A morte e a morte do jornalista Roberto Porto
por Urariano Mota, no Vermelho
Nestes últimos dias, no site da CBF lemos:
“Morre Luiz Roberto Porto, um expoente do jornalismo esportivo”
No jornal O Globo de quinta-feira, descobrimos:
“O jornalista, escritor e historiador Luiz Roberto Ribeiro Porto, conhecido como Roberto Porto, morreu nesta quinta-feira (4), no Rio de Janeiro. Pai do narrador Roby Porto, do SporTV, ele tinha 74 anos e estava internado em um hospital desde o dia 17 de novembro por causa de problemas vasculares.
Torcedor do Botafogo, foi um dos profissionais de imprensa mais atuantes entre as décadas de 60 e 90. O clube alvinegro decretou luto oficial de três dias pela morte do jornalista, que foi editor de esportes de “O Globo”, “Jornal do Brasil” e “Jornal dos Sports”.”
No jornal O Globo de sexta-feira, assim escreve o colunista Fernando Calazans:
“MEU AMIGO ROBERTÃO
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Tive muita sorte na profissão. Ao entrar para o primeiro dia de estágio numa editoria do ‘Jornal do Brasil’, em 1968, encontrei um time de craques de causar inveja a qualquer órgão da imprensa. Entre eles, Luiz Roberto Porto, que nos deixou ontem, aos 74 anos. Foi um dos meus professores, um dos grandes amigos. Era uma época em que o jornalista tinha o dever — e o tempo necessário — de se esmerar no uso das palavras, na qualidade do texto. Época dos redatores.
Robertão, como o chamavam os amigos, era redator e, como os demais, teve a paciência de me orientar e me ensinar naquele ramo que dominava tão bem, a ponto de se tornar também autor de livros, alguns dedicados ao futebol, especialmente ao seu amado Botafogo”
E no site do SportTV, na quinta:
“O Brasil perdeu mais um craque do jornalismo esportivo. Morreu na manhã desta quinta-feira, aos 74 anos, o jornalista Luiz Roberto Porto, vítima de complicações provocadas pelo diabetes. Robertão, como era conhecido, era pai do narrador Roby Porto, do SporTV, e foi um dos profissionais de imprensa mais atuantes entre as décadas de 60 e 90.”
E outras notícias lemos nesse igual tom. Olhem, quando vi as manifestações da imprensa sobre a morte do jornalista esportivo e historiador Roberto Porto, me ocorreu uma ideia. Uma amarga inspiração, digamos asssim. Penso que a vida dos escritores e homens ilustres deveria começar por um dia depois da sua morte. Quero dizer, com a memória das manifestações que recebeu desse dia, o escritor viria recompondo de trás para a frente a sua vida, sempre com a consciência do seu valor reconhecido.
Até chegar à infância, à fase de bebê, quando poderia enfim mijar e defecar sobre a pompa vazia que lhe dão nos últimos instantes.
Porque observem. Nada do que foi publicado neste início de dezembro rima com os últimos dias de Roberto Porto antes da sua morte. Nas vésperas, recebi mensagem que falava das condições terríveis, que gritavam o maior desamparo do jornalista e grande caráter que nos acostumamos a chamar de Roberto Porto. A mensagem veio do jornalista César Oliveira, que me autorizou a divulgação:
“Senhores:
Não quero, não pretendo nem vou cobrar loas por qualquer comportamento que eu tenha tido com o meu querido amigo, parceiro e ídolo Roberto Porto ao longo da sua doença. Dispenso qualquer tipo de elogio, da mesma forma como pouparei críticas.
Robertão tem pouco tempo de vida. Horas, dias… não sei. Foi levado hoje à UTI do Hospital do Andaraí. É um espectro do homem grande e forte que conhecemos. Há meses, está mal de saúde e totalmente abandonado. Evitei expor a situação para poupá-lo. Tentei ajudá-lo de todas as formas, sem sucesso.
Minha mulher, que é técnica de enfermagem e cuidadora de idosos, há tempos arrumou pra ele uma cuidadora (que cuidaria dele e da casa, de alimentação e remédios), mas ele – teimosão como sempre – preferiu a doméstica que a Ada Regina (quatro anos de falecida no domingo passado) havia contratado. Como não sou parente, não pude impingir o tratamento; se o fosse, faria. Se pudesse pagar (algo em torno de R$1.200/mês, bancaria).
Tudo começou com o problema nos olhos (“Não estou enxergando bem”). Consegui com um desconhecido uma consulta gratuita num consultório no Largo do Machado e tratamento completo e grátis no Hospital da Lagoa, mas ele não foi (teimoisão…), dizendo que era longe. Era esclerose da retina, ficou cego de um olho e tem apenas 20% do outro. Mas os anos de abuso de tabaco e álcool cobram, agora, seu preço.
Com isso, passei a escrever as colunas dele na ESPN (revelo agora, apenas para que entendam a extensão do drama, e peço desculpas à ESPN, mas fiz por um amigo querido), como se fosse ele, usando o mesmo vocabulário e repertório de palavras, para que ele continuasse mantendo o emprego. Ele dizia para quem o visitava que ditava as colunas para mim. Pouco importa quem escrevia, importante era manter o emprego. Sem dinheiro, não sei o que seria. Com R$2.000 de aposentadoria e R$4.000 da ESPN, bastava interná-lo decentemente e usar os proventos dele para pagar as contas.
Mas ele se abandonou, até que um dia o cunhado flagrou a menina que lhe prestava favores sexuais na portaria do prédio e armou um banzé. De lá pra cá, foi ladeira abaixo. Até o ponto em que eu mandei um e-mail para os familiares, fiz um banzé entre os jornalistas que o conhecem. Queria que soubessem e tentassem ajudar.
Nas Olimpíadas de Inverno, em fevereiro deste ano, mandei uma mensagem para o filho na Rússia, através de amigos comuns, mas ele jamais retornou. A outro radialista veterano, que trabalhou com o Porto na Rádio Nacional, quando indagado sobre o pai (em recente jogo em São Januário) disse que ‘não sabia de nada’.
Um conhecido jornalista e editor me ligou para perguntar ‘o que estava acontecendo’, porque um amigo, que trabalha no Hospital Pedro Ernesto, ligou pra ele dizendo que identificara o Porto (quem não?…) na emergência, levado por vizinhos, com uma grave infecção nos dedos dos pés, provavelmente diabetes nunca detectada. Descaso, abandono.
‘Trabalhando na TV Globo, tem o melhor plano de saúde do jornalismo brasileiro, e poderia interná-lo decentemente’ – sacramentou um veterano jornalista sobre o filho (vou poupando nomes).
Domingo, ele ainda sorria, entendia as brincadeiras, a mania de acentuar meu nome, o livro (‘Botafogo: 101 anos de histórias, mitos e superstições’) do qual temos o maior orgulho. Estava com péssima aparência, cabeludo e barbudo, o corpo esquelético cheio de equimoses.
Ia ser operado, talvez amputar, ontem os dedos dos pés. Mas estava com a glicose muito alta e não foi. Quando minha mulher e eu chegamos lá ontem, 16h (ela trabalha até 15h), para visitá-lo, continuava em jejum, apesar da suspensão da operação.
Depois de eu lhe fazer a barba, ela arrumou os cabelos e o alimentou por seringa porque as duas domésticas que se revezam na atenção a ele não sabem fazer isso, e as enfermeiras não estão nem aí. Ele já deveria estar sendo alimentado de forma parenteral, mas… quem liga?
Ontem, conseguimos que o trocassem de cama, porque ele não cabia na outra. Falei com o novo VP de Comunicação do Botafogo, ontem, pedindo que o Clube desse a ele o mesmo tratamento dado ao Nilton Santos para que Porto, pelo menos, tenha um fim digno.
Foi levado pra UTI na manhã de hoje. Sua agonia deve durar pouco. Muita falta de cuidado. Muita falta de amor. Mas não foi por falta de aviso.
Abraços,
Cesar Oliveira
Editor da www.livrosdefutebol.com“
Para o quadro descrito acima, falar o quê? Uma semana antes o site do Botafogo havia divulgado uma nota :
“’Recebam o carinho do Botafogo, tanto o adversário mais genial que já tivemos, personagem marcante da rivalidade mais grandiosa do futebol mundial, quanto o jornalista que sempre retratou com brilhantismo nossas glórias e muitos dos momentos que fazem do Botafogo um clube único.
Estamos com vocês!’”.
E pelo visto, o Botafogo achou que já havia cumprido a sua dolorosa missão.
Diante das últimas horas de Roberto Porto, não é preciso chover no molhado, pois as tragédias, mesmo as pequenas e do cotidiano, repelem os clichês. Por isso nem lembro o quanto é passageira a glória humana.
O instante era de urgência e longe da pregação evangélica. Mas é impossível esquecer, ainda que rápido, o quanto a grande mídia trata o sangue e o espírito de quem um dia ela sugou.
Não importam o valor, o talento, o mérito, os cargos ocupados, que isso não é moeda na hora da desgraça.
De Roberto Porto me tornei amigo virtual, por três motivos: primeiro, éramos colunistas do Direto da Redação, site dirigido por Eliakim Araújo; segundo, porque eu admirava as suas memórias de jornalista quando falava de João Saldanha e Nelson Rodrigues; terceiro, porque ele era quase pernambucano de Caruaru, e no meio de tanto colunista do sudeste eu me sentia meio deslocado.
Não sei por quê, mas quando recebi a mensagem de César Oliveira, em que ele falava da “agonia que deve durar pouco”, eu só me lembrei do samba de Bide e Marçal, Agora é Cinza. Por isso, diante das últimas notícias na imprensa, voltemos à minha sugestão do começo: a vida dos escritores e homens ilustres deveria começar por um dia depois da sua morte. Aí, meus amigos, que felicidade.
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Comentários
Fernando
Uma pena o Hospital Federal do Andaraí estar nessas condições.
Lafaiete de Souza Spínola
Precisamos de de um país que cuide dos seus filhos: No nascimento, na vida e na morte. Como predomina o individualismo!
Ramalho
Não somos preparados para a morte, fugimos dela. Um único comentário até agora. Mesmo sabendo que morreremos, achamos que morrer é coisa dos outros, exceto quando estamos na iminência de ser abatidos por ela.
A narrativa revela também o descaso e preconceito para com os idosos: uma aposentadoria vil (Roberto Porto não foi um anônimo, se é assim com ele, imagine com os velhos em geral) e a indiferença da família, amigos e instituições. Lamentável.
Como dizem, Deus não existe, mas é justo. O que demos a Roberto Porto é o que nos está reservado quando chegar nossa vez (criamos hoje os usos e costumes que nos consolarão ou abandonarão na nossa hora).
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