Vozes de Salvador
por Emiliano José
Convivo com Ordep Serra há muitos anos. Mais recentemente, de modo mais intenso. Tem se destacado, nos últimos tempos, como um autêntico cidadão de Salvador, desses que sofrem por sua cidade, e que não apenas sofrem, desses que lutam de peito aberto em defesa dela, que não tem medo de falar do amor pela Cidade da Bahia, e que treme de indignação ao vê-la, tão desamparada, tão agredida, tão entregue à exclusiva sanha dos interesses privados.
Falo dele como expressão de um amplo movimento social que vem se desenvolvendo em Salvador contra o atual estado de coisas. Tem se afirmado como a principal liderança do Movimento Vozes de Salvador, que reúne um grande número de pessoas e entidades voltadas à defesa da cidade e de seu povo, eu próprio incluído. Recentemente, Ordep Serra assinou um panfleto – não precisamos ter medo do nome panfleto, que acho bonito, e que carrega uma simbologia centenária – onde, como coordenador do Vozes da Cidade, denuncia o processo de agressão a que está submetida a capital da Bahia. Agressão criminosa, como diz o texto.
A degradação da orla marítima, a impressionante devastação ambiental, a privatização sem limites do espaço público, o estrangulamento crescente do trânsito, o inferno sem fim do metrô de calça curta, as negociatas com o mecanismo da Transcom, a desmoralização do planejamento urbano, a precariedade dos serviços, o colapso financeiro do município, a ausência de transparência da gestão, o agravamento das condições de vida do povo que vive na periferia e no miolo da cidade, a mercantilização avassaladora do carnaval baiano, das festas e tradições populares são algumas facetas da agressão a que se refere Ordep Serra, com propriedade.
E para o nosso professor Ordep Serra e para o Movimento Vozes da Cidade, a situação elevou-se a níveis insuportáveis com a aprovação da Lei de Ordenamento e Uso do Solo, que sacrificaria a cidade à ganância do capital imobiliário, interessada em assaltar a última reserva de mata atlântica de Salvador, o Vale Encantado, que inclui área sagrada para as religiões de matriz africana, a par de autorizar o aumento do gabarito de edificação na orla. Lembro-me de artigo que escrevi, neste espaço, sob o título “Os bichos estão chegando”, falando desse impressionante processo de destruição do meio ambiente na cidade, que levava os bichos a buscarem abrigo nas residências.
Já há uma movimentação da sociedade civil, de modo especial da juventude, que tem ganhado as ruas contra esse estado de coisas. E tenho certeza de que o Vozes da Cidade, Ordep Serra à frente, contribuiu muito para isso. Agora, é dar sequência a essa movimentação, e conferir a ela caráter de luta política, pois, sem isso, tal esforço ficaria sem norte. O Ministério Público Estadual, nesse caso, tem procurado cumprir o seu papel, ao tentar evitar que a agressão da Louos, ou ao menos de aspectos dela, se consuma.
O importante, claro, é a movimentação social e política em curso, que não se conforma com uma gestão tão entregue aos interesses privados. Volto a dizer o que já disse aqui: todos os interesses são legítimos, desde que subordinados à causa pública, às necessidades da maioria da nossa gente. O interesse de alguns não pode sobrepor-se ao de milhões de soteropolitanos que convivem com tantas dificuldades e que necessitam tanto do poder municipal para enfrentar a vida, melhorar suas condições de existência.
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É esta luta que Ordep Serra vem travando em nossa cidade, e fiz questão de homenageá-lo, e ao fazê-lo, homenageio as tantas entidades, os tantos jovens que tem ocupado as ruas para se contrapor a esse estado de degradação em que se encontra Salvador, a querida cidade da Bahia. Ordep costuma brincar – e falar sério – ao definir-se como macumbeiro, forma que ele encontra para revelar-se homem de santo, ligado a mais velha casa de candomblé do Brasil, a Casa Branca. Antropólogo conceituado, autor de tantos livros, professor da UFBA, já também um ficcionista premiado, Ordep tem, cada vez mais, se credenciado como um intelectual público, um cidadão comprometido com os destinos de seu povo.
Artigo publicado na edição desta segunda-feira, 13, no jornal A Tarde. Emiliano José é jornalista, escritor e deputado federal (PT/BA).
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Comentários
Gerson Carneiro
Uma coisa que tinha um valor sentimental importante para nós era o nome "Aeroporto Internacional 2 de Julho". Hoje o nome do aeroporto só é importante para a família do ACM.
Nem as coisas que parecem ser mais banais não conseguimos retomar em um governo do PT.
Oxaguiam
Um dos slogans da 1ª campanha de Wágner (na 2ª nem tocou no assunto…) foi propor que o aeroporto tivesse de volta seu belo nome original…
Tudo morto e esquecido.
Ricardo
Emiliano José é um brincante, brinca tão descaradamente que se preocupa com Salvador que acha que se preocupa com Salvador. Mas, como ele é um petista de carteirinha, acredito mais que as preocupações dele são mais direcionadas para os interesses desse partido, como colocar uma mordaça na boca da imprensa. Me parece até mesmo que o PT gerencia o país para concretizar um plano de dominação nacional, sem oposição. Como investimento investe no Bolsa-Família, para criar dependência. Não investe em segurança, para criar insegurança, não investe em educação para não criar conscientização, não investe em saúde para não criar sanidade. Espanta-me as opiniões do Excelentíssimo, é assim que se trata deputado? Espanta-me essa preocupação com Salvador, pois ao ler, nos primeiros dias de greve da PM, um texto desse respeitável deputado petista o tema não era sobre a segurança em Salvador ou na Bahia, era sobre a segurança, sabe de onde, São Paulo, isso mesmo, a Bahia em chamas e o deputado preocupado com São Paulo. Por isso fico espantado e descrente dessa preocupação alardeada por esse participante do Movimento Vozes de Salvador. O texto era uma clara manifestação a favor de um projeto de poder nacional, pouco se importando com o que se passava em sua terra. Que tal deputado o senhor escrever um texto falando sobre a greve da PM da Bahia, sobre a insegurança do estado, sobre Salvador ser considerada a 22ª cidade mais violenta do planeta, que tal falar sobre a PEC 300, sobre o apoio do Governador JW às 2 últimas greves de PM na Bahia. Que tal o senhor tomar uma posição sobre o que se passa no seu estado.
Gerson Carneiro
Fico impressionado com a quantidade de prédios mal conservados em Salvador.
Fiz uma caminhada pela orla, do Rio Vermelho até a Boca do Rio, fui observando. Não porque tive o cuidado de observar mas porque de fato chama a atenção.
E é por toda a cidade. Na Ladeira da Montanha e em toda Cidade Baixa, rente a à elevação que sustenta a Cidade Alta, há prédios antigos lindos, porém em estado de abandono, se desmoronando, cheios de pés de mamona em seus interiores.
Houvesse uma cultura de cultivação à história da cidade de Salvador, e em função disso houvesse preservação.
É uma pena.
<img src=http://1.bp.blogspot.com/_nWn1nOAosvk/TRHTw5-6VDI/AAAAAAAAAkM/0YXBiK_7uSs/s400/1i_Cidade+Baixa+R.daPolonia_LadTabu%25C3%25A3o.jpg>
Fabiano
O que adianta o povo de salvador se revoltar só agora!!!! Em 2012, ano de eleição! E ele já foi re-eleito!!! Porque o re-elegeram??!! A administração dele já era um caos em 2010! Francamente…
Gustavo Pamplona
Falando em "privataria"… vai uma perguntinha para vocês, meus queridos.
O que será que aconteceu com aquela CPI da Privataria mesmo?
Falei com vocês que não iria dar em nada… hahahahahha
Ai, ai… e eu lembro os "sonhos" dos petistas aqui falando em prisão do FHC, Serra e demais asseclas! hahahahaa
—-
Gustavo Eduardo Paim Pamplona – Belo Horizonte – MG
Desde Jun/2007 lembrando "sonhos" dos PTistas no "Vi o Mundo"! ;-)
renato
Cara, não sei se te positiviso, ou se te negativiso.
Mas continue assim lembrando da CPI da Privataria…
É nóis depois do carnaval. E o Serra, não se preocupe ele vai ser candidato a prefeitura de São Paulo, ele quer achar por toda lei um cargo que o livre da lei….
Gerson Carneiro
Pior é que o Smur Ogênio tem razão.
Gerson Carneiro
Pior é que o Smurf Ogênio tem razão.
renato
Não tô vendo nenhum baiano, falando na Globo( parabólica) sobre nada que acontece na Bahia, só sobre a greve, mal e porcamente. Gostaria de ouvir os baianos baianos falando disto aqui, vou ligar meu pc logo mais a noite.
Marcia
Salvador está acabada e o Prefeito João Henrique é o responsável por todas as mazelas da cidade. Nasci e moro em Salvador.
Gerson Carneiro
Ah se fosse aqui no Rio Grande do Sul….
É porque eu sou gaúcho, não sou baiano, senão iam ver só o tanto de coisa que eu ia falar.
Carlos J. R. Araújo
O que Emiliano fala é do presente, que é a consequência natural de uma história sórdida e encoberta pelas mentiras das classes dominantes, mentiras que, salvo algumas exceções, os nunca foram ostensivamente contestadas pelos intelectuais e historiadores nativos (até porque seriam excluidos dos cargos, conclaves, encontros e convescotes locais). Assim, com raras exceções e limitadas à pós-graduação, as mentiras históricas foram ensinadas nas escolas e tudo com o respaldo da mídia local. Resultado? Uma história mentirosa aceita pacificamente por todos deu no que deu: um presente horrível e brutal sob muitas formas.
A luta de Ordep Serra e de alguns outros, ontem e hoje e mesmo que sejam específicas e abordando apenas alguns malignos aspectos do troço, sempre me pareceu uma luta inútil, até porque não encontra respaldo na própria população e está reduzida a grupos minoritários, principalmente acadêmicos, inclusive com escasso apoio da mídia. Estas mentiras, por sua vez, decerto resultaram no “estado de graça” do baiano, que sequer admite que se fale mal da sua terrinha (que o diga Cesare Florio de La Roca).
Este “estado de graça” (esta felicidade incorporada e declarada) é, escandalosamente incompreensível. Há solução? Quando? Marcel Camus esteve aqui nos anos 50 – e olha que era um argelino e filho de colonos pobres franceses -, viu o óbvio e lamentou no seu diário: “a vida aqui está no nível do chão e seriam necessários muitos anos para a ela integrar-se”. Pois bem. Milan Kundera advertia, há uns vinte anos atrás, que certas lesões sociais são iguais às lesões físicas, algumas delas são irrecuperáveis. De todo modo, se o caso é grave, a melhora, ainda que possível num futuro remoto, depende do doente. Mas, e se o doente se recusa a ser curado? É o caso do baiano. E o interessante de tudo é que, ainda que adote outro estado de espírito e cogite da necessidade de mudança, para o baiano a "culpa" de tudo (é a mídia que ensina assim todos os dias) é dos políticos. Só rindo. Coitado do Wagner .
Marcelo
Troca Salvador pra Belo Horizonte que dá no mesmo. Só que aqui está pior pois não tem orla marítima nem nenhum Ordep.
Fabiano
Aqui em Minas o povo diz amém pra tudo o que o Aecim manda. Por isso votaram no atual prefeito.
Marcio H Silva
To aqui em BH, clima muito bom, transito bom comparado ao do RJ. Procurei o dukrai e Pamplona pela rua mas náo os vi. Fui no Mercado municipal comprei doce de leite e queijo para levar pra casa. Olhei os jornais locais e vi "o tempo" nas bancas em sua segunda edicão, deve vender mais que a folha mesmo, segunda edicao. Mas nada de not[icias do Aecio.
VLO
Fortaleza também passa pelo mesmo processo. E não é só culpa da prefeitura. A culpa é, principalmente, de um empresariado predador que quer ganhar muito dinheiro com nenhum investimento na parte social e ambiental. São arranha-céus que surgem a cada manhã, ocupando espaços, obstruindo ruas e calçadas e perturbando o sono dos cidadãos (pois em sua ânsia de ganhar muito dinheiro, os trabalhos nas obras entra noite e madugada adentro). São membros da classe média que adquirem carros enormes e circulam na cidade como reis, ocupando mais espaço que carros comuns, estacionando em calçadas, atropelando pedestres, só para citar umas poucas incoveniências desse capitalismo brutal que toma conta da cidade.
Pablo
Importante indicar aqui o movimento do qual Ordep faz parte: http://movimentodesocupa.wordpress.com/
Pablo Castro
Resta saber o que o governador Wagner, do partido do autor do texto, está fazendo contra toda essa agressão do capital ao espaço público e ao meio ambiente na capital de seu estado ! Nenhuma palavra sobre isso ???
luiz pinheiro
O espaço público é atribuição da prefeitura, no caso a de Salvador.
Oxaguiam
É realmente triste o estado a que chegou nossa Cidade do Salvador, mais uma vítima desse sistema predatório que seus arautos chamam de "desenvolvimento".
Ze Duarte
Se tem algo que Salvador não até hoje é desenvolvimento… aqui tudo é feito de qualquer jeito, sem qualquer planejamento. Está ficando a cada dia mais para trás…
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