Salem Nasser: O menino na caverna e sua mãe, Maria, a chorar pelas crianças massacradas ou tornadas órfãs em Gaza; vídeo

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No início de dezembro, tendo à sua frente um presépio com a figura de Jesus de keffiyeh e rodeado de escombros, o pastor palestino Isaac Munther, da Igreja Cristã Luterana de Belém, falou à sua congregação: “O Natal é um raio de luz e de esperança no coração da dor e do sofrimento. O Natal é o brilho da vida no coração da destruição e da morte. Em Gaza, Deus está debaixo dos escombros. Ele está na sala de operações. Se Cristo nascesse hoje, nasceria debaixo dos escombros. Convido-vos a ver a imagem de Jesus em cada criança morta e retirada dos escombros, em cada criança que luta pela vida em hospitais destruídos, em cada criança em incubadoras. As celebrações de Natal foram canceladas este ano, mas o Natal em si não foi e não será cancelado, porque a nossa esperança não pode ser cancelada”. Foto: Reprodução

O menino na caverna e sua mãe, Maria

Jesus é provavelmente meu palestino favorito… bem, talvez meu segundo favorito, depois de sua mãe, Maria.

Por Salem Nasser, no blog Cegueira Seletiva

Jesus é provavelmente meu palestino favorito… bem, talvez meu segundo favorito, depois de sua mãe, Maria.

Eu me pergunto quantas pessoas entre as que celebrarão o Natal hoje se lembram que Jesus nasceu na Palestina, e me pergunto quantas lembrarão do que acontece na Palestina enquanto celebram.

Em Belém, onde os Reis Magos foram testemunhar o recém-nascido e seu milagre, não haverá celebração hoje.

Em toda a Palestina não haverá celebrações. Alguém disse que hoje o menino ficará em sua caverna, sofrendo pelas crianças massacradas ou tornadas órfãs em Gaza.

Acho que se queria referir a um verso de uma canção belíssima, que sempre ouço na voz de Fairuz, a voz do Líbano por excelência.

A letra fala de Jerusalém violentada pelos seus invasores e a certa altura diz do “menino na caverna, e sua mãe Maria [que são] duas faces a chorar”.

Eu às vezes penso em compor um Evangelho muito pessoal, talvez para que eu possa legá-lo a meus filhos. Nele o Cristo apareceria com frequência.

Como é tempo de Natal, o primeiro dos conteúdos do meu Evangelho que revelarei aqui é Morte e Vida Severina, um auto de Natal Pernambucano.

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Nessa peça em versos de João Cabral de Mello Neto, um migrante nordestino, tentando fugir da vida desesperançada, encontra ao longo do caminho tantos outros sofredores e muitas vezes a morte.

Ao final da peça, nasce uma criança e as pessoas ousam esperar novamente. As qualidades do recém-nascido são cantadas.

Alguém diz então ao retirante Severino:

“…é difícil defender, só com palavras, a vida, ainda mais quando ela é esta que vê, Severina, mas se responder não pude à pergunta que fazia, ela, a vida, a respondeu com sua presença viva”.

Meu Evangelho conterá também um poema de Fernando Pessoa, o Poema do Menino Jesus.

Nele Jesus se faz menino novamente e desce dos céus para brincar na terra.

Não é um poema canônico e não corresponde à ortodoxia (que eu pessoalmente posso dispensar), mas me agrada pensar que:

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

No entanto, nem tudo é esperança ou alegra brincar. Por isso, eu incluiria uma crônica de Rubem Braga, Conto de Natal.

Um casal de retirantes com seu filho de seis anos busca abrigo, a mãe está para dar à luz, eles percebem que é noite de Natal, resolvem dar ao recém-nascido o nome de Jesus Cristo, o bebê não sobrevive.

Finalmente, o último Cristo do meu Evangelho que citarei aqui e hoje é aquele de um conto de Hemingway, Today is Friday (Hoje é Sexta-Feira).

Três soldados romanos acabam de participar da crucificação de Jesus e vão à taberna beber.

Um deles, o mais sensível, não se cansa de repetir, admirado: “ele esteve bem, lá, hoje”, “ele me pareceu muito bem, lá, hoje”.

Hoje, pensando nesse Cristo, eu olho para o indescritível sofrimento por que passam os palestinos, olho para as crianças de Gaza e digo: Como eles se mostram bem, lá! Como eles se mostram tão bem, lá!

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