Cynara Menezes: Se quiser fazer bom vatapá, é melhor aprender

Tempo de leitura: 3 min

As garotas Walita órfãs

por Cynara Menezes, em CartaCapital

Parodiando Bertolt Brecht: quem fez o bolo Sousa Leão? Nos livros constam os nomes das rainhas (do lar). Bentas, Palmiras, Ofélias, Anas Marias e Ninas levariam a fama de criadoras dos acepipes que trazem ainda hoje o sobrenome das famílias poderosas que os serviam às visitas e cujas receitas eram guardadas a sete chaves. Na cozinha, ao lado da dona-de-casa de forno e fogão, Nastácias, Zefas, Severinas, Franciscas e Aparecidas virariam, quando muito, meras notas de rodapé na história da gastronomia no Brasil.

Falo isso e me vem à memória um filme das madrugadas da infância, “Imitação da Vida”, um clássico em preto e branco de 1934, que assistimos algumas vezes em família na sessão Coruja. Nele, uma dona-de-casa (Claudette Colbert) fica rica ao industrializar a receita de panquecas que lhe foi trazida por uma empregada negra (Louise Beavers). A patroa, generosa, oferece sociedade à criada e esta recusa por conhecer seu “lugar”: prefere continuar sendo empregada. Mas as panquecas são batizadas com seu nome e não no da patroa, coisa rara –”Tia Delilah”. Vem-me à lembrança também a canção de Dorival Caymmi, “Vatapá”: “com qualquer dez mil-réis e uma negra, ô, se faz um vatapá”.

Décadas depois do que ocorreu na Europa e nos Estados Unidos, finalmente a era das empregadas domésticas está chegando ao fim no Brasil. As moças pobres querem estudar para seguir outra profissão, já não têm como horizonte apenas dedicarem suas vidas às vidas de outras gentes. Não querem ser mais “praticamente da família”, como se dizia, querem ter suas próprias famílias. Tampouco almejam que suas filhas herdem o serviço, trabalhando para os filhos dos patrões, como acontecia antigamente. “A família dela está na nossa família há anos”: quantas vezes ouvi isso? Acabou.

Mas vejam o que se dá. Em vez de dizermos “adeus, queridas, obrigada por tudo”, e tentarmos descobrir outra maneira de cuidar da casa e criar nossos filhos, o que se vê são narizes torcidos. Fala-se das moças que não querem mais dormir no emprego porque estudam à noite como “esnobes sem causa”. Ironiza-se a empregada que “se acha melhor que a patroa”, a que sente saudade de sua terra e quer ir embora, a “estudante-de-direito”. Acusa-se toda uma categoria de estar fazendo guerra de classes dentro de casa, roubando as patroas. Por último: como antes se importava do Nordeste, agora importam-se criadas do Paraguai.

Em termos familiares, construímos nossas vidas com a ilusão de que teríamos empregadas domésticas para sempre. No Brasil, ao contrário de outros países, as crianças passam um tempo mínimo na escola. Em casa, ensinamos nossos filhos –e eu mesma me penitencio por isso– a não fazerem qualquer tarefa doméstica. Há quem se gabe de, na cozinha, ser incapaz de fritar um ovo. Mas, sem as empregadas, já não somos como a garota do anúncio antigo da batedeira Walita, toda sorridente porque, depois, vai ter quem limpe a bagunça. Órfãs, não sabemos o que fazer daqui para a frente.

Para começo de conversa, não há maneira mais digna de se lidar com esta realidade do que aceitar que nossas empregadas estão subindo na vida. Sem chororô, com orgulho: é mais uma etapa que superamos do subdesenvolvimento. O que temos de fazer é modificar a maneira como vivemos até agora –exigindo escolas integrais e semi-integrais para nossos filhos, por exemplo. Também é preciso, mais do que nunca, que homens e mulheres, adultos e crianças, ajudem nas tarefas do lar, lembrando que as divisões por gênero foram abolidas há muito. Não nos resta outra saída a não ser simplificar nosso modo de morar, de viver e de comer. Chegou a hora de aprender a mexer o vatapá.

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Comentários

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Larissa

A PEC das domésticas não vai trazer nenhuma grande revolução, a não ser a Era das Diaristas. Para mim, me cheira ao que no Direito se chama de legislação simbólica. Quem não assinava a antes carteira da sua empregada, agora que não assina mesmo. Quem assinava e não tem condições de pagar os encargos, vai passar para a diarista. E só as madames de quem todo mundo fala mal, por não fazerem pn, é que vão continuar com este “privilégio”. E nem adianta querer comparar o Brasil o com o 1º Mundo, dizer como é lá no Canadá (ah se aqui fosse igual o Canadá), ainda somos submundo.

beato salu

o diabo é deixar de ser empregada e virar….professora..ganhar menos e apanhar da policia..

Luci

Ainda há muitas mulheres e meninas empregadas domésticas. É muita exploração e humilhação, é o legado da escravização de seres humanos.

@lucasvazcosta

Meus pais eram revolucionários e eu nem sabia! Sempre dei uma ajudinha em casa – obrigado, a princípio. Que orgulho! Larguei na frente! rsrsrs!

FrancoAtirador

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DECRETO Nº 71.885
Publicado no DOU de 9/03/1973

Aprova o Regulamento da Lei nº 5.859, de dezembro de 1972, que dispõe sobre a profissão de empregado doméstico, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , usando da atribuição que lhe confere o artigo 81, item III, da Constituição, e tendo em vista o disposto no artigo 7º da Lei nº 5.859, de 11de dezembro de 1972,

DECRETA:

Art 1º São assegurados aos empregados domésticos os benefícios e serviços da Lei Orgânica da Previdência Social, na conformidade da Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972.

Art 2º Excetuando o Capítulo referente a férias, não se aplicam aos empregados domésticos as demais disposições da Consolidação das Leis do Trabalho. (!!!)

Parágrafo único. As divergências entre empregado e empregador doméstico relativas as férias e anotação na Carteira do Trabalho e Previdência Social, ressalvada a competência da Justiça do Trabalho, serão dirimidas pela Delegacia Regional do Trabalho.

Art 3º Para os fins constantes da Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, considera-se:

I – empregado Doméstico aquele que presta serviços de natureza continua e de finalidade não lucrativa a pessoa ou à família, no âmbito residencial destas.

II – empregador doméstico a pessoa ou família que admita a seu serviço empregado doméstico.

Art 4º O empregado doméstico, ao ser admitido no emprego, deverá apresentar os seguintes documentos:

I – Carteira de Trabalho e Previdência Social.

II – Atestado de Boa Conduta emitido por autoridade policial, ou por pessoa idônea, a juízo do empregador. (!!!)

III – Atestado de Saúde, subscrito por autoridade médica responsável, a critério do empregador doméstico.

Art 5º Na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado doméstico serão feitas, pelo respectivo empregador, as seguintes anotações:

I – data de admissão.

II – salário mensal ajustado.

III – inicio e término das férias.

IV – data da dispensa.

Art 6º Após cada período contínuo de 12 (doze) meses de trabalho prestado à mesma pessoa ou família, a partir da vigência Regulamento, o empregado doméstico fará jus a férias remuneradas, nos termos da Consolidação das Leis Trabalho de 20 (vinte) dias úteis, ficando a critério do empregador doméstico a fixação do período correspondente.

Art 7º Filiam-se à Previdência Social, como segurados obrigatórios, os que trabalham como empregados domésticos no território nacional, na forma do disposto na alínea I do artigo 3º deste Regulamento.

(…)
Art 15. O presente Regulamento entrará em vigor 30 (trinta) dias após sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Brasília, 9 de março de 1973; 152º da Independência e 85º da República.

EMÍLIO G. MÉDICI
Júlio Barata

Gerson Carneiro

<img src=http://www.memorialdafama.com/artistas/DanuzaLeao2.jpg>

Opaí, ó! Tu qui num aprenda a fazer miojo não, viu galega? Vai passá fome. Vai ficá na misêra… qui é pra aprendê a debochar das zimpregada.

Marcos Doniseti

Essa música tem tudo a ver com esse texto da Cynara:
http://www.youtube.com/watch?v=0pB0g7wmLko

Marcio H Silva

Em 2003 estive no canadá. Viagem de trabalho. Uma semana. Colega Brasileiro, diretor de grande empresa que nos recebeu e foi nosso host, uma noite nos levou para jantar. Nesta oportunidade conversamos muito sobre a cultura local e o modo de vida numa cidade grande canadense Ottawa. Uma das coisas que ficou marcante foi quando ele disse que empregada doméstica no Canadá é produto de luxo, só para ricos. A mão de obra é caríssima. E no contrato é estipulado as tarefas a realizar. Desta forma, nosso amigo casado e com dois filhos se aculturou. Como não pode ter empregada doméstica, todos em sua casa tem as tarefas semanais. Se os filhos não fizerem suas tarefas não ganham a mesada. Ele falou que no início teve dificuldades, mas como os filhos viam que seus colegas também tinham suas tarefas foram se acostumando.

Miriam

O problema é que muitas ex-empregadas domésticas vão trabalhar nas empresas de limpeza terceirizadas, em que os empregados são completamente desvalorizados, trabalham em condições medonhas e são "motivados" por meio de visitas dos supervisores. Alguém se vê, por exemplo, diariamente limpando elevadores em movimento (fechados) borrifando produtos multiúso? Alguém se vê trancado no depósito de material de um metro quadrado (sem descontar as prateleiras abarrotadas de produtos), sem janela, que é o único lugar que o autorizam a ficar? Alguma coisa pode estar mudando, mas está muito longe de esses empregados poderem dar uma banana para os patrões.

Tomudjin

Como diria Chico: já tem banda larga em Macau. Não o Macau chinês… o potiguar.

Fátima

Pois é, o Brasil não foi mais o mesmo depois de Lula. Depois de tanto tempo governados pela casa grande, começamos a mudar nosso futuro

    José Feitosa

    A copia saiu melhor que o original……

mfs

Que ninguém se iluda. A transição do Brasil para o "primeiro mundo" também trará os problemas e distorções. Por exemplo, a exploração de mão-de-obra imigrante (no caso, do Paraguai, Bolívia, etc). Aliás, como já acontece há algum tempo. A classe media tradicional, eleitora tucanudenista, continuará a se valer dos serviçais, continuará pagando pouco, continuará preconceituosa e reacionaria. A esperança é que muitos dos seus filhos podem não ser.

augusto

Eh beleza.
E tá ansim de moça do interior querendo ficar só diarista Franscisleide, a 80,00 por cabeça/casa/dia.
E á noite ela estuda.
Que horror.

O_Brasileiro

Esse Lula…

    EUNAOSABIA

    Esse usurpador de obra alheia, esse copiador de programas sociais, esse copiador e colador de política econômica, Essa China….

    rodolfo

    Vc. por aqui? e o Noblat, como anda?
    Como dói, não?

    adriana

    Esse cotovelo que teima em doer…hehehe

    Polengo

    Copiou a política econômica de quem, seu fanfarrão?
    http://www.youtube.com/watch?v=Ig9pE6qwzxw

    José Feitosa

    Se copiou a copia saiu melhor que o original..KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK …KK

    P Pereira

    O papagaio aprende a falar de tanto ouvir determinados sons, mas não sabe o que está dizendo.

    ZePovinho

    Esse EUNAOSABIA………………………………………………

    Gerson Carneiro

    Ah essa mágoa que carregas e não consegue se livrar…. vai terminar em infarto.

Carla

Muito bom! E de fato brasileiras não sabem se virar numa cozinha, os homens já melhor… está na hora de começar a gerir sua própria casa, a curtir mais o lar… e ensinar aos filhos a cuidar um pouco de tudo… e também chega de babá!

marcondes

A referencia ao "ela está na família há muitos anos" trouxe à memória que as hoje "domésticas", como aparece no anuncio aqui em cima, eram mais conhecidas como "criadas' numa associação quase escravocrata com as mulheres que começavam a trabalhar nas casas ainda meninas.

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