Roberto Amaral: Corte de 92% dos recursos para a pesquisa é sentença de morte sobre o futuro do Brasil
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Foto: Marcos Corrêa/PR
O governo, que já devastou nosso presente, trata de nos negar a chance de futuro.
Por Roberto Amaral*, em seu blog
Robert Oppenheimer é reconhecidamente um dos mais renomados físicos do século passado.
Prêmio Enrico Fermi de 1963, dirigiu o Projeto Manhattan para o desenvolvimento da bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial, no Laboratório Nacional de Los Alamos, no Novo México.
No auge de seu prestígio internacional esteve em nosso país, e no Rio de Janeiro, no dia 23 de julho, pronunciou uma conferência da qual Renato Archer, futuro ministro da ciência e tecnologia (1985-1987) colheu a seguinte afirmação: “Se eu tivesse visitado o Brasil há três anos e me fosse dado percorrer o mesmo itinerário [centros científicos do Rio, São Paulo e Minas Gerais, em cinco semanas] teria vindo aos senhores para lhes implorar que criassem um Conselho Nacional de Pesquisas idêntico ao que ora existe” (cf. FILHO, Alvaro Rocha. Renato Archer – Depoimento. Contraponto, 2006, p. 64).
Pois destruir essa instituição, o hoje Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq, vinculado ao MCTI, é o projeto do governo do capitão, a que se associa a maioria do pior Congresso que nosso país já teve em toda sua tumultuada vida republicana!
Em ofício à Comissão Mista de Orçamento (CMO) do congresso nacional, o especulador Paulo Guedes decidiu, com a aquiescência de todos os partidos (menos o PSOL, registre-se), cortar os recursos antes carreados à ciência e tecnologia, no montante de R$ 690,00 milhões, para meros R$ 55,2 milhões destinados a pesquisas com radiofármacos (e insuficientes para esse fim).
Trata-se de sentença de morte que pesa sobre os destinos do país, condenando-nos a atraso irremediável.
O macabro objetivo do bolsonarismo é destruir o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, construído numa saga que já completa 70 anos.
A razia opera mediante o garrote financeiro. Enquanto os países da OCDE investem, em média, mais de 2% de seu orçamento em ciência e tecnologia, a Coreia do Sul e Israel mais de 4%, o Brasil, em 2020, investiu apenas 1% e ainda reduziu drasticamente os recursos destinados a 2021!
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O governo que desconstitui o ensino superior também investe contra a base da escolaridade. Segundo a mesma OCDE, entre 40 países avaliados, o Brasil é aquele em que o piso do professor do ensino fundamental é o mais baixo.
Em 2020 o MCTI (valores corrigidos) recebeu menos recursos do que em 2009, e o orçamento para 2021, tanto quanto o do MEC, já eram inferiores aos dos anos anteriores.
Para onde vai a “economia”?
Os recursos desviados do CNPq serão distribuídos pelo governo através da artimanha “emendas do relator do orçamento”, excrescência da legislação orçamentária que permite irrigar as bases eleitorais dos apaniguados sem obedecer ao princípio constitucional da transparência.
Como combater as desigualdades em país que mais e mais aprofunda a concentração de renda, se não investimos em educação?
Na CAPES-Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, fundação do Ministério da Educação responsável pela consolidação do sistema de pós-graduação no Brasil, os recursos caíram de R$ 2,8 milhões em 2020, para R$1,9 milhão este ano.
Quando no mundo faltam semicondutores, afetando até a produção industrial brasileira, o capitão está liquidando o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada SA – CEITEC, a maior empresa produtora de semicondutores do país, que forma mão de obra, promove pesquisa e desenvolve produtos para o mercado nacional.
Como transitar da condição de país economicamente atrasado e politicamente dependente na periferia do capitalismo, como superar o estágio de tradicional exportador de matérias-primas para a de exportador de produtos com valor agregado, como industrializar-se e competir no mercado internacional, como, enfim, desenvolver-se, quando o sistema nacional de ciência e tecnologia é desmontado?
O governo, que já devastou nosso presente, trata agora de nos negar a chance de futuro, uma faina à qual se dedica desde o primeiro dia em que, com seus engalanados bem comissionados se aboletou em Brasília, perseguindo a inteligência brasileira, cortando recursos fundamentais para o ensino, a pesquisa e o desenvolvimento científico.
O Brasil, que na colônia foi campeão nas exportações de açúcar e café e outros produtos tropicais demandados pela Europa, e hoje é orgulhoso exportador de grãos e minérios, no regime que nos atanaza passa a exportar cérebros para os países ricos e desenvolvidos.
Desesperançados, jovens pós-graduados, formados em nossas universidades, são obrigados a migrar, na busca de condições favoráveis para a continuidade de seus estudos e o desenvolvimento de suas pesquisas.
O bolsonarismo aprofunda o atraso científico-tecnológico, e o projeta para muitas décadas adiante.
Os gastos com cartão de crédito corporativo (pagos pela União, isto é, com nossos impostos) já somam R$ 50 milhões na gestão Bolsonaro. O patrimônio da Dreadnoughts International Group, offshore criada em 2014 nas Ilhas Virgens Britânicas, pelo ministro Paulo Guedes, é de R$ 52 milhões a ponta de um iceberg – que o especulador admite ter lá depositada em seu nome.
Pois R$ 55,2 milhões é tudo que o CNPq receberá para pesquisa com radiofármacos (remédios destinados ao combate ao câncer e também usados para diagnóstico por imagem), cuja produção chegou a parar em setembro, por falta de recursos, consequência do corte de 92% das verbas destinadas ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-FNDCT, desviadas do MCT com a criminosa omissão do astronauta, a quem falta a necessária dose de amor-próprio para pedir demissão.
Mas, para pedir demissão, o ministro precisaria, antes, ser ético. Como militar candidato a astronauta, passou sete anos em doce e bem remunerada vilegiatura nos EUA, e, para desfrutar de algumas horas no espaço, obra sem serventia para o país, custou ao erário a bagatela de R$ 37 milhões, parte suprida pelo ministério que ainda ocupa.
Quando de seu regresso, logo foi mandado para a reserva bem remunerada, montou empresa para gerenciar palestras – às quais comparecia com o macacão da NASA, até ser repreendido pelos seus chefes na FAB. Resolveu, então, vender colchões e travesseiros, e assim terminou a carreira de garoto-propaganda.
O CNPq, engenho pensado pela inteligência de Álvaro Alberto, seu primeiro presidente, vem desde 1951 fomentando a formação de pesquisadores brasileiros em todas as áreas do conhecimento.
O que hoje podemos chamar de ciência brasileira é fruto do seu exercício na formação científica, na pesquisa básica e na pesquisa aplicada, no desenvolvimento tanto das ciências sociais como exatas, e no desenvolvimento da inovação tecnológica nas empresas.
Por isso foi sempre respeitado pelos sucessivos governos, da mais variada cepa, inclusive no mandarinato militar. O primeiro a intentar esvaziá-lo é este que nos assola presentemente.
Valendo-me da experiência de ex-ministro de Ciência e Tecnologia, arrisco-me a afirmar que não há um só pesquisador brasileiro cuja carreira em algum momento não tenha contado com apoio da instituição.
As principais conquistas da ciência brasileira, lembra o professor Wanderley de Souza — como o desenvolvimento do setor agropecuário, a exploração de petróleo em águas profundas e no pré-sal, a utilização do etanol como combustível, os avanços na área nuclear, a produção de vacinas –, tiveram a participação do CNPq a quem ainda devemos o apoio a instituições fundamentais para o desenvolvimento da ciência brasileira, como o Laboratório Nacional de Luz Sincrotron, o Museu Emílio Goeldi, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, instituições cujo desempenho não podem dizer respeito ao mundo de interesse de um reles especulador financeiro, como é o atual ministro da economia, de um presidente de república réprobo e de um ministro de ciência, tecnologia e inovações que desconhece o que sejam tais coisas.
Além de um congresso nacional hegemonizado pelo centrão, o que há de mais espúrio na abastardada representação política brasileira.
É o indispensável CNPq que o bolsonarismo, com a inefável colaboração de um congresso vexaminoso, se dedica a destruir: em 2013 seu orçamento foi de cerca de R$ 3 bilhões. Em 2021 caiu para R$1 bilhão.
Redução de recursos significa, por óbvio, redução do apoio a projetos e menor número de bolsas de estudos – cujos valores, por sinal, estão congelados há vários anos.
No caso concreto inviabiliza, ainda, a recuperação de parte da infraestrutura dos laboratórios e equipamentos, caríssimos, de alta especialização, perdidos com os cortes de verba que vêm atingindo a área desde principalmente 2015.
País que não investe na formação de quadros superiores é sociedade que renunciou ao seu desenvolvimento, abdicou das esperanças de soberania, conformou-se com a pobreza e se alimenta de profunda desigualdade social.
Este o país, em marcha à ré, que estamos condenados a herdar em janeiro de 2023, se antes não tivermos condições de nos livrar da satraparia governante.
*** Legado de Bolsonaro-Guedes: nos últimos 12 meses o gás de botijão subiu 34,17% (mas vem crescendo ininterruptamente há 16 meses), a energia elétrica 64,77%, a gasolina 39,6% e o etanol 64,77%.
E o general Joaquim Silva e Luna reafirma a política de aumentos constantes dos combustíveis, para garantir bom rendimento aos acionistas da Petrobras.
A cesta-básica passa de 60% do salário mínimo, quando 50% da população com mais de 16 anos vivem em residências cuja receita não ultrapassa dois salários mínimos.
Num corte de 40 países, o Brasil conquistou o campeonato da desigualdade, como aponta estudo da FGV com dados do Gallup World Poll (Estadão, 11/10/21).
Estagflação é o fenômeno que já estamos vivendo, como resultado do encontro de uma inflação alta (10,25% com estimativa de 18%) com um PIB per capita de 1,3%. É o avanço do retrocesso.
Sertânia- O filme de Geraldo Sarno é a boa sugestão para quem gosta de arte. Argumento clássico da saga nordestina, direção e fotografia excelentes.
*Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia
ENTIDADES SE MANIFESTAM CONTRA MANOBRA SORRATEIRA DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA QUE RETIRAR RECURSOS DO CNPq
“A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e a Academia Nacional de Medicina (ANM) não se calarão frente a mais este ataque à ciência brasileira. Estamos estudando todas as medidas cabíveis para impedir que esta ilegalidade siga adiante e conclamamos toda a comunidade científica, empresarial e política que apoia a ciência a dar um basta nos desvios de recursos do setor”, afirmam as entidades em nota
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), juntamente com a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), a Academia Nacional de Medicina (ANM), e quatro Sociedades que subscrevem o documento, divulgam nota contra a manobra do Ministério da Economia que retira recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O documento foi enviado para todos os deputados federais e senadores.
Leia abaixo o documento na íntegra:
CORTE INEXPLICÁVEL DE RECURSOS COLOCA CNPq EM RISCO
Foi com perplexidade que recebemos a notícia de que o Ministério da Economia – ME, poucas horas antes da votação do PLN 16/2021 nessa quinta-feira [07/10], resolveu mudar a destinação dos recursos previstos no projeto, em uma manobra sorrateira e sem qualquer justificativa aceitável.
Este PLN liberaria R$ 690 milhões para a ciência brasileira, beneficiando diretamente o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares – IPEN.
A nova versão do PLN 16/2021 manteve apenas os recursos para o IPEN, totalizando R$ 63 milhões para cobertura da produção e fornecimento de radiofármacos.
Ocorre que um dos pontos nevrálgicos do projeto simplesmente desapareceu: a liberação de R$ 515 milhões para fomento à pesquisa, que seriam realocados em benefício do CNPq.
Estes recursos serviriam para cobrir os custos da retomada da Chamada Pública Universal, anunciada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI em 31 de agosto. No próprio anúncio, a pasta destacou que o edital “só foi possível graças ao descontingenciamento do FNDCT”.
A liberação fazia parte do cumprimento da Lei Complementar n° 177/2021, que proíbe o bloqueio de recursos do FNDCT em Reserva de Contingência a partir deste ano.
Ocorre que o ME, decidido a não cumprir a lei, modificou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021 apenas para manter os recursos bloqueados e podem usá-los para pagamento da dívida pública nacional.
Causa justificada indignação que a equipe econômica se recuse a cumprir as leis do País, manobrando nos últimos minutos de um processo legislativo que tem seu tempo, para evitar alocar o dinheiro arrecadado para financiar a ciência, tecnologia e inovação. Quando mais precisamos da ciência, a equipe econômica age contra a lei, com manobras que sugerem a intenção deliberada de prejudicar o desenvolvimento científico do Brasil.
Além de não liberar os R$ 690 milhões à revelia dos compromissos firmados com setor, cerca de R$ 2 bilhões do FNDCT seguem pendentes de destinação, em claro descumprimento da Lei Complementar n° 177/2021.
É incompreensível que o Congresso Nacional permita que suas decisões, manifestadas democraticamente na aprovação de Leis para o País, sigam sendo descumpridas por meio de manobras de último momento. É preciso priorizar a ciência. Ciência é vida!
A retenção de recursos da ciência para o pagamento da dívida pública é ilegal. Não é possível admitir que uma lei transitória como a LDO seja usada para descumprir uma Lei Complementar, aprovada com plena maioria da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Apelamos a todos os parlamentares que seja dado um basta nos desvios de recursos da ciência brasileira. O Brasil precisa de ciência, precisa de tecnologia, precisa de inovação, precisa de educação. E é inaceitável que os recursos destinados para o setor sejam desviados para outras funções, à revelia da legislação.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e a Academia Nacional de Medicina (ANM) não se calarão frente a mais este ataque à ciência brasileira. Estamos estudando todas as medidas cabíveis para impedir que esta ilegalidade siga adiante e conclamamos toda a comunidade científica, empresarial e política que apoia a ciência a dar um basta nos desvios de recursos do setor.
São Paulo, 8 de outubro de 2021
Renato Janine Ribeiro
Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
Luiz Davidovich
Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC)
Rubens Belfort Jr
Presidente da Academia Nacional de Medicina (ANM)
Flávia Calé
Presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG)
Também subscrevem esta nota:
Associação Brasileira de Antropologia (ABA)
Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS)
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