Por Marco Aurélio Mello
por Marco Aurélio Mello
O sujeito chega numa praça do centro da cidade com uma mala.
Reúne uma certa quantidade de pessoas e diz: “Eu tenho aqui uma cobra enorme, que quando sair da mala vai pular direto no pé daquele que está sendo vítima de traição ou adultério.”
A cobra em questão (em geral uma jibóia) é capaz de revelar uma curiosidade que todos nós temos: estaríamos sendo “passados para trás”?
Um(a) colega de trabalho, um(a) sócio(a), um(a) companheiro(a)…
Conforme o homem vai falando a aglomeração aumenta.
Todos esperam pelo pulo da cobra.
É quando o vendedor dá “o pulo do gato”.
Aproveita para vender a pomada milagrosa feita do óleo da tal cobra profeta (se é que cobra tem óleo).
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É deste vendedor ambulante, que não para de falar, que nasceu o ditado: “fulano fala mais que o homem da cobra”.
Lá no interior costuma-se alertar quem fala muito, ou fala demais, ou fala dos outros: “cuidado para não morder a língua!”
A metáfora aqui é ser vítima do próprio veneno, de cobra.
O finado e saudoso Luiz Melodia tinha um verso primoroso em sua letra Congênito: “se a gente falasse menos, talvez compreendesse mais.”
Há um provérbio chinês que diz: “se temos dois ouvidos e uma boca é sinal de que temos que ouvir duas vezes mais do que falar.”
Shakespeare aconselha: “dê a todas as pessoas seus ouvidos, mas a poucas a sua voz.”
Bilac ouvia estrelas e por isso foi acusado de perder o senso.
Quando andamos de bicicleta em silêncio podemos ouvir o vento frio passar.
É o mesmo som, só que quente, de quando abraçamos alguém e permitimos que esse alguém respire em nosso ouvido.
Para os judeus, a busca do conhecimento passa primeiramente pelo silêncio; depois vem a escuta, em terceiro a memória, em quarto lugar a prática. Só então, em quinto é que vem a transmissão pela fala, ou ensinamento.
A polarização político-ideológica tem permitido a famosa metáfora do diálogo de surdos: quando dois interlocutores falam simultaneamente incapazes de ouvir um ao outro.
Intolerância, ou falta de escuta, é a estrada reta que leva ao ódio, local onde se erguem barricadas e onde são guardados os arsenais de guerra.
Que o digam os franco-atiradores, os fascistas e os extremados, sejam de que lado estejam da história.
Mas não adianta, eu canso de repetir, mas ninguém me ouve…
Marco Aurélio Mello
Jornalista, radialista e escritor.
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