Wagner Iglecias: Não são atentados os que ocorrem no Afeganistão, Paquistão, Iraque, Síria, Líbia?

Tempo de leitura: 4 min

homenagem_mortos_Paris_Foto: JB Gurliat/Maire de Paris

CIVILIZAÇÃO FÓSSIL

por Wagner Iglecias, especial para o Viomundo

Neste domingo, durante discurso feito na reunião dos BRICS no G-20, na Turquia, a presidente Dilma Rousseff citou o Estado Islâmico em referência aos atentados em Paris e disse que é urgente “uma ação conjunta de toda a comunidade internacional no combate sem tréguas ao terrorismo”.

Vindo de alguém na posição dela não se podia esperar algo muito diferente disso. Mas trata-se de uma declaração protocolar, oca, formal, dado que combater o terrorismo é combater a consequência, e não as causas do problema. Visões como essa só darão mais combustível ao belicismo crescente, à xenofobia contra o Islã e tornarão cada vez mais difícil a construção da paz.

Muçulmanos não são seres irracionais e sua fé religiosa não está além ou aquém das outras crenças ocidentais, como o Cristianismo e o Judaísmo. Grande parte do avanço científico e tecnológico europeu ao longo de séculos é fruto do convívio com os povos islâmicos, é bom que se diga. E tampouco estamos vivendo um “Choque de Civilizações” entre o Islã e Ocidente, como sugeriu um dia o pensador conservador estado-unidense Samuel Huntington. Por outro lado é óbvio que os atentados terroristas na França, provavelmente perpetrados pelo Estado Islâmico, nos soam horripilantes. E são mesmo.

Mas fica a pergunta: não são atentados como os da capital francesa, ceifando a vida de tantos inocentes, que ocorrem quase que semanalmente há mais de uma década se considerarmos o conjunto de países (ou ex-países) como Afeganistão, Paquistão, Iraque, Síria, Iemen, Libia, Somália, Quênia, Nigéria e outros, dos quais muitos de nós aqui, no Extremo Ocidente, na longínqua periferia do Império, nem ficamos sabendo?

Talvez o que mais nos apavore, além das terríveis imagens vindas da tragédia de Paris, uma das capitais culturais de nosso tempo, é imaginar a hipótese de que esta rotina macabra não seja mais uma exclusividade de países pobres e distantes, e que possa a partir de agora ser parte do cotidiano das sociedades mais ricas do mundo, exatamente aquelas nas quais tantos de nós se espelham.

Logicamente seria muita pretensão deste que vos escreve, ou de qualquer outra pessoa, tentar responder à questão sobre quais são as causas do terrorismo contemporâneo. Afinal trata-se de um tema  demasiadamente complexo, que carece ser analisado a partir de múltiplos aspectos. Mas tenho a impressão de que a instabilidade política instigada pelo Império e seus prepostos europeus no Oriente Médio e no Magreb na última década e meia é a principal razão para este novo ciclo de instabilidade global que se forma a partir daquela região do mundo.

Sim, a Líbia de Muamar Gaddafi, o Iraque de Sadam Hussein ou a Siria de Hafez al-Assad (pai de Bashar al-Assad) eram ditaduras. Houve neste países presos políticos e perseguições a opositores. Mas é certo que havia também alguma estabilidade institucional e não ocorria o banho de sangue, na escala atual, como este promovido na região desde a primeira Guerra do Golfo e as posteriores incursões ocidentais naquela parte do mundo.

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Organizações internacionais estimam que no Iraque teriam sido assassinadas apenas entre 2003 e 2006 entre 600 mil e 1 milhão de pessoas. Durante os seis primeiros meses de guerra civil para por fim ao governo de Gaddafi na Líbia, em 2011, estima-se que entre 30 mil e 50 mil pessoas tenham sido mortas. Na atual guerra para derrubar o governo de Bashar al-Assad na Síria estima-se que 250 mil pessoas já tenham perdido a vida, 7 milhões tenham se deslocado forçadamente dentro do território sírio e outros 4 milhões tenham saído ou tentado sair do país por conta da violência.

As incursões feitas pelo Ocidente contra governos da região são, ao menos ao nível do discurso, para levar àqueles povos a liberdade e a democracia. Trata-se, curiosamente, de países não alinhados aos governos dos EUA e da Europa e situados sob ricas reservas de petróleo, gás natural e outros recursos fósseis fundamentais ao modelo de desenvolvimento ocidental. Modelo de desenvolvimento que faz com que os estado-unidenses, que constituem apenas 5% da população do planeta, sejam responsáveis por 14% da emissão global de gases de efeito estufa e consumam 25% da energia mundial. Modelo de desenvolvimento baseado em trabalho excessivo, consumo exacerbado e desperdício. Modelo de desenvolvimento que formou uma sociedade disciplinada e individualista, na qual parcela significativa da população vive movida a ansiolíticos, antidepressivos e outras drogas. Modelo de desenvolvimento que irá buscar aonde for necessário, em qualquer lugar do mundo, os recursos para a sua alimentação e a sua continuidade. Modelo de desenvolvimento que se orgulha de suas garantias e liberdades individuais, de seu protagonismo, de sua liderança e de sua democracia. Mas modelo de desenvolvimento que, em verdade, resulta numa civilização fóssil, calcada numa sociedade que para dar sentido à sua forma de viver depende da exploração insana e permanente de recursos energéticos esgotáveis e poluidores, aonde quer que eles estejam e ao custo que custarem.

Buscar as razões para as ações terroristas é muito difícil. Mas os atentados não são causa, e sim consequência. Fato é que enquanto bombas e tiros ocorrem em algum lugar, ceifando vidas inocentes, seguimos na marcha batida de um tipo de civilização predatória, belicista, individualista e alienada, no qual a vida humana parece ser menos importante que o lucro, a solidariedade menos importante que a ganância e a natureza menos importante que a riqueza material de uma pequena parcela da Humanidade.

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

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Santayana: Leis “antiterroristas” podem fabricar inimigos onde nunca tivemos 

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Comentários

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Nelson

“Sim, a Líbia de Muamar Gaddafi, o Iraque de Sadam Hussein ou a Siria de Hafez al-Assad (pai de Bashar al-Assad) eram ditaduras.”

E um país em que o presidente se reúne, semanalmente, com seus serviços secretos, para avaliar uma lista de suspeitos de terrorismo e definir quem será ou serão o(s) assassinado(s) da vez, pode ser uma democracia?

Estou falando das “kill list” elaboradas pela CIA e outros serviços secretos dos EUA e de Barack Obama.

Estou falando da pior ditadura da história da humanidade. A ditadura implantada pelo Sistema de Poder que domina os EUA e boa parte do planeta e quer, fanaticamente, fundamentalisticamente, dominá-lo por inteiro.

FrancoAtirador

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Entrevista: Bachar al-Assad, Presidente da Síria
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(http://www.orientemidia.org/bachar-al-assad-sobre-os-ataques-terroristas-em-paris-franca-colhe-o-que-semeou)
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FrancoAtirador

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Enquanto a Humanidade clama por Paz e Distribuição de Riqueza
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Meia Dúzia de Governantes e Corporações Privadas fazem Guerra
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e ditam o Destino de 7 Bilhões de Humanos, Metade na Miséria.
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C.Paoliello

Uma foto mostra porquê os terroristas tiveram sucesso em seus recrutamentos no Oriente Médio:

RONALD

Sem falar no morticínio de palestinos civis – mulheres e crianças inocentes – em Gaza, recentemente.
dá mais de 20 Paris de mortos com fóforo branco e bombas de fragmentação – armas proibidas internacionalmente.
Essa melancolia, com mortos ocidentais somente, não se justifica !!!!

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