Por Marco Aurélio Mello
por Marco Aurélio Mello
Pego meu filho de 11 anos e a amiguinha dele de 10 e vamos ao Bosque dos Jequitibás, em Campinas.
É uma linda e ensolarada tarde de sexta-feira de Julho, férias escolares.
Estamos bem humorados e queremos um pouco de ar fresco e de vida selvagem confinada, um crime, salvo se os exemplares estejam lá como último esforço de redução de danos para espécies que, fora de seu habitat, talvez já estivessem condenadas.
O pequeno estacionamento está lotado e as ruas ao redor, de onde os guardadores tiram sua subsistência, também.
Damos uma, duas voltas no quarteirão e decidimos esperar na porta, até que algum carro deixe o local.
Nesta hora um casal com dois filhos, num Honda Fit prateado, passa por nós e decide parar bem na porta, numa vaga para idosos ou deficientes, não importa.
Sou tomado de uma indignação, seguida de pasmo e fico em estado de choque.
Ambos descem calmamente, ignoram o entorno, retiram as crianças do banco de trás e entram no parque tranquilamente, alheios aos obseervadores lá fora.
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Penso se devo buzinar, reclamar, chamar a atenção deles, mas refreio o impulso: será que é justo estragar o meu passeio e o das crianças?
Pouco depois, na terceira volta no quarteirão, um guardador acena com uma vaga.
Estaciono o carro, conto para ele o que vi e a única pergunta que me vem à cabeça é: são esses que aí que vestem amarelo e vão para as ruas? São esses aí que querem um mundo melhor?
O guardador diz apenas um: “pois é”.
Assim que entramos no parque eu, ainda indignado, procuro o guarda patrimonial, de uma dessas empresas terceirizadas, e pergunto se não existe uma autoridade de trânsito que possa ser acionada para resolver a questão.
Ele responde que é assim mesmo e que eles não podem fazer nada.
Aproveito para dividir com as crianças todas essas minhas inquietações, na certeza de que meus pequenos acompanhantes vão ser pessoas melhores do que aquelas.
O que é mais incrível nesta história é que todos os sinais externos me permitiam ver naquele casal com filhos clichês que me remeteriam necessariamente a pessoas às quais chamaria de civilizadas, até de progressistas.
O cabelo e a barba de um, o figurino fitness despojado da outra, as crianças com “cara” de alunos de escola construtivista…
Que exemplo para os filhos!
Realmente o mundo está mudado.
Ler os sinais externos já não quer dizer nada.
Mas esta enorme indiferença para com os outros quer dizer muito.
Marco Aurélio Mello
Jornalista, radialista e escritor.
Comentários
Edgar Rocha
Sinais externos ainda são preciosos. Me desculpe, Marco Aurélio. Você é que fez a leitura errada. Para qualquer um que tenha alguma vez na vida sido excluído pela malfadada gente com cara de família Doriana, sabe ler com maior exatidão o que ela representa. Com todo o respeito, talvez você não tenha o perfil-alvo dessa gente. Mas, imagine o meu caso: quando eu era criança, certa vez, a mãe de um coleguinha muito querido de escola, inquiriu ao diretor da mesma, indignada e, na minha presença, discorreu sobre a razão de seu destempero: “Como pode a professora de Português dar uma nota maior pra este menino do que pro meu filho? Não faz sentido! Nota não pode ser dada por peninha, não! Eu sou professora, meu filho estuda todo dia comigo ao lado. Este aí é filho de analfabeta! É uma humilhação pro meu menino. É perseguição.”
O pior é que eu e o filho dela éramos grandes amigos. Nossa relação nunca mais foi a mesma. Uma pena… Mas, apesar dos meus 12 anos, não era primeira vez que algo semelhante ocorrera, dentro e fora da escola. Nunca adiantou ser um cdf. Eu chegava a ser neurótico. Não dormia à noite antes de prova ou pra fazer qualquer coisa que eu soubesse que seria cobrado. Nunca foi o suficiente. E não posso me privar de dizer que o tipo de gente arrogante que sempre me menosprezou preenche exatamente o perfil “gente de bem – com cara de progressista – e – de – culta”. É cacoete de classe. Quase consciência de classe. Só não o é porque estas pessoas não percebem o quanto sua imagem é chocante e gera preconceito imediato aos que pressentem suas atitudes.
Talvez, você não tenha se dado conta do tipo de gente que faz este tipo de coisa, porque viveu cercado destas referências simbólicas e desenvolvido afeto por elas. Talvez, não tenha se dado conta até o momento que estas pessoas sempre agiram assim. Só agora, com a sensibilidade amadurecida, é possível perceber. Não te culpo por isto. Te parabenizo por ter descoberto. Não é tão simples quanto parece.
Acredite, venho de uma família cheia de cacoetes também. Sei o quanto é difícil aceitar que convivemos com vícios (e os reproduzimos) sem nos dar conta que o inferno somos nós. Eu não sei se você é de classe média. Parece ser. Se for, puxe por sua memória e vai se lembrar de muitos outros exemplos de desrespeito por parte de quem, aparentemente, lhe inspira empatia apenas pelos sinais externos.
Prazer em falar contigo, de novo.
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