Claudia Wanderley: Que tal, numa noite dessas, meditar olhando a Cruzeiro do Sul? É revigorante
Tempo de leitura: 6 minPor Claudia Wanderley
Por Claudia Wanderley*
Em 26 de fevereiro de 2020, o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso de covid-19 no Brasil.
Desde então, estamos tendo de lidar com crises e mudanças bem maiores do que tínhamos hábito, perceber melhor com quem podemos contar nos momentos difíceis, assim como contribuir com quem precisa de ajuda.
A rede de solidariedade está mais clara do que nunca!
Fazem parte profissionais das mais variadas áreas da saúde, voluntários, professores de yoga…
São pessoas que nos ajudam a restaurar as nossas energias para seguirmos melhor em frente.
Hoje vou lhes contar algo que muitas pessoas desconhecem: essa rede um pouco mais estendida existe também existe na tradição do yoga.
Yoga traz alegria
É muito importante apreciar e nos alegrar por estarmos vivos!
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Não é uma experiência eterna nem banal.
Nesta existência, somos todos provisórios. Então, durante o tempo que estamos aqui podemos cultivar alegria, saúde e bons relacionamentos.
Na tradição de yoga, há um sistema pensado para nos trazer alegria. E alegria – até onde sei – vem da nossa interdependência consciente com tudo o que existe.
É mais fácil perceber isso à noite. As estrelas, que durante o dia não vemos por causa do brilho intenso do sol, passam a ficar visíveis. A gente percebe melhor quem está perto e a rede incrível de relações que existe.
Os movimentos das estrelas são análogos às redes de afeto, solidariedade, cuidado, parceria que estão à nossa volta. Muitas vezes não percebemos. Ou simplesmente não nos permitimos ganhar consciência dessa rede em nossa vida.
No colo da mamãe Terra
Há uma rede incrível de pessoas, animais, plantas e minerais que contribuem a cada segundo para nossa existência de forma direta e/ou indireta.
O espaço do céu, portanto, aqui representado pelo disco da lua, é uma referência para pensarmos em parcerias, amizades e solidariedade.
Não estamos sozinhos, essa ideia para o yoga é ilusória. Nós estamos sendo cuidados e cuidando, estamos em uma rede bem bacana de seres interligados.
No planeta Terra, as plantas e principalmente florestas e ecossistemas preservados são vitais para restaurar as nossas forças quando estamos cansados.
Os yogues dizem que esse ambiente — que a gente chama de prana — tem muita energia vital.
De fato, o planeta nos dá tudo. E as plantas são nossas parceiras mais próximas. Nos fornecem alimento, vestimenta, abrigo, remédios… Elas nos acolhem em praticamente todas as nossas necessidades.
Nessa medida, me ajuda muito pela manhã fazer, por exemplo, um chimarrão. A planta do chimarrão, a erva mate, é uma boa amiga e companheira matinal.
Neste sentido, gostar, respeitar e celebrar o planeta como uma existência generosa é uma característica de quem pratica yoga.
Particularmente, tenho grande admiração pela sabedoria dos povos originários em conviver com toda essa riqueza de seres e conexões. É um sistema altamente complexo. Ter a maestria de estar em harmonia com todos, sem destruir o ecossistema, é absolutamente encantador para quem tem uma vida urbana, como eu.
Navegando e melhorando
Uma caminhada ao ar livre, um banho de mar, um passeio no parque, uma noite olhando as estrelas são atividades revigorantes, que podemos nos proporcionar.
O planeta Terra, as plantas e a lua criam ótimas condições para a gente se restaurar e vida ser alegre. Aproximar-se um pouco mais deles nos vai fazer bem.
E para ser alegre (ou mais alegre) a gente precisa se propor a sair da condição em que estamos para uma condição melhor.
Sim, dá para melhorar mais um pouquinho. Mas é preciso traçar uma rota clara e fazer esse plano para ir para essa nova condição, que é melhor do que a que estamos. Conscientemente, a gente decide e planeja isso.
Os hindus às vezes se guiavam por estrelas para navegar de um lugar para outro, de uma condição a outra.
Meditar com as estrelas é um hábito antigo.
Há um conjunto de estrelas citados no Ramayana* para a nossa navegação aqui no hemisfério sul. Chama-se Trishanku, que conhecemos como Cruzeiro do Sul.
A estrela de Alpha Centauro pode ser também nossa referência no Polo Sul, assim como a Estrela Polar é no Polo Norte.
Aprenda a brincar, para navegar bem pelo play!
Mesmo na diversão, na alegria, nas relações, nós temos uma natureza que precisa ser respeitada.
Desrespeitar a si mesmo ou aos demais é algo que devemos evitar ao máximo, porque modifica o nosso trajeto.
Assim, é preciso encontrar um norte ou um sul e também garantir um limite ético que permita que você possa crescer, estabilizar sua mente e viver dentro das melhores possibilidades que viabilizem a paz interior.
Fique firme no leme depois que traçou a rota.
Considere exercitar e alargar cada vez mais as possibilidades de estar relaxado, de se apreciar, de se dar um tempo, de curtir estar aqui, de se encantar com o fato de que a vida é uma coisa maravilhosa.
Ficar alegre não é errado para yoga. Pode se alegrar, a gente fica alegre com isso também. Alegria é bom!
Para apreciar esse fato simples de existir, sempre que possível sejamos autênticos.
A gente se sente firme e confortável sendo quem somos. O Mestre Carlos fala que a sabedoria do yoga também se aplica à saúde, acho que é isso mesmo.
Só pode ser saudável quem se acolhe, se cuida e se respeita. Isso tem a ver com apreciar a própria existência e, por consequência, ser capaz de apreciar a existência de tudo o que existe. O caminho não tem segredo. É primeiro em relação a gente, depois essa compreensão vai se expandindo.
Quando a gente está bem, imediatamente se envolve com o que está acontecendo à volta, propõe novas relações. Entramos em um estado de interação com toda a vida que nos cerca. Passamos a participar das questões, das dinâmicas (do cuidado das florestas, por exemplo) e nos interessamos pela vida à nossa volta.
O sábio Bhrigu, um rishi, explica como as coisas foram criadas. Ele é uma grande referência sobre bem estar. É o primeiro astrólogo de que se tem notícia. É uma sabedoria muito bacana ensinar a dinâmica da “matrix” em que estamos vivendo.
Nesta perspectiva, não podemos criar, a não ser que essa criação venha de uma colaboração com a vida e favoreça todos os seres. Este é o ponto mais bacana do bem estar: poder criar e, com isso, favorecer a vida.
Fingir que está tudo bem é cilada!
Então, ficar bem, para termos condições objetivas de prosperar é um compromisso que podemos ter conosco.
Essa medida é uma medida bastante íntima: estar firme e confortável sendo quem você é, de maneira autêntica, espontânea, sem qualquer constrangimento. Só você sabe que ponto é esse, e – se não sabe – yoga pode ajudar.
Às vezes, fazer a linha de que está tudo zen parece boa ideia, mas não é. É melhor dizer que não está bem, e partir do “real oficial”.
Para o yoga, a gente fala o que é, o que sentimos. Fingir que está tudo bem é cilada. Só nos faz ficar parados. O bom é sempre a gente se movimentar conscientemente na direção de melhorar a nossa situação e a do nosso entorno.
Neste momento, o primeiro yogue, Shiva, também é capaz de trazer lágrimas, trazer tempestades, trazer a dança da mudança.
Quem faz yoga também promove mudanças quando são necessárias, e a estrela Betelgeuse no céu (veja acima) está aí para nos lembrar isso.
A dança da destruição de Shiva é uma possibilidade de limpeza do ambiente para que novas coisas possam chegar.
Quando há uma grande tempestade, o ar fica limpo, nós recomeçamos novamente. Lembrando que não é o caso jamais de lançar nosso mal estar, nossa força para mudar, de ficar irado, de promover tempestades com quem está mais próximo de nós ou com quem é mais vulnerável.
Foque sua energia nas questões que precisa modificar em sua vida. Aí, no momento certo, encerre, por exemplo, uma relação abusiva ou um ciclo que já não te permite crescer.
Vamos partir do “real oficial”
A sugestão de meditação que deixo hoje para vocês é esta:
— quando anoitecer, tome um banho antes de meditar;
— coloque uma roupa limpa, sente-se firme e confortável com a coluna reta;
— ponha o telefone para despertar em 5 minutos;
— feche, então, os olhos, e coloque sua atenção no espaço, nas estrelas; respire fundo durante toda a meditação.
Apenas observe, sem julgamentos. Quando terminar, agradeça a experiência.
Apenas observe, sem julgamentos. Quando terminar, agradeça a experiência.
Fiquem bem. Meditem. Vamos nos cuidar.
*Ramayana, Livro I : Bala Kanda. Sábio Valmiki
*Claudia Wanderley coordena o grupo de estudos Yoga na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde é também pesquisadora do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência. No programa de extensão da Faculdade de Educação Física da universidade, dá aula de saudação ao sol.
Claudia Wanderley
Coordenadora do grupo de estudos Yoga na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde é também pesquisadora do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência. No programa de extensão da Faculdade de Educação Física da universidade, dá aula de saudação ao sol.
Comentários
Sandra
Não sei se vou conseguir meditar, mas vou tentar porque para mim o universo sempre foi e sempre será um lugar onde só tem amor e paz.
Claudia
Todo dia um pouquinho… medita, Sandra.
Zé Maria
METEMPSICOSE
(Guilherme de Almeida)
Morrer… Pelos caminhos
ir branco, ir muito frio, ir de roupinha nova,
as mãos em cruz, o olhar de vidro os pés juntinhos:
ir assim para a cova!
Ir e não ver… Bizarro!
E tudo tão luxuoso, e tudo rico, tudo!
Os amigos de preto, as coroas, o carro,
o caixão de veludo…
Bizarro! Que vida, esta!
Ser festejado assim, com tanto rebuliço,
com tanta pompa assim: e o anfitrião da festa
nada a ver de tudo isso!
Depois, a sepultura:
sair de um leito pobre e de colchões macios,
para um de pedra, rico… Ah! mas que cama dura
e que lençóis tão frios!
E desfazer-se aos poucos…
Não ter o que comer e dar comida a tantos
inimigos! Meu Deus, que terra esta de loucos!
De loucos ou de santos?
Ficar assim, agora,
escutando o silêncio e olhando a treva… E, inteira,
completamente só, voltar ao que era outrora:
ser poeira de outra poeira!
Mas, na terra selvagem,
achar uma semente: adubá-la, um minuto,
e ser raiz, e ser arbusto, e ser folhagem,
e ser flor, e ser fruto!
Flor que um Sol Poente banha
e que vai perfumar, enfeitar com ternura
– ó flor de morte, flor paradoxal e estranha! –
a própria sepultura!
Fruto que vai dar vida
aos pássaros do céu! Galho que vai dar sombra
aos homens do caminho! Ou erva apetecida
de apetecida alfombra!
Ah! morrer na certeza
de, assim multiplicado, invisível e mudo,
viver eternamente em toda natureza
e na vida de tudo!
claudia
Lindo, Zé Maria!
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