão.

Porém, no dia do julgamento, sem qualquer explicação, saiu da pauta, sem data para retornar.

Decepção e indignação gigantes.

Para piorar, em 15 de agosto, a toque de caixa a Assembleia Legislativa de Goiás aprovou projeto do governador Ronaldo Caiado, para protelar o fim da extração do amianto da mina de Minaçu.

Imediatamente Caiado promulgou a lei nº 22.932, que permite a mineração e o processamento do amianto por mais cinco anos.

Resultado: a não retomada do julgamento pelo STF e a aprovação no dia seguinte da nova lei goiana — igualmente inconstitucional como a de 2019 — caíram como uma bomba, inclusive no exterior.

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A reação internacional veio rápido, como mostram:

1. Artigo Já é Natal para a Eternit no Brasil, da jornalista e historiadora Laurie Kazan-Allen. Ela coordena o International Ban Asbestos Secretariat (IBAS), sediado em Londres, Inglaterra. É parceira da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea)

2. Comunicado à imprensa de cinco entidades internacionais, com apelo ao STF para reagendar o julgamento da ADI 6.200 contra a lei goiana o mais rapidamente possível.

Ambos seguem abaixo.

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Já é Natal para a Eternit no Brasil

Por Laurie Kazan-Allen*

Embora seja inverno agora no Brasil, o Natal chegou cedo para a empresa Eternit S.A., a única produtora de amianto restante no país.

A semana, a partir de 12 de agosto de 2024, aconteceu uma verdadeira blindagem de proteção à empresa com profusão de aplausos e chuva de presentes.

No que a Eternit emergiu de mais de seis anos do seu processo de recuperação judicial, tal fato foi elogiado como uma inspiração para as companhias brasileiras “como sendo um exemplo valioso de como as empresas em crise podem se reinventar e prosperar”. [1]

As vidas perdidas no país e no exterior, de décadas de operações do amianto na Eternit, não figuraram nas coberturas de mídia desta fênix contemporânea.

No contexto da reação positiva do mercado à reabilitação da Eternit, uma bomba desabou em Brasília. Em 14 de agosto de 2024, estava programado no Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento do último processo relevante sobre o amianto pendente no país.

Os representantes das vítimas do amianto se dirigiram ao tribunal para testemunhar este momento histórico. Eles acreditavam que o STF confirmaria, de uma vez por todas, que a mineração e a exportação do amianto brasileiro eram ilegais de acordo com a proibição de 2017 vigentes no país. A sessão teve início às 14h.

O tribunal realizou suas atividades como de costume, mas nenhuma menção foi feita ao veredito sobre o amianto. Os observadores ficaram confusos quando o caso da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 6200 desapareceu silenciosamente da pauta oficial.

No vácuo criado pela total falta de informações, a especulação era abundante. Afinal, com base nos números atuais, cada mês de atraso no fechamento da mina de amianto equivale a uma lucratividade de 26 milhões de reais para a Eternit. [2]

No dia 15 de agosto de 2024, o presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), Eliezer João de Souza, enviou uma correspondência ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, apelando para que a ADI 6200 seja o primeiro item da pauta de julgamentos no mês de setembro de 2024, e para que seja concedida uma audiência durante a qual os membros da Abrea possam expressar suas preocupações com o atraso “em pôr fim a esse flagelo socioambiental”. [3]

Enquanto os funcionários da Abrea estavam finalizando o texto da carta, outra bomba explodiu em Goiás, no estado da mineração do amianto, quando a administração de extrema direita do governador Ronaldo Caiado promulgou a lei nº 22.932, permitindo uma sobrevida de 5 anos durante a qual a mineração e o processamento do amianto podem continuar suas atividades. [4]

Em duas sessões extraordinárias realizadas em 15 de agosto, os deputados estaduais aprovaram a lei “para permitir a transição gradual (phase-out) da atividade para mitigar o impacto econômico, social e ambiental na região produtora, bem como estabelecer planejamento local de recuperação após o fechamento da mina.” [5]

Comentando sobre esta nova legislação, que, tal como a lei nº 20.514 de 2019, permitiu que a decisão da proibição do amianto de 2017 pela Suprema Corte fosse burlada [6], assim comentou a co-fundadora da Abrea, Fernanda Giannasi:

“Se essa lei inconstitucional não for imediatamente revogada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a produção e a exportação do amianto brasileiro continuarão até 2029, somando-se doze anos após a decisão histórica do STF, que proibiu o amianto. Muitos observadores acreditam que o suposto phase-out, que é a redução gradativa até a paralisação total, aprovada de ‘cinco anos’, será bem maior, se não for contestada, e tão flexível quanto um ‘fio de espaguete cozido demais’ e que o período de transição poderá ser prolongado indefinidamente. Não há razão para confiar na palavra dos políticos e legisladores de Goiás, muito menos dos dirigentes da Eternit, que descumpriram reiteradamente a decisão proferida pelo mais alto tribunal do país de proibir todas as atividades relacionadas ao amianto no Brasil”. [7]

No sábado, 17 de agosto de 2024, apenas alguns dias após o julgamento do amianto desaparecer sem vestígios da pauta da Suprema Corte, o governo do Estado de Goiás concedeu ao Ministro Gilmar Mendes – um dos juízes do STF que julgarão a ADI 6200 – a Comenda da Ordem do Mérito Anhanguera, que é a maior honraria concedida pelo Estado. [8]

Em solenidade realizada no Palácio das Esmeraldas no sábado passado, 17 de agosto, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, homenageou o ministro Gilmar Mendes, do STF, outorgando-lhe a comenda da Ordem do Mérito Anhanguera. Fotos: Reproduções/portal do governo de Goiás

Embora isto não deva surpreender alguém tão versada no comportamento da indústria do amianto quanto eu, tenho de admitir que o impacto desta notícia tirou meu fôlego. Eu penso que quando se trata de preservar os lucros da indústria do amianto, não há limites no Brasil. [9]

*Laurie Kazan-Allen, jornalista e historiadora, coordena oInternational Ban Asbestos Secretariat (IBAS). É parceira da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) 

Referências

[1] Farias, J. Fim da recuperação judicial: caso deveria inspirar mercado. 16 de agosto de 2024. p. 3.

[2] Tribunal aprova a saída de Eternit (Eter3) da recuperação judicial após 6 anos. 9 de agosto de 2024.

Desiderio, M. Eternit fatura com exportação de amianto enquanto espera voto do STF. 13 de agosto de 2024.

[3] Amianto: STF adia Julgamento da lei goiana; Abrea pede a Barroso que a inclua na pauta de setembro. 15 de agosto de 2024.

[4] Lei nº 22.932 de 15 de agosto de 2024.

[5] Plenário aprova concessão de 5 anos de extração e beneficiamento de amianto em Minaçu. 15 de agosto de 2024.

[6] Lei estadual de Goiás Nº. 20.514 (2019), que permitiu que a mineração, beneficiamento e exportação do amianto continuasse para fins de exportação.

[7] Email de Fernanda Giannasi. Recebido em 17 de agosto de 2024.

[8] Dos 11 ministros do STF que julgarão a ADI 6200, dois já declararam que a lei de Goiás é inconstitucional e dois se declararam impedidos. Composição atual da Corte

[9] Cardoso, L. Ministro Gilmar Mendes recebe de Caiado a Comenda da Ordem do Mérito Anhanguera. 18 de agosto de 2024.

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Nessa quarta-feira, 21/08, cinco entidades internacionais divulgaram comunicado à imprensa com apelo ao STF para reagendar o julgamento da ADI 6.200 o mais rapidamente possível.

Assinam a nota:

  • International Ban Asbestos Secretariat (IBAS)
  • Asian Ban Asbestos Network (ABAN)
  • Belgian Association of Asbestos Victims (ABEVA)
  • Asbestos Diseases Society of Australia
  • Merseyside Asbestos Victims Support

A Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) também assina a nota.

Abaixo, o documento em português.

Mistério na Suprema Corte do Brasil

A decisão final do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a ilegalidade da mineração de amianto no Brasil, em violação a uma proibição nacional de 2017, foi agendada para o dia 14 de agosto de 2024.

Vítimas, ativistas e advogados do amianto foram a Brasília para testemunhar esse momento histórico. Ele nunca veio.

Sem nenhuma explicação, o Tribunal realizou suas atividades como de costume, mas nenhuma menção foi feita ao veredito sobre o amianto. Os presentes ficaram confusos.

A engenheira Fernanda Giannasi, cofundadora da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), disse:

“Tendo feito campanha tanto tempo para encerrar essa indústria mortal, acreditávamos realmente que o fim estava próximo, já que a decisão do último caso ainda pendente estava programada para ser proferida em 14 de agosto. Sentados no salão de audiências da Corte, recordamos de nossos amigos e companheiros cujas vidas foram sacrificadas pelas empresas do amianto. Enquanto esperávamos, lembramos também das reviravoltas e revezes desta saga, incluindo processos judiciais, liminares, guerras de propagandas, acordos ilegais, retrocessos judiciais, intimidação, tentativas de criminalização e espionagem patrocinada pelos defensores do amianto. Sabíamos que as exportações brasileiras de amianto tinham crescido nos anos pós-banimento e ainda representavam um terço das receitas totais da Eternit, proprietária da única mina de amianto operacional no Brasil. No entanto, confiávamos no STF. Estávamos errados em fazer isso? ”

Os grupos que apoiam esse comunicado à imprensa representam vítimas do amianto e membros de sindicatos de diversos países e regiões, que assistiram com admiração aquela decisão sem precedentes do STF, em 2017, proibindo a exploração comercial do amianto.

Comentando sobre o ocorrido, Sugio Furuya, coordenador da Rede do Banimento do Amianto na Ásia (ABAN) disse:

“Nunca antes, essa ação foi realizada em um país produtor de amianto. A decisão do STF foi realmente notável. Com seus votos, eles protegeram não apenas os trabalhadores brasileiros, consumidores e população em geral, mas também os indivíduos de todo o mundo, que não experimentariam mais as exposições tóxicas ao amianto brasileiro. ”

Com o decorrer do tempo, infelizmente, os interesses comerciais foram capazes de contornar a proibição e permitir que a produção continuasse por mais cinco anos, ganhando vastas somas para a Eternit S. A., sua subsidiária SAMA S. A. Minerações Associadas e seus acionistas.

Estamos unidos em nosso apelo ao STF para, mais uma vez, tomar a direção correta e reagendar o julgamento o mais rapidamente possível. O mundo está assistindo!

[1] Malheiros, T. STF adia audiência sobre banimento do cancerígeno amianto na mina de Minaçu, em Goiás. 14 de agosto de 2024.

[2] E-mail de Fernanda Giannasi. 16 de agosto de 2024.

Desiderio, M. Eternit fatura com exportação de amianto enquanto espera voto do STF. 13 de agosto de 2024.

Vargas, E. Eternit (ETER3) sai de recuperação judicial após seis anos de reestruturação. 9 de agosto de 2024.

[3]E-mail de Sugio Furuya. 16 de agosto de 2024

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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