Procuradoria dos Direitos do Cidadão alerta: MP para monitorar organizações sociais é inconstitucional
Tempo de leitura: 3 minPara o órgão, que integra o MPF, a norma viola o artigo 5º da Constituição Federal que veda a interferência estatal no funcionamento dessas instituições
O conteúdo da medida provisória 870/2019, editada no dia 1º de janeiro pelo governo federal, viola princípios constitucionais. Esse é o posicionamento da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão que integra o Ministério Público Federal (MPF), diante da norma que instituiu como uma das funções da Secretaria de Governo da Presidência da República “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar” a atuação de organizações da sociedade civil no Brasil.
O argumento pela inconstitucionalidade do art. 5º, inciso II, da MP 870/2019 foi encaminhado em Nota Técnica [na ;integra, ao final] ao Congresso Nacional, como subsídio à análise dos parlamentares que votarão a MP.
A PFDC enviou ainda, nesta quarta-feira (30), representação à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, solicitando que seja analisada a possibilidade de se apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação pedindo a inconstitucionalidade desse trecho da MP.
De acordo com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a norma editada no dia 1º de janeiro infringe, direta e expressamente, os dispositivos do artigo 5º da Constituição Federal.
O texto constitucional registra que a criação de associações sociais no Brasil independe de autorização, sendo vedada a interferência estatal no funcionamento dessas instituições.
“A participação social é um imperativo constitucional que tem em conta o fortalecimento do regime democrático e da democracia participativa, além de orientar políticas públicas para que se desenvolvam em um ambiente de pluralismo e diversidade, assim como para assegurar o controle da gestão pública”, esclarece a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat.
Ao destacar os direitos à liberdade de associação, de representação e de organização social, a PFDC elenca uma série de conformações coletivas já presentes no texto da Constituição de 88. “Para ficar apenas com os mais óbvios: liberdade sindical (art. 8º), direito à greve (art. 9º), iniciativa popular de lei (art. 61), ação popular (art. 5º) e o próprio Conselho da República (art. 89)”.
A Procuradoria destaca que o texto constitucional brasileiro não traz novidade no que se refere ao reconhecimento da participação social como direito do cidadão.
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“A maior parte dos países da região dispõe de leis nacionais que estabelecem a organização da participação institucional. A participação política também é garantida por instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados e vigentes nessas nações, previstos inclusive no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos”.
No Brasil, os registros do processo constituinte que levou à Constituição de 1988 revelam a razão dessa escolha.
“Trata-se de um documento que distribui fartamente direitos, que propõe-se a reorganizar os espaços sociais e a reorientar as relações entre as pessoas, atento sempre ao diverso e ao plural. Ele só foi possível porque os constituintes reconheceram a importância da participação social, e esta permitiu que direitos ignorados, histórias suprimidas e vozes sufocadas fossem publicamente discutidos e reconhecidos”.
Controle de licitude de ONGs já conta com legislação
A Procuradoria dos Direitos do Cidadão esclarece que o conjunto de normas existente no ordenamento jurídico brasileiro já satisfaz, com folga, o controle das organizações da sociedade civil no que diz respeito à verificação da licitude de suas atividades e à gestão de recursos públicos.
Entre as legislações que trazem esse amparo estão a Lei de Improbidade Administrativa (8.429/2002), a Lei Anticorrupção (12.845/2013) e a própria Lei 13.019/2014, que surge no contexto do programa do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil.
Para o órgão do Ministério Público Federal, portanto, ao tratar de “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar” essas instituições, o texto da MP 870 excede, em muito, as possibilidades de intervenção estatal nas organizações sociais em atuação no território nacional. “Não há liberdade de associação quando o poder público intervém na sua administração ou funcionamento”, pontua o texto.
Experiência em outros países
No documento encaminhado ao Congresso Nacional e à procuradora-geral da República, a PFDC destaca que democracias consolidadas tratam o princípio da não interferência estatal nessas atividades como condição necessária para que as pessoas se lancem livremente a projetos coletivos lícitos, com a segurança de que eles serão autoadministrados.
Não por acaso, recentemente a Comissão Europeia de Direitos Humanos chegou a notificar formalmente a Hungria por desconformidade de sua legislação sobre organizações sociais com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
A lei húngara introduziu novas obrigações para certas categorias de ONGs, estabelecendo que aquelas que recebem um determinado volume de recursos internacionais informassem às autoridades o valor do montante, sob pena de sanções.
A Comissão Europeia entendeu haver ofensa ao direito de associação, que assegura que essas instituições acessem recursos lícitos para a consecução dos seus propósitos – com a garantia da privacidade desses dados.
Comentários
Zé Maria
A Medida Provisória 870/2019 foi o Ato Institucional Nº 1 (AI-1)
Já corre no STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6057
que questiona a Extinção do Ministério do Trabalho.
O Relator é o Ministro Ricardo Lewandowski
que a partir de hoje (1º) pode decidir a qualquer momento
sobre o “Pedido de Liminar para suspender a eficácia dos artigos
23, XXIV; 31, XXXI, XXXII, XXXIII, XXXIV, XXXV, XXXVI e XXXVII;
37, VI e XXII da MP 870/2019”
http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=400458
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