Stiglitz desmascara o falso êxito das políticas de “austeridade”
Tempo de leitura: 5 minFoto: EBC
“Ajuste fiscal”? Por que não seguir a Europa
Desemprego, recessão, crise profunda da democracia. O Nobel de Economia Joseph Stiglitz desmascara o falso êxito das políticas de “austeridade” – as mesmas que conservadores querem no governo Dilma
no Outras Palavras, via Brasil em Debate
Um mito, acompanhado por uma fieira de jargões, espalha-se com rapidez no Brasil pós-eleições: o de que precisamos de um “ajuste fiscal”, de um “aperto de cintos”, para “recolocar ordem na economia”. Após um período de “descontrole” das contas públicas e “gastança”, os “agentes econômicos” (leia-se grandes bancos e empresas) teriam “perdido a confiança” no Estado e deixado de investir. Para seduzi-los novamente, seria preciso voltar às políticas mais ortodoxas. Elevação das taxas de juros. Corte de investimentos públicos. Contenção do salário mínimo, da Bolsa Família e de direitos previdenciários como o seguro-desemprego.
Repetido como mantra, esse discurso tem encontrado pouca resistência. Aécio Neves, que o sustentou durante a campanha eleitoral, foi derrotado pelos eleitores — num segundo turno em que Dilma investiu, para vencer, no tema de “Mais” mudanças e direitos. Porém, fechadas as urnas, foi como se elas nada tivessem dito. A mídia apresenta o “ajuste fiscal” como se não fosse uma opção política — mas uma necessidade objetiva e inescapável. A própria presidente reeleita pareceu abandonar, logo depois da vitória, seu discurso. Ainda em outubro, o Banco Central elevou as taxas de juros. Em 6 de novembro, ao conceder entrevista a oito veículos da velha mídia, Dilma anunciou corte de gastos. Um dia depois, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, revelou que o governo já os prepara.
Mas o “ajuste fiscal” é uma escolha tão óbvia, para os governantes, como mobilizar as equipes de Defesa Civil, em caso de tragédia? No texto a seguir, Joseph Stiglitz, Nobel de Economia, demonstra que não. Ele examina o caso da Europa. Lá, com nome de “austeridade”, políticas de corte de direitos sociais e desmonte de serviços públicos estão sendo adotadas desde 2009. Cinco anos depois, os economistas conservadores veem sinais de “sucesso”. Stiglitz zomba. Todas as crises terminam um dia, ele lembra. Ao fazer o balanço, o que importa é aferir que sacrifícios foram exigidos, das sociedades, para enfrentá-las. Na Europa, o panorama é trágico. Além da corrosão dos direitos sociais, houve desgaste grave da democracia — desmoralizada quando os governos prometem “Mais” e entregam “mais do mesmo”. E não é só: voltam a surgir no horizonte sinais de que todo o sacrifício foi inútil. Mesmo países como a Alemanha parecem enfrentar, agora, estagnação — e contribuem para jogar lenha na fogueira de uma possível tempestade econômica mundial.
A redefinição da política econômica tornou-se um tema central. Árido aparentemente — porque interessa ao pensamento conservador reduzi-lo a algo para especialistas — ele pode ser compreendido por todos que se disponham a algum esforço. Vale a pena. Das escolhas que o Brasil fizer, neste terreno, dependerá, também, nosso futuro político, social e cultural. “Outras Palavras” insistirá no assunto. Vale, por enquanto, escutar Stiglitz:
por Joseph Stiglitz
Apoie o VIOMUNDO
“Se os fatos não se encaixam na teoria, mude a teoria”, diz o velho ditado. Mas muito comumente é mais fácil manter a teoria e mudar os fatos. É o que a chanceler alemã Angela Merkel e outros líderes europeus pró-austeridade parecem pensar. Mesmo com os fatos a um palmo do nariz, eles continuam negando a realidade.
A austeridade falhou. Mas seus defensores estão prontos a declarar vitória com base na evidência mais fraca de todas. A economia não está mais em colapso; logo, as medidas de austeridade só podem estar funcionando! Mas se essa for a referência, poderíamos dizer que pular de um penhasco é a melhor forma de descer uma montanha.
Toda crise chega a um fim. O sucesso não deve ser medido pelo fato de a recuperação em algum momento acontecer — mas pelo tempo que se demora para chegar a ela e por quão extensos são os danos causados pelo tombo. Vista nesses termos, a austeridade tem sido um desastre completo e absoluto. Isso está se tornando cada vez mais visível à medida em que as economias da União Europeia voltam a encarar estagnação — ou, talvez, um triplo mergulho em recessão, com o desemprego mantendo-se em altos patamares e o PIB real per capita ainda abaixo dos níveis pré-crise, em muitos países. Mesmo nas economias de melhor desempenho, como a Alemanha, o crescimento desde 2008 tem sido tão lento que, em qualquer outra circunstância, seria considerado desanimador.
Os países mais atingidos estão em depressão. Não existe outra palavra para descrever economias como a da Espanha ou da Grécia, onde quase uma em cada quatro pessoas – e mais de uma em cada duas, entre os jovens – não consegue encontrar trabalho. Dizer que o remédio está funcionando porque o índice de desemprego decresceu em alguns pontos percentuais, ou porque se pode ter um vislumbre de crescimento magro, é semelhante a um barbeiro medieval que diz que a sangria está funcionando, já que o paciente ainda não morreu.
Extrapolando o crescimento europeu modesto a partir dos anos 80, meus cálculos demonstram que a produção na zona do euro hoje está mais de 15% abaixo do ponto em que estaria, se a crise financeira de 2008 não tivesse acontecido. Isso implica uma perda de 1,6 trilhão de dólares apenas esse ano, e uma perda acumulada de mais de US$ 6,5 trilhões. Ainda mais perturbador é que essa diferença está aumentando e não diminuindo (como se esperaria depois de uma crise, quando o crescimento é tipicamente mais rápido do que normalmente conforme a economia retoma terreno perdido).
Em outras palavras, o longo período de recessão está diminuindo o crescimento potencial da Europa. Jovens que deveriam estar desenvolvendo habilidades não estão. Há evidências contundentes de seus rendimentos, ao longo da vidas, serão muito menores do que se vivessem num período de pleno emprego.
Enquanto isso, a Alemanha força outros países a seguir políticas que enfraquecem suas economias – e suas democracias. Quando os cidadãos votam repetidamente por uma mudança política (e poucas políticas importam mais aos cidadãos que aquelas que afetam seus padrões de vida), mas ficam sabendo que estes temas são decididos em outro lugar, e que, portanto, sua escolha é inútil, tanto a democracia quanto a fé no projeto europeu são corroídas.
A França votou para mudar de rumo três anos atrás. Em vez disso, os eleitores receberam outra dose de austeridade pró-corporações. Uma das propostas mais antigas na economia é o multiplicador do orçamento equilibrado. Significa que aumentar conjuntamente os impostos e as despesas estimula a economia. E se os impostos incidem sobre os ricos e as despesas beneficiam as maiorias, o multiplicador pode ser particularmente alto. Mas o dito governo socialista francês está reduzindo a tributação das empresas e cortando gastos – uma receita quase garantida para enfraquecer a economia, mas também para ganhar elogios da Alemanha…
A esperança, afirma-se, é que impostos mais baixos para pessoas jurídicas estimulem o investimento. Isso é pura bobagem. O que está reduzindo o investimento (tanto nos Estados Unidos como na Europa) é a ausência de demanda, não os impostos elevados. Na verdade, como a maior parte dos investimentos é financiada por dívidas, e como o pagamentos de juros é dedutível dos impostos, o nível de tributação das empresas tem pouco efeito na decisão de investir.
Da mesma forma, a Itália está sendo encorajada a acelerar a privatização. Mas o primeiro ministro Matteo Renzi tem o bom senso de reconhecer que vender empresas a preço de banana faz pouco sentido. Também as decisões do setor privado deveriam ser influenciadas por considerações de longo prazo, não por exigências financeiras de curto prazo. A decisão deveria ser baseada em onde essas atividades são realizadas de forma mais eficiente, servindo aos interesses da maioria dos cidadãos da melhor forma possível.
A privatização dos sistemas de Previdência, por exemplo, já provou ser dispendiosa naqueles países que a experimentaram. O sistema de saúde quase inteiramente privado norte-americano é o menos eficiente do mundo. Existem questões difíceis, mas é fácil demonstrar que vender empresas estatais por preços baixos não é uma boa forma de aumentar a força financeira a longo prazo.
Todo o sofrimento na Europa – infligido a serviço do euro – é ainda mais trágico por ser desnecessário. Apesar das evidências de que as medidas de austeridade não funcionam continuarem se acumulando, a Alemanha e outros falcões dobraram a aposta, apostando o futuro da Europa em uma teoria há muito desacreditada. Por que fornecer aos economistas mais fatos para provar isso?
Tradução: Mariana Bercht Ruy
Leia também:
Roberto Requião: A escolha de um homem de “mercado” para a Fazenda
Comentários
Helio
Não sou economista, nem tampouco procuro nos jornais ‘sensacionalistas’ econômicos o que deve ser feito ou desfeito na nossa economia. Porém acredito piamente na lei do mercado: quando a demanda é grande, o preço aumenta, e o inverso quando é pequena. A crise no mercado europeu e também nos EEUUAA é a prática do dilema acima. Falta no Brasil uma política de efetivo controle dos gastos, não de redução de investimentos, não de redução de consumo. Aumentar a carga tributária, está mais do que provado que recai no consumidor final. O mesmo não se percebe quanto aos incentivos fiscais. Mário SF Alves disse muito bem em relação à corrupção. Este é o maior mal existente, que corrói quaisquer intenções de desenvolvimento, seja política, econômica ou social. Falta coragem para se fazer o que já deveria ter sido feito. AH! Mas aí nada funciona no País, na ‘casa’….por que não pensamos da seguinte maneira: se é para ‘apertarmos o cinto’ então que sejamos os primeiros a dar o exemplo….mas então o bolso chora e nada passa de intenções arrojadas…
JoaoMineirim
#ModeCoxinha=ON
Esse Joseph Stiglitz deve ser um economista chapa branca, petralha, comunista, mensaleiro.
#ModeCoxinha=OFF
Economistas se vendem a essa teoria liberal, mesmo sabendo que é infrutífera, para garantir bons empregos, alguns até como comentaristas de assuntos econômicos em grandes grupos da mídia.
Mário SF Alves
A solução apresentada pelo sistema financeiro é a solução que interessa ao sistema financeiro; a solução apresentada pelo poder político conservador é a solução que interessa a esse poder. Tais soluções podem ser cientificamente perfeitas. Podem, inclusive, ser apresentadas como de interesse geral do povo; porém são do interesse apenas desses agentes. Jamais do conjunto da sociedade, do povo. Cada país define o quanto de migalhas serão destinadas ao povo. Uns são mais avarentos, outros menos. Em geral os menos avarentos passaram por dolorosas revoluções sociais, ao passo que os outros não.
E isso é a História que incansavelmente mostra. Tais interesses são e serão sempre mutuamente excludentes. Ou se desenvolve e aplica soluções de interesse do capital ou se desenvolve e aplica soluções de interesse do trabalho. Essa é ortodoxia.
Seríamos nós o único exemplo de país a tentar um arranjo político diferente disso? Não. Os países nórdicos é que se constituíram como a exceção à regra.
O Brasil da última década, dadas as suas carcterísticas, dado o seu potencial, quis e pode demonstrar que os dois mundos podem coexistir [ainda que transitoriamente] em certo grau de harmonia e civilidade. O PT agiu nessa direção. E qual tem sido o resultado?
Tolerância zero. Sempre. E reações cada vez mais antidemocráticas; inclusive mediante o recurso da sabotagem, cada vez mais descarada, cada vez mais comprovadamente criminosa.
Faz-se o maior escarcel espetacularizado [e seletivo] com a questão da corrupção. Todos se escandalizam. E com razão. No entanto, fica cada vez mais claro que o grosso da corrupção no Brasil, a corrupção pesada, é obra do ultra-conservadorismo histórico mediante a influência desregrada do poder econômico. E apenas existe por ser duplamente lucrativa, tanto economica quanto politicamente. E mais. Em tais circunstâncias o corrupto, o corrompido, não existiria sem a pressão, o poder e a cultura próprios do corruptor.
Fernando Budião
Grande reflexão. Lúcida.
Mário SF Alves
Obrigado, Francisco Budião.
Coincidentemente, encontrei uma uma reflexão similar, porém muito mais bem desenvolvida [e perspicaz] no Blog do Nassif. E eu sinto-me especialmente grato por tais coincidências, pois livra-me do desterro de sentir-me manobrado.
O endereço é: http://jornalggn.com.br/noticia/a-corrupcao-como-instrumento-de-extorsao-do-mundo-do-trabalho-por-mario-tome#comment-515005
Francisco
A estupidez da burguesia lembra muito a estupidez da aristocracia do “ancient regime”, da aristocracia feudal.
Cada vez mais me dá a sensação de que a coisa vai se resolver na Bastilha. O que define os BRICS? A ação ostensiva do Estado como indutor. O que define o passado? A plutocracia com um abestado de fachada que passeia de helicóptero “oficial”.
Essa é a real.
mz
Receita para o mundo sair da crise:
1- eliminação da pobreza absoluta, com TODOS tendo pelo menos 3 refeições por dia, para isso a distribuição de bolsa família;
2- PAC 1 e 2;
3- Programa MINHA CASA MINHA VIDA para garantir moradia digna para todos;
4- LUZ PARA TODOS;
5- Investimento massivo em educação, PRONATEC.
6- PROGRAMA DE AGRICULTURA FAMILIAR, nas compras governamentais, principalmente escolas;
7- Mantega para o FMI ou Banco Mundial, mas vai fazer falta aqui no Brasil.
Mário SF Alves
Gostei.
E a boa notícia é que o Mantega pode ir dirigir os BRICS.
Saint Clair Ligorio
Gostei, taca na cara deles…
Daniel
Você esqueceu de um ponto igualmente importante: Eliminar todos os “economistas”. Já é difícil fazer coisas que funcionem, é ainda mais difícil com um bando de retardados tentando sabotar cada passo que você der.
Deixe seu comentário