Luiz Leduíno: Um pacto antitrote

Tempo de leitura: 2 min

por Luiz Leduíno de Salles Neto

Com o início das aulas nas universidades mais uma vez voltamos a ver estampadas na imprensa manchetes como “Calouros são obrigados a beber de joelhos”, “Universitário passa mal após trote abusivo e é internado”, entre outras que noticiam lamentáveis ocorrências em nossas instituições de ensino superior em diversas regiões do país.

Também não há como esquecer o trágico falecimento de um estudante ocorrido há 12 anos em seu primeiro dia de aula. Para a justiça brasileira essa tragédia foi fruto de “uma brincadeira —de muito mau gosto— em uma festa de estudantes, não existindo elementos para se responsabilizar alguém por sua morte”.

Até que ponto o trote é uma “brincadeira” saudável, e não de mau gosto, abusiva ou violenta?

Essa questão é demasiadamente subjetiva para permitir uma resposta que subsidie políticas e ações que garantam o bem-estar daqueles que iniciam um curso superior. De uma simples pintura, passando pelo corte de cabelo e a solicitação de dinheiro nos semáforos, o popular “pedágio”, podem resultar danos à pessoa, especialmente aos novos estudantes – exemplos não faltam. É compreensível e louvável que muitos queiram festejar, mas o trote não deve, e não pode ser o caminho.

Tendo em vista que praticamente todas as universidades promovem atividades culturais, científicas, integradoras, e campanhas de conscientização, vale indagar: por que continuam ocorrendo abusos? É preciso compreender que o trote, de origens medievais, é uma tradição ainda tolerada por diversos atores da sociedade, dentro e fora da universidade. Contudo, o trote parte de uma premissa que não deve mais ser aceita: a de que os novos estudantes não tem voz e vontade, são os “bichos”, que devem obediência aos seus senhores, os “veteranos”.

Para por fim a essa tradição que atenta contra a dignidade e os direitos humanos é preciso continuar e aprofundar o debate sobre suas origens e consequências. Contudo, faz-se necessário um pacto antitrote que vá além da administração da universidade, e inclua entidades estudantis, docentes, técnicos-administrativos, estudantes e seus familiares,  imprensa e a sociedade em geral.

De todos devemos esperar um tratamento digno aos novos estudantes, abolindo, por exemplo, o termo “bicho”, ainda utilizado, oficialmente, por algumas universidades e veículos de comunicação. Punições severas devem ser imputadas àqueles que agredirem ou humilharem.

Estudantes e familiares também devem compreender que existem outras formas de saudar a conquista do ingresso no ensino superior. Entidades representativas dos estudantes devem planejar e organizar atividades, com apoio e participação institucional, sem a presença do autoritarismo, da privação de liberdade, da violência, seja física ou moral. Todos devem compreender que o trote não é legal, que o trote não é brincadeira. Só assim conseguiremos festejar plenamente uma nova fase, para muitos a melhor da vida, para milhares de jovens em nossas universidades.

Luiz Leduíno de Salles Neto é professor adjunto e pró-reitor de Assuntos Estudantis da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

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Comentários

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Mateus_Beatle

Essas humilhações que os ingressantes são submetidos, como sempre digo, estão mais para instituição militar do que para instituição escolar…
Mas, a sempre uma série de contra-argumento para manter tal situação, como aquele: "mas tem gente que quer passar pelo trote".

Eduardo Di Lascio

A educação como a conhecemos tem os dias contados. A educação online mudar tudo, escolas professores, alunos, conteúdo. Daqui a 20 anos nada será como hoje.

Eduardo Di Lascio

Falte aos dois primeiros dias de aula. Não acontece nada mesmo e vc evita qualquer contato com trotes. É simples e indolor. Ok, a atitude dos veteranos deve mudar, etc, etc…mas…contra a estupidez não há argumentos.

    Felipe

    mas a prática do trote se estende pelas republicas, submetendo os alunos que são de longe a humilhação continua… ficam feitos barata tonta pra fugir do trote na universidade e na residencia… e quando tenta se divertir vem mais humilhação nas festas, jogos e competiões… Dentro da uniiversidade é o lugar mais ameno, o problema está na vida universitaria que o estudante está sujeito.

eunice

O trote está no exato nível das Universidades. Nem poderia ser diferente. A responsabilidade e delas e dos governos e das Leis e do Congresso. Tudo é interligado.

dukrai

fui abordado hoje aqui em BH por um calouro de medicina todo pintado, pedindo dinheiro pra ter as roupas de volta dos "veteranos". De moto, sinal abrindo, só perguntei em que curso ele tinha passado, mas não tive nem como dar dinheiro. Achei estranho porque ele estava aflito e sozinho e os calouros sempre pedem dinheiro em grupo.

Edson

No meu tempo de calouro, houve uma guerra de tinta e todo mundo ficou pintado, nada de violencia.

O que eu nao entendo é porque os calouros se submetem aos veteranos e às humilações. As universidades dão os mesmos direitos a todos. Se os calouros disserem ¨NÃO¨, o que os veteranos fariam? Partiriam para a agressão física? Eles acabariam sendo presos.
Calouros, digam ¨NÃO¨ !

mfs

Quando pisei pela primeira vez na universidade, na egrégia escola de engenharia da UFRJ, no tempo do final da Ditadura Militar, havia o consenso entre os estudantes e CAs de que trote violento era tortura e tortura era inadmissível. Abaixo a ditadura! O que havia mesmo de trote era uma aula de mentirinha e uma pelada calouros vs veteranos na qual o árbitro roubava escancaradamente em favor dos veteranos. Tudo brincadeira, sem violência alguma e sem extorsão ou humilhação. Para os da minha geração, trote, trote violento, humilhante, é simplesmente inadmissível, é complacência com a ditadura. Agora, eu me pergunto. O calouro de hoje será o veterano de amanhã, o humilhado de hoje será o molestador de amanhã. Mas como é que isso se originou se no meu tempo não havia humilhação e portanto o veterano não era o ex-humilhado? Qual foi a primeira geração que não foi vítima mas passou a vitimar? Claro que essa pergunta é em grande parte retórica porque a explicação é mais profunda, está nas transformações pelas quais a sociedade brasileira passou, a mudança na correlação de forças, a aguçamento das lutas de classes e algumas derrotas históricas do proletariado internacional (será que hoje as paredes da UFRJ ainda estão cobertas de cartazes com convocações à luta e faixas com slogans da esquerda?).

Flávio Guerra

Prezado professor, o senhor tem razão.
Na minha opinião o trote universitário não passa de uma imbecilidade "humana", que persiste por inúmeros motivos, dentre os quais eu gostaria de destacar três deles: a) complacência das Universidades, públicas e privadas, com ênfase às privadas, que por ação ou omissão prestigiam algum tipo de trote como forma de propaganda dos seus cursos (vide televisão, jornais, etc); b) omissão da direção das Universidades na apuração dos casos e punição exemplar dos agressores (como a Unifesp trata o assunto investigação e punição?); c) degradação moral dos agressores, pessoas na verdade doentes (inclusive sexuais) que aproveitam a situação para praticarem as maiores barbaridades; d) falácia na justificativa da integração do novo aluno ao ambiente escolar. Sim, integrá-lo com bebedeira? extorsão nas ruas, transformando o sr humano e pedinte? espancamento? Para terminar, o caso fatal referido pelo ilustre professor não foi o primeiro (lembrem-se da morte de um calouro na década de 80 em Mogi das Cruzes) e pelo andar da carruagem não será o último. Quantos professores da Unifesp pensam como o professor Luiz Leduíno?

    Luiz Leduino

    Olá Flávio. O trote, toda e qualquer forma, é proibido na Unifesp através de uma resolução do Conselho Universitário. Esse ano desenvolvemos uma campanha em todos os campi intitulada "O trote não é legal, denuncie", com número de telefone e email para denúncias. Conseguimos trabalhar preventivamente com apoio da comunidade. Também apoiamos, através de edital, projetos de recepção propostos pelos próprios estudantes, valorizando as atividades integradoras e solidárias. Mais detalhes podem ser encontrados em: http://dgi.unifesp.br/sites/comunicacao/index.php
    Luiz Leduíno

Aline C Pavia

Que o diga o pessoal que organiza o "Rodeio das Gordas" da UNESP.

    Mateus_Beatle

    O pior é que neste caso, os envolvidos sequer foram punidos…

ZePovinho

Caraca!!Será que é o Leduíno que foi,comigo,da ANPG?

    Leduino

    Eu fui, com muita honra, da diretoria da ANPG na gestão 1999/2000.

    Luiz Leduino

    Olá, eu tive a honra de participar da diretoria da ANPG na gestão 1999/2000. Aprendi muito. Abs, Luiz Leduino

    ZePovinho

    É você,Leduíno!!!O matemático!!Sou um dos que vieram da APG-Campina Grande.Um abraço,cara!!!Muito sucesso na carreira!!
    Ainda mantenho contato com o Filipe Chiarello.Ele ensina em Santos.

    Felipe

    Os estudantes da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) do campus de Guarulhos (SP) decidiram, na tarde de sexta-feira (24), entrar em greve.

    Eles alegam falta de salas de aula, laboratório de informática e restaurante universitário deficientes, ausência de moradia estudantil e pedem mais ônibus para realizar o transporte até a universidade.

    A greve foi decidida em assembleia e envolve cerca de dois mil estudantes de todos os cursos do campus: letras, pedagogia, ciências sociais, filosofia, história e história da arte.

    Entre outras demandas, os estudantes pedem a construção de um novo prédio para abrigar os cursos e uma biblioteca adequada. Segundo eles, mais de dez mil livros estão encaixotados e aguardam catalogação e lugar apropriado.

    Os estudante pedem também uma secretaria maior, a fim de melhorar o atendimento, mais funcionários no NAE (Núcleo de Apoio Estudantil), para agilizar a distribuição de bolsas auxílio, além de aumento do número de bolsas.

    A Folha tentou entrar em contato com a Unifesp, mas a universidade não atendeu aos telefonemas da reportagem.

damastor dagobé

e dizem, todos, de boca cheia, e confiança na alma que "a educação é a solução de todos os males"..esses são os nossos educados, letrados e sabidos.

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